sexta-feira, dezembro 28, 2007

Estamos de férias!


Amigos participantes, pitaqueiros e olheiros deste blog: Estamos entrando em nossas férias coletivas! (e sem 13º...) . Agora em Natal e Ano Novo vamos dar aquela paradinha para viagens, encontros com a família e outros que tais para voltarmos com energia extra em 2008. Eu, particularmente, viajo para Mutuípe, no interior da Bahia, e para Belém, no Pará. Me desejem boa sorte ;). De todo modo, deixei aqui um texto reflexivo sobre o início da minha tese de doutorado. Eu sei, eu sei que está pesado para um blog!... Mas é por isso que estamos entrando de férias, para ver se depois voltamos ao normal.

grande beijo!!!


Jussilene Santana


p.s.: Gil também manda beijos.

especulações

Alguns paradoxos sobre o nacional, o popular e a direção de
Martim Gonçalves para a Escola de Teatro da Universidade da Bahia (1956-1961)

Nos meios culturais e acadêmicos baianos muito se especulou e ainda se especula sobre o caráter da direção de Eros Martim Gonçalves à frente da Escola de Teatro da então Universidade da Bahia. Criada oficialmente em 13 de junho de 1956 e entranhada no coração da provinciana Salvador, a instituição, primeira escola de teatro no Brasil ligada a uma universidade pública, nasce sob a égide deste encenador que foi também seu primeiro administrador. Apesar da importância desta iniciativa para os campos educacionais, artísticos e culturais do país, até o momento nenhum estudo discutiu o tema com a profundidade e a seriedade que lhe são devidas.
Em minha pesquisa de doutorado, proponho como objetivo central analisar as escolhas estéticas tomadas por Gonçalves à frente da referida unidade de ensino e de prática teatrais. Através do levantamento da produção empreendida nos seis anos em que capitaneou a escola e sua companhia fixa, denominada de A Barca, pretendo investigar o porquê da escolha de Gonçalves por dados autores, intérpretes, metodologias de ensaio, na dada conjuntura temporal e sócio-econômica que estava submetido. Também objetivo investigar sobre as rotinas produtivas de atores e técnicos, assim como os esquemas de produção que dispunha, numa terra até então lastreada pelo teatro amador e por esporádicas passagens de espetáculos produzidos no Rio de Janeiro, São Paulo e, ainda bem mais raro, Portugal, Espanha e França.
Diretor da Escola de Teatro entre junho de 1956 e agosto de 1961, Martim Gonçalves dirigiu e apresentou ao público soteropolitano dezoito espetáculos, entre textos nacionais e estrangeiros. Outras dez montagens foram apresentadas por encenadores-professores convidados (na ordem): Antonio Patiño, Gianni Ratto, Charles McGaw, Herbert Machiz e Luis Carlos Maciel. Mesmo com as viagens e após o afastamento definitivo de Gonçalves, as peças escolhidas faziam parte do projeto por ele já acordado para o ano letivo em questão. Administrador ativo, Gonçalves realizou ainda um sem número de eventos, entre eles, palestras, seminários e mostras de filmes que também nos ajudam a compreender o seu projeto artístico-educacional.
A administração Gonçalves acontece num momento de radicalização do espírito nacionalista no Brasil. São os anos do governo Juscelino Kubistcheck, de crescimento da industrialização e de abertura para o capital internacional. O Nordeste (e a Bahia em particular) atravessa uma intensa mobilidade em sua estrutura social a partir da descoberta de petróleo em seu território. Em toda a nação, o governo democrático e eleito permite que a sociedade civil e a juventude universitária se organizem como nunca. Para grande parte do país, era chegada a hora de romper com as dependências externas, máculas de sucessivos períodos históricos e diversos modos de colonização. Nacionalismo e politização capturam as artes exatamente nos anos 1950/1960, sendo que a popularização da linguagem teatral foi encarada como uma arma ativa neste combate.
Como não poderia deixar de ser, ao longo deste período, a presença do texto nacional no projeto de Gonçalves à frente da Escola de Teatro já era bastante discutida. Nestes seis anos, ao lado dos grandes nomes da dramaturgia ocidental (como Tchecov, Strindberg, Camus, Lorca e Brecht) ele monta os brasileiros Maria Clara Machado (O Boi e o Burro a caminho de Belém), Ariano Suassuna (Auto da Compadecida), Arthur Azevedo (Uma Véspera de Reis na Bahia e A Almanjarra), Antonio Callado (O Tesouro de Chica da Silva), Francisco Pereira da Silva (Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra) e o baiano Ecchio Reis (Cachorro Dorme na Cinza). Este último resultado do Curso de Formação do Autor, mantido pela instituição e que, nos próximos anos, ainda promoverá outros cursos de playwriting, sob a coordenação de Stanley Richards.
Contudo, apesar desta presença, o projeto-pedagógico de Gonçalves, não parece mostrar sintonia com qualquer engajamento, seja a temáticas, a estilos ou a uma moral particular. A partir da minha dissertação de mestrado, Impressões Modernas – Compreensão e Debate sobre Teatro na Cobertura dos Jornais A Tarde e Diário de Notícias entre os anos 1956 e 1961, a figura de Martim Gonçalves surge, não raramente, paradoxal. Não é incomum às vezes termos a impressão de que as matérias falam de pessoas diferentes. Daí a habitual leitura que, desde a época, tenta capturá-lo: herói ou vilão? Contudo, do contraditório que é essa persona pública construída pelos jornais, emerge, talvez, uma certeza: Martim Gonçalves era um legítimo ‘homem de teatro’.
A partir desta dissertação e como hipótese inicial de trabalho para o doutorado, defendo a idéia de que Gonçalves objetivava se mover no próprio campo social da arte, ou seja, naquilo que este possui de autodeterminação e auto-engendramento de seus próprios significados e hierarquias, segundo suas próprias regras, agentes, obras e instituições. Através das montagens teatrais que capitaneou em seis anos de produção, Gonçalves pretendia se movimentar num ambiente no qual a liberdade de expressão, tanto de forma, quanto de conteúdo, deveriam ser soberanos em relação aos eventuais desmandos de outros sistemas sociais heterônomos, ou seja, em relação às demais regras do jogo do poder econômico, político e/ou midiático. E o que é mais curioso: ele queria se mover no interior de um campo no qual ele próprio traçava os primeiros contornos.
Sendo assim, meu doutorado pretende provar a tese de que a produção estética empreendida pelo encenador Eros Martim Gonçalves, durante os anos em que esteve à frente da Escola de Teatro da então Universidade da Bahia, objetivava, através das regras do próprio campo artístico, pregar a liberdade e a independência dos valores da arte teatral em relação à sociedade que outrora encontrou por aqui. A questão é que, simultaneamente, ao constituir-se este campo de poder paralelo, magistralmente (e quase que unicamente) gerenciado por Gonçalves, a arte teatral em Salvador ameaçou os demais campos instituídos, provocando a ruptura e o isolamento do diretor, sobretudo a partir da montagem de A Ópera dos Três Tostões, de Bertolt Brecht.
Voltado para seu ofício, Gonçalves parece menosprezar as ingerências dos outros campos sociais no fazer artístico teatral, a despeito de, paradoxalmente, considerá-los apenas até o momento em que seus projetos conseguissem ser capitaneados. Como um legítimo ‘moderno’ acredita na autonomia da arte e no que esta, assim acionada, poderia ensinar sobre o “resto do mundo”, pretendendo discuti-la apenas em seus próprios termos poéticos. Contudo, Gonçalves também soube ativar os poderes políticos e midiáticos à disposição para alavancar o projeto da instituição, sobretudo em seus primeiros anos. O paradoxo é que, através de suas escolhas poéticas, dava mostras de que ‘teatro não se mistura’, a priori, com política, ética e religião, atitude comumente entendida como alienação, diletantismo e esteticismo. Adjetivos rapidamente sacados pelas elites intelectuais de esquerda e rotineiramente empregados ao diretor.
Tal estado de coisas, não apenas nas artes cênicas, assumia no período a polarização simplista entre universal/alienado versus nacional/engajado. Contudo, parece redutor não perceber como a Escola de Teatro neste período se apropriou metodicamente de diversas contribuições do fazer teatral, independentemente de suas origens, promovendo assim seus possíveis desdobramentos, inclusive a partir de grupos que se desmembraram dela. Cabe lembrar que teatro moderno, ou melhor, a arte moderna, já não obedecia a fronteiras, acolhendo contribuições, entre tantos, de artistas russos, alemães, americanos e franceses.
O que nos chama a atenção em especial é a sensibilidade de Gonçalves também para temáticas nacionais e populares, fator que nunca foi bem compreendido por aqueles que criticavam sua produção.
Dito isto, aqui poderíamos acolher uma série de matérias retiradas da cobertura jornalística do período que repercutem tais iniciativas da Escola de Teatro em trabalhar com as raízes populares da região. Uma matéria sobre o reinício das aulas na Escola de Teatro, publicada em 13 de abril de 1957, informa que Martim Gonçalves organizará, na França, a exposição Dança e Teatro Popular no Brasil. No texto, lemos que o professor esperava com a mostra (mais tarde integrada ao acervo da Escola de Teatro) desenvolver um “programa de ensino, formando novos técnicos para o teatro brasileiro e incentivando os autores dramáticos a entrarem em contato com as fontes de inspiração tradicional e popular”.
Na mesma linha de aproximação de nossas matrizes culturais populares, vemos outro artigo de Martim Gonçalves publicado no Letras e Artes, de 23 de novembro de 1958. No artigo ‘O Mamulengo’ Gonçalves analisa as origens do teatro de bonecos nordestino, explicando a diferença entre os fantoches, de feitura popular e encenação direta, para a marionete, erudito e de leitura complexa. Sendo, segundo ele, o mamulengo, “um teatro de improvisação (...) de ação dramática simples (...) muito famoso em Pernambuco”. O longo texto cita ainda um importante fazedor de mamulengos, o pernambucano Severino Alves Dias, mais conhecido como doutor Babau, e seu principal personagem, o Cheiroso. Na ocasião, Gonçalves compila cantigas do grupo, associando o gênero de suas histórias à farsa e à Commedia dell’arte. No final, ressalta que esta estética sobreviveria nas nossas feiras.
É também por esta época que a Escola de Teatro repercute na imprensa a reorganização do Rancho da Lua, antigo grupo nordestino, desativado há 46 anos. Na matéria do Diário de Notícias, Mestre Hilário das Virgens, autor do Rancho na cidade de Itaporanga, afirma que “a última apresentação (ocorreu) em Esplanada em 1912”. O grupo fez apresentação especial nos jardins da Escola de Teatro, em 09 de dezembro de 1958, sendo o fato divulgado no dia seguinte pelo jornal. A atração descrita como “simples e brejeira” acabou angariando o apoio da Rádio Sociedade para apresentações em diversos bairros da capital, através do projeto Sociedade nas praças. A matéria publica uma cantiga e ainda explica a diferença entre Rancho (mais pandego e democrático) e Terno (mais sério e aristocrático), contudo ambos grupos festeiros das solenidades de Natal. No espetáculo Uma Véspera de Reis na Bahia, apresentado em junho de 1960, os alunos da Escola apresentaram um Terno de Reis com músicas organizadas pelo Rancho da Lua. O fato também repercutiu na imprensa. Nota-se em todo texto publicado o cuidado conceitual de separar as peculiaridades de cada expressão.
Um ano depois, em 1959, já com a parceria da arquiteta Lina Bo Bardi, Martim Gonçalves mergulhará ainda mais nas raízes populares da cultura nordestina na Exposição Bahia, da V Bienal de São Paulo. A apresentação do evento, assinada por ambos, é publicada na capa do Letras e Artes, na edição de 11 e 12 de outubro de 1959. Na abertura do artigo, eles questionam as fronteiras habituais do que é ou não arte, recusam suas divisões em categorias estanques e afirmam o direito do homem comum em viver na plenitude de suas expressões:
“A grande arte que cederá seu lugar a uma expressão estética ‘não-privilegiada’, a produção folclórica, popular e primitiva perderá seu atributo (mais ou menos explícito hoje) de manifestação não-consciente ou de transição para outras formas, e significará o direito dos homens à expressão estética, direito esse reprimido há séculos nos ‘instruídos’”.
Na instalação cênica armada no Parque do Ibirapuera em São Paulo, flores de papel, objetos de barro, cumbucas, imagens de santos e carrancas ressaltam que a “vida cotidiana exprime poesia”, a depender do “jeito de se olhar as coisas”. Ainda segundo o texto, “não por mero acaso essa exposição é apresentada por uma Escola de Teatro, pois o teatro reúne todas as necessidades do homem estético”. A Bahia foi escolhida e eles explicam o porquê: “Apresentamos a Bahia. Poderíamos ter escolhido a América Central, Espanha, Itália Meridional ou qualquer outro lugar onde o que ainda chamamos de ‘cultura’ não tivesse chegado” (grifo nosso). Obviamente, cabe ressaltarmos que o conceito de cultura empregado por eles é sinônimo de civilização, de urbanidade. Este tópico merece maiores desdobramentos.
O cineasta Glauber Rocha, que também participou da organização do evento, dá sua versão, no artigo ‘Episódio Bahia na cidade de São Paulo’, publicado no mesmo caderno, no mesmo dia:
“Eu sempre pensei que o mal do artista brasileiro é sua consciência: ou ele renuncia ao vanguardismo, sacrificado por existência histórica em função de uma pesquisa de base (e aí poder oferecer daqui há dois séculos uma tradição) ou salta para a vanguarda e se liquida na curva do encontro com sua autenticidade. (...) a renúncia é um golpe de maior alcance e coragem”.
Afinada ao debate, no final deste mesmo mês, a Escola de Teatro inaugura na estréia de A Sapateira Prodigiosa,
“(...) uma exposição de arte popular em relação com as fontes de inspiração do grande poeta Garcia Lorca. Será uma manifestação do Museu Vivo que a Escola de Teatro inaugurou no saguão do teatro e que vem apresentando ao público uma série de exposições das mais interessantes sobre documentos da vida brasileira, a terra e o povo como também, exposição de objetos de arte brasileira e estrangeira” (Diário de Notícias, 27 de outubro de 1959).
O que notamos na pesquisa do mestrado já citada é que as demais escolhas de Gonçalves – trabalhar com o repertório internacional de textos, receber o apoio, inclusive financeiro, do governo americanos num momento de extrema polaridade da geopolítica mundial, menosprezar uma intervenção política mais imediata nas montagens – irão, aos poucos, ser privilegiada na cobertura dos jornais estudados, em detrimento ao trabalho que o diretor ainda realizava de investigação das raízes populares nordestinas e de formação de autores baianos. Chegando-se mesmo à tentativa de retirar de sua figura tais ações, transmitindo-a para sua parceira de projetos Lina Bo. Note-se, para maior investigação, as questões da autoria da própria exposição na Bienal de 1959 e a criação e supervisão de Martim Gonçalves para a Escola da Criança, em funcionamento no Museu de Arte Moderna da Bahia (então Mamb), no foyer do Teatro Castro Alves.

Jussilene Santana, dezembro de 2007

sexta-feira, dezembro 14, 2007

A MELODRAMÁTICA INDÚSTRIA CULTURAL


O século passado foi o momento da história onde mais de perto a arte teve que se relacionar enquanto produto, num sistema de funcionamento abertamente capitalista, no ocidente.
A Escola de Frankfurt, com seus grandes filósofos de tendência abertamente marxista, foi quem primeiro se debruçou sobre esta questão, pondo na ordem do dia a relação arte e capital, produto, moeda.
Foi desta Escola, mais precisamente de Theodor Adorno, que surgiu a expressão “Indústria Cultural”. Feliz achado que cunharia todo o processo de capitalização da criação artística, momento em que “elementos inconciliáveis da cultura, arte e divertimento” acabaram por ser “reduzidos a um falso denominador comum” (ADORNO, 2007: p.29), numa desesperada tentativa de fisgar o público fugidio, por um lado, e numa esperta tentativa de lucrar a partir do entretenimento, por outro.
A estandardização e a produção em série, analisadas por Adorno, foram insistentemente estimuladas para uma uniformização do produto; numa clara relação com o processo industrial que revolucionou e instaurou o capitalismo no mundo. Processo de padronização, este, que pudesse agradar a todos e ser produzido e reproduzido de forma sistemática, para atender a uma demanda de venda e retro-alimentar o sistema.
A lógica capitalista, estreitamente ligada à lógica burguesa e – como bem analisa Weber – à protestante, também, já começa a aparecer no teatro durante a ascensão das classes menos favorecidas e não-nobres, durante a Revolução Francesa. Neste período, surge o Melodrama, um estilo de teatro “para este público novo, em sua grande maioria inculto, no qual se desejava inculcar certos princípios de sadia moral e boa política” (THOMASSEAU, 2005: p.28). É uma mentalidade nova que surge, atrelada à ética protestante onde “o trabalho profissional sem descanso como o meio mais saliente (...), ele, somente ele, dissiparia a dúvida religiosa e daria a certeza do estado de graça” (WEBER, 2005: p.102), onde a ascese religiosa estava intimamente ligada ao ganho, ao lucro: era a mentalidade da predestinação através da bem-aventurança em vida. Os eleitos seriam os “bem-de-vida”.
A moralidade surge também como forma de proteger o patrimônio, a propriedade, através da legitimidade genética, financeira e social, e não é por acaso que a moralidade está intimamente ligada à ideologia do Melodrama.
A produção em série, desenfreada e desesperada dos autores do período, se valendo de formas, fórmulas e técnicas conquistadas a partir do drama burguês e de um estudo corrompido da poética de Aristóteles – que viria a ser o cânone do teatro bem feito – é curiosamente refletida no caráter descartável de tais produtos, aqui chamados propositalmente por este nome. As peças ficaram pra história da dramaturgia apenas como exemplos de um período, não mais sendo montadas, esporadicamente lidas.
Neste período parece girar na cabeça dos artistas de teatro o germe de uma indústria cultural, as cifras de um lucro fácil e sedutor, um teatro cheio de bailados, artifícios, efeitos, mágicas.
É bom lembrar que “assumindo o trono”, as classes não-aristocráticas passam a não mais trabalhar com o sentido do mecenato, as tradicionais famílias perdem suas riquezas e o paroxismo disso parece ser o século XIX, onde toda a Europa passa a explorar matéria-prima através da colonização e se concentra em girar seu capital todo em torno da indústria; terra e títulos perdem seu valor, e o mecenato é trocado pela necessidade direta do artista de vender sua obra.
“Para todos alguma coisa é prevista, a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente” (ADORNO, 2007: p.11), e a arte passa a uniformizar-se em seus padrões, buscando o entretenimento e esquecendo o caráter particular da arte de ser espaço de subjetivação, transgressão e questionamento. “Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra” (ADORNO, 2007: p.41). Assim, o artista se torna um manipulador de fórmulas que agradem o público; seu produto precisa ser vendido.
A fórmula cheia de qüiproquós do Melodrama, com seus vilões, donzelas, irmãos trocados, questões financeiras, moralismos exacerbados e questões religiosas, dentro de uma estrutura matematicamente elaborada de reconhecimentos, títulos e perseguições, parece ser uma herança da qual o teatro não consegue nem quer se desvencilhar. Levado para a televisão e para o cinema, as doses são ainda mais cavalares, e tudo dentro de uma perspectiva industrial, de venda e consumo – se possível imediato – para fazer girar o capital, mola-mestra do nosso sistema.
Curiosamente, a excentricidade procurada na arte teatral – que tem sua origem nas representações populares e medievais, nas alegorias, no grotesco, no ritual e no simbólico – é um outro lado da mesma moeda, no que tange às questões do consumo e do produto.
Em sua maioria, “aquele que resiste só pode sobreviver integrando-se. Uma vez registrado em sua diferença pela indústria cultural, já faz parte desta” (ADORNO, 2007: p.23). Adorno vai, inclusive, refletir sobre a eventual liberdade dada pelo capitalismo: “A liberdade na escolha das ideologias, contudo, que sempre reflete a pressão econômica, revela-se em todos os setores como liberdade do sempre igual” (ADORNO, 2007: p.73).
Basta ver como certos artistas, portando a bandeira de diferentes e transgressores, num instante passam a fazer de sua excentricidade sua moeda de troca, num jogo de interesses onde – ao invés de superar-se em busca de novas linguagens e novas estéticas – o artista vende sua diferença como exótico animal de um circo imaginário.
Parece quase impossível sair das teias visguentas da indústria, e parece desesperador se ver defrontado com um impasse do artista sobre sua criação, sua sobrevivência e a busca do público. Saliento aqui o fato de que a arte deve comunicar, de alguma forma, para que ela possa se realizar, no teatro, a partir da premissa de que não se faz teatro sem ator e público, mas há algo na própria filosofia do artista contemporâneo que está contaminada, talvez, do pensamento comum.
É justamente neste ponto que se encontra a pedra de toque, a meu ver, para a possibilidade de saída do artista. O que mais vemos são obras que – a despeito de sua estética contemporânea, pós-dramática, extravagante ou visceral – encontram-se subliminarmente vinculadas a uma ideologia capitalista, religiosa, politicamente correta, bem como a uma resolução melodramática dos fatos que corrobora o caráter moralista, como bem diz Adorno: “A moral da cultura de massa é a mesma dos livros para rapazes de ontem, embora ‘aprofundada’” (ADORNO, 2007: p.52). Este caráter mais “aprofundado” que Adorno coloca pode ser visto de várias maneiras.
O teatro, assim como toda manifestação humana, obviamente, teve que ir se adaptando às revoluções científicas, filosóficas e estéticas que já se encontram sob o conhecimento, aceitação e conformidade do senso comum; quase que como regras de etiqueta à mesa das refeições fast-food.
A perda da inocência é algo que – qual bola de neve – se torna uma avalanche periódica na sociedade. Perde-se a inocência a partir de descobertas científicas, do desvelamento de fatos já sabidos, mas escondidos da sociedade, das mudanças tecnológicas, das informações da mídia, das revelações históricas. Com isso, perde-se também o olhar inocente, na arte. Faz-se então necessário que determinadas temáticas se adequem às novas realidades e morais de um período.
Seria muito ingênuo da parte de nós artistas – pra me utilizar da mesma palavra em questão – achar que novas temáticas que surgem, e como são tratadas, servem muito mais como transgressão do que como adequação à satisfação geral.
Falar de travestis, homossexuais, negros, poder feminino, políticos corruptos e desigualdade social são bolas da vez que surgem nas telas e palcos sob os aplausos de uma classe artística que cada vez mais se adequa ao gosto comum, ao pensamento medíocre da sociedade atual.
Podemos também ver obras onde, por exemplo, o vilão se dá bem no final. Ao invés de uma subversão do melodrama, podemos ver aí um artifício que ecoa na cabeça do público como: “olha como essa obra reflete nossa sociedade injusta”. Mas por trás disso não há nenhuma transgressão, relativização, subjetivação. O vilão se dá bem porque assim querem ver os espectadores ávidos por comprovar – num claro espelho da sociedade – que na ficção também acontece o mesmo que no jornal da noite. Fica claro e evidente que a arte perde seu caráter único de ser um espaço deslocado do lugar-comum.
É muito triste ver alguém analisar um mero subproduto artístico como algo inventivo e novo, por tratar de questões que o jornal da noite, as mesas de bar, as revistas semanais e a novela das oito estão tratando também. É a uniformização da arte, como produto e como idéia mediocrizante. Diz-nos Adorno:

Adequando-se por completo a necessidade, a obra de arte priva por antecipação os homens daquilo que ela deveria procurar: liberá-los do princípio da utilidade. Aquilo que se poderia chamar o valor de uso na recepção dos bens culturais é substituído pelo valor de troca, em lugar do prazer estético penetra a idéia de tomar parte e estar em dia... (ADORNO, 2007: p.61)

O princípio da utilidade, na arte, é visto aqui por Adorno como problematização para o real lugar da arte, que segundo Ortega y Gasset é o lugar que não é o humano, está para além do cotidiano, do usual, do que é esperado, aceito, moralmente e eticamente em consonância com o pensamento comum.
Mas a arte vem servindo como espelho da sociedade, e se basta assim, para ela. Já não se sabe o que a publicidade herda da arte (e vice-e-versa), o que a arte herda dos movimentos sociais (e vice-e-versa), o que os movimentos sociais herdam das revistas semanais e assim por diante, num rizoma negativo de fatos que superficializam e uniformizam as linguagens, e consequentemente, viram “as formas do surpreendente e todavia familiar, do leve e contudo incisivo, do especializado e entretanto simples” (ADORNO, 2007: p.69) que vão caracterizar a arte do século passado.
Não é, portanto, irresponsável perceber e assinalar no germe do capitalismo e do estabelecimento da burguesia o que viria a se tornar a indústria cultural do século XX, que procurou uniformizar e usar fórmulas para atrair o público, e – mais especificamente no teatro – um comportamento, técnicas e uma ideologia que surgem no teatro burguês e vão se firmar com o melodrama; teatro especialmente feito para uma classe ignara e que tem como princípio a ascensão e a circulação de capital.
“Senso crítico e competência são banidos como presunções de quem se crê superior aos outros, enquanto a cultura, democrática, reparte seus privilégios entre todos” (ADORNO, 2007: p.26,27). Tudo isso sobre a aprovação do “funesto apego do povo ao mal que lhe é feito” (ADORNO, 2007: p.26).
Antes de tudo, é preciso ter olhos de madeira, como os de Pinóquio, e tentar olhar de fora como se configura a sociedade. O grande intelectual, o grande artista e o grande filósofo têm a capacidade de perceber as dissonâncias da sociedade, a coisificação, a massificação, a mediocrização, tudo que a corrompe, deforma e uniformiza, e – com estes olhos de madeira – criticar, desvelar e expor as mazelas da sociedade.
O artista tem que descobrir a tragédia do seu tempo.

BIBLIOGRAFIA:

ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. Editora Paz e Terra. São Paulo, 2007.
ORTEGA y GASSET, José. A desumanização da arte. Cortez Editora. São Paulo, 2005.
THOMASSEAU, Jean-Marie. O melodrama. Editora Perspectiva. São Paulo, 2005.
WEBER, Max. A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. Editora Schwarcz. São Paulo, 2005.

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Xmas qdo kiseres

TEATRO/leitura dramática
Mundo marginal adolescente


Xmas Qd Kiseres, do português Jorge Louraço, ganha leitura dramática dirigida por Gil Vicente Tavares nesta segunda, 10, às 18h30min, no Teatro Martim Gonçalves. Entrada franca.
A propósito dos 200 anos da chegada da família real no Brasil, que se comemora a partir de janeiro, o Ciclo de Leituras Dramáticas da UFBA escolheu o novo teatro português como tema. Xmas Qd Kiseres encerra a prévia de três leituras dessa nova dramaturgia completamente desconhecida no Brasil. A direção é do diretor e também dramaturgo Gil Vicente Tavares com os atores (na foto durante ensaio) Jussilene Santana, Igor Epifânio, Ricardo Fagundes e Mariana Moreno.
Em janeiro, quando deverá realmente acontecer o Ciclo com a realização de palestras, leituras e a visita de um dramaturgo português convidado, haverá uma nova oportunidade para se conhecer melhor o universo do novo teatro lusitano. O encerramento do ciclo será às vésperas do aniversário do evento que mudou a história do Brasil, no dia 21 de janeiro, com a palestra da professora Ângela Reis (Escola de Teatro da UFBA) sob o tema Brasil e Portugal: intercâmbios no campo da atuação nos séculos XIX e XX.
A respeito da realização da escolha da nova dramaturgia portuguesa como tema, o cônsul de Portugal em Salvador, João Sabido Costa, escreveu: "Foi com muito agrado que tive notícia da realização, pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia, de um ciclo de leituras dramáticas dedicado à nova dramaturgia portuguesa, iniciativa que vem retomar e prosseguir uma tradição de intercâmbio e influência mútua mantida pela expressões dramatúrgicas e teatrais da Bahia e de Portugal ao longo dos séculos”.
Há diferenças muito particulares na nova dramaturgia portuguesa que devem despertar o interesse não só no público, mas em estudantes e teóricos de teatro. “Apesar do tema da marginalidade adolescente ser muito comum, o modo como Jorge Louraço enfoca em sua peça difere muito de como a cultura brasileira aborda essa problemática. Ele não faz um discurso direto, investe numa relação poética entre uma professora e dois adolescentes marginais para tratar do assunto”, diz Gideon Rosa, coordenador do Ciclo."
O diretor Gil Vicente Tavares diz que “o que mais me chamou a atenção no texto Xmas qd quiseres foi o caráter ingênuo do texto e dos personagens, e minha experiência em Portugal me ajudou a compreender uma realidade bem distante da brasileira”. O autor, Jorge Louraço, explica a escolha dessa abordagem dizendo que “era o drama humano das personagens que me interessava e, sobretudo, o retrato e a inocência dos marginais”.
A PEÇA
É Natal. Xmas é a história da aposta entre uma ex-professora e dois ex-alunos, numa situação extrema, num bairro de excluídos. Segundo o diretor e estudioso de teatro Antônio Mercado, a temática do universo adolescente marginal já tinha sido vista em outra peça de Louraço (O Espantalho Teso). Mercado diz que o autor tem sido atraído pelo universo dos perdedores, dos rejeitados, dos marginalizados pela ordem social, uma das principais vertentes do drama moderno, inaugurada pelo Woyzeck, de Büchner. Interessante observar que em Xmas Qd Kiseres os marginais apontam têm um sonho e isso revela a possibilidade de uma saída. Na opinião de Mercado é a luta para superar situações de injustiça, confinamento e impotência num mundo hostil e aparentemente inexpugnável; a necessidade de inverter as regras para fazer das fraquezas força; a capacidade de vencer um jogo sujo com os próprios meios, por mais frágeis e precários que sejam, e através deles criar um espaço de vida no lugar onde as nossas raízes estão fincadas.
FICHA TÉCNICA
O quê: Leitura Dramática – Xmas Qd Kiseres
Autor: Jorge Louraço
Diretor: Gil Vicente Tavares
Elenco: Jussilene Santana, Igor Epifânio, Ricardo Fagundes e Mariana Moreno (rubricas)
Quando: Dia 10, às 18h30min
Onde: Teatro Martim Gonçalves – Escola de Teatro
Ingresso: Entrada franca
(Texto de divulgação escrito por Gideon Rosa)
Postado por Jussilene Santana

quarta-feira, novembro 21, 2007

Leitura Portuguesa, com certeza


No próximo dia 10, segunda-feira, às 18h30, o Teatro NU participa do Ciclo de Leituras Dramáticas - Novo Teatro Português, promovido pela Escola de Teatro da Ufba. Gil Vicente Tavares faz a direção do texto Xmas qd Kseres (Christmas quando quiseres), de Jorge Louraço Figueiras (ao lado). No elenco, Jussilene Santana, Igor Epifânio, Ricardo Fagundes e Mariana Moreno.

No dia 21 de Janeiro, o Ciclo será encerrado com uma palestra da professora Ângela Reis intitulada "Brasil e Portugal: intercâmbios no campo da atuação nos séculos XIX e XX", que visa assinalar os duzentos anos da chegada histórica do Príncipe Regente D. João à Bahia.

Aguardem mais informações!

JORGE LOURAÇO - O autor

Jorge Louraço Figueira (Nazaré, Portugal - 1973) é autor das peças O Espantalho Teso, Xmas qd Kiseres e, com Reinaldo Maia, Cabaré da Santa. Participou da Oficina de Escrita Teatral do Dramat (Teatro Nacional São João, em 1999-2000) e na residência internacional de 2003 do Royal Court Theatre, em Londres. Crítico de teatro no jornal Público e director artístico do Teatro Oficina Guimarães, tem mestrado em Antropologia, com o tema Patrimônios e Identidades. É docente em várias escolas da cidade do Porto.

segunda-feira, novembro 19, 2007

Teatro NU Alaiandê Xirê


O Teatro NU esteve presente no Alaiandê Xirê, em sua décima edição. Este ano na Casa Branca, tradicional terreiro localizado na Avenida Vasco da Gama, Gil Vicente Tavares participou pela segunda vez do evento, numa mesa que contou com a participação de José Carlos Capinan, Jary Cardoso, Pola Ribeiro, Clementino Kelé, Florivaldo Cajé, Lázaro Faria e Chica Xavier, na foto ao lado de Gil.

O nome da mesa era "Ética nos meios de comunicação e cultura, a respeito das religiões de matriz africana". A mesa foi muito boa, e a receptividade também. Ao final, Gil, como debatedor, deixou a conversa mais acalorada ainda.

É o Teatro NU por aí...

quinta-feira, novembro 15, 2007

GANHAMOS o edital da Funceb!!!!


Gente, a correria tá tão grande que tá difícil passar por aqui! Inclusive para dar as boas notícias!

Mas, imaginem: é porque o barulho lá fora, no mundo real, tá muito grande. Estamos em meio 'as finalizações do Memória do Teatro na Bahia. Vcs sabem que ainda vem pela frente a transcrição das entrevistas aqui, as negociações para o projeto continuar e/ou virar um programa de TV, os relatórios-burocráticos, etc e tal, e recebemos a ótima-notícia que o Teatro NU foi um dos premiados no edital da Funceb para prêmio de 30 mil contos! A direção de Gil Vicente Tavares, para seu texto Os Javalis.

Que mais posso dizer: "Que a messe (o trabalho no campo) é grande e poucos são os operários", como eu rezava na igreja do fim de linha de São Caetano (O bairro)? Sim! Mas é mais: pois a messe é grande, poucos são os operários e, no fundo, no fundo (também de cultura) o orçamento é apertadíssimo! Ou seja: a gente se vira nas trinta funções.

Estamos comemorando virtualmente: Eu, Gil, Fernanda, Mariana, Manuela e Mariana 2 ;)! Albérico também! (olhe que também vai sobrar para vc que lê estas singelas páginas!) Pela falta de tempo, estamos mandando bolinhos virtuais pelo orkut. Nem tomamos uma cerva (essa galerinha só bebe coisas pesadas e eu não acompanho...).

Como dizemos: AGUARDEM NOVIDADES!!!

P.s.: Gil, atualize também!!!

P.s.2: Estou pensando em ganhar um trocado vendendo na subida da Lapa a gravação de Shopping and Fucking... Ficou pronta!!! E nessa correria da "contemporaneidade" vc poderia fruir a peça no conforto do seu lar... Quem tiver uma noção de preço, por favor, me diga.


Making off de Shopping and Fucking

Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a postagem.

quarta-feira, novembro 14, 2007

O longo amanhecer


“Amanheceu, mas pra gente é noite”. Esta frase boba, de um musical infantil inédito que escrevi com Cláudio Simões (quem sabe, Teatro NU...), foi a primeira coisa que me veio à cabeça ao sair da Sala de Arte do PAC-UFBA. Ainda um pouco baqueado (pena que não bachiado) pelo filme, só pensava na frase que dita pelo personagem da peça parecia ali caber tão bem pro nosso Brasil varonil.
A cinebiografia de Celso Furtado é um daqueles filmes que teriam que ser imprescindíveis, obrigatórios, bem como um maior conhecimento da sua obra.
Do alto da minha imensa ignorância, considerava-o como um daqueles caras interessantes que algum dia eu leria em alguma nota de rodapé ou em alguma citação furtiva, e acabei por me deparar com um homem de tamanha dignidade e estatura que, ao lado de pessoas como Darcy Ribeiro, Milton Santos e mais alguns poucos, merecem estar no panteão dos dignos e combativos intelectuais deste país.
Maria da Conceição Tavares, sua discípula (na foto, com ele), em depoimentos que emocionam pela paixão e amor ao homem enquanto pensador e intelectual, nos desvela a característica que mais me tocou e me parece ser a pedra de toque de quem adquire conhecimento. A capacidade de usar o pensamento e a teoria pra aplicar no agora, discutir o presente, ser pessoa ativa na mudança de conceitos, políticas, economia e pensamento. É coisa rara.
Embolorados em gabinetes, revistas e academias, o pensamento autofágico dos pesquisadores e teóricos brasileiros se perde em gráficos, críticas, análises passadas e masturbações filosóficas sem nenhuma aplicabilidade, na maioria das vezes. Não há um pensamento sobre o Brasil, sobre uma questão fundamental que Celso Furtado coloca: agimos sempre como subdesenvolvidos, pensando como subdesenvolvidos, nos resolvendo como subdesenvolvidos, e nisso nunca seremos desenvolvidos.
Após vasta experiência pela América Latina, Celso Furtado tentou pôr em prática seu pensamento, lutando contra as elites – cujo interesse é e sempre será a concentração de renda –, contra o capital estrangeiro e a “intervencionice” estadunidense, buscou uma política mais efetiva pro Nordeste, e sempre deu com os burros n´água. Aliás, os burros o jogaram pra escanteio. Sucessivas interrupções de seus ideais não fizeram Celso Furtado recuar. Foi um homem que lutou, criticou e combateu o que pensava ser equivocado para o país, e buscou pôr em prática.
O filme está em cartaz no circuito Sala de Arte. Acho fundamental conhecermos nossos grandes homens, pra saber o quanto somos pequenos, o quanto podemos crescer, o quanto que falta lutar.
Celso Furtado acreditava num longo amanhecer, Era um otimista. Contudo, “amanheceu, mas pra gente é noite”.
E a luta continua?

quinta-feira, novembro 01, 2007

Terceiro e último dia Ciclo de Entrevistas Memória do Teatro na Bahia

O ciclo acabou ontem e já estamos sentindo falta.
Nós, gente de teatro, deveríamos ter direito a ter um lugar só nosso para nos encontrarmos periodicamente, sem a pressa dos ensaios e das aulas, com o tempo necessário para que as boas idéias surgissem nos papinhos daqui e dali. Pois foi isso o que também aconteceu nestes três dias do memórias.
O trabalho do Teatro NU, por sua vez, continua a pleno vapor, agora com o processo de transcrição das 9 (nove!) horas de entrevistas. Hehehe.... Vamos editar e trazer o que de melhor se rememorou e discutiu aqui para vcs! Bom, a idéia é que inclusive publiquemos este material e transformemos (também) num documentário para TV. Aguardem cenas dos próximos capítulos... Estamos 'a procura de patrocínio.
Ontem tivemos tantos momentos marcantes! Mas vou escolher um: o que foi aquela turma inteira cantando a canção de Mac Navalha, da Ópera dos Três Tostões, puxada por Roberto Assis? Lindo.
Na sequencia, fotos de Albérico Manoel.



Yumara Rodrigues observa uma foto de audição de atores. Na roda: Roberto Assis e Sonia Robatto.

gente de teatro


Patrícia Rammos, Claudinho Simões, Mariana Moreno, eu, Graziela Alvarez, Emiliano d´Avila, Luísa Prosérpio e Igor Epifânio.

Atores hoje e sempre


Emiliano d´Avila, Patrícia Rammos, Celso Jr, eu, Luísa Prosérpio e Igor Epifânio.

convidados especiais


Perguntas

Conversas
Uma panorâmica no coquetel de ontem.

Equipe Teatro NU - Ciclo de Entrevistas


Olha os culpados: Mariana Moreno, Mariana Machado, Gil Vicente Tavares, eu, Fernanda Bezerra, Albérico Manoel e Manuela Furtado.

quarta-feira, outubro 31, 2007

Fotos da segunda noite

Nosso segundo dia foi tão maravilhoso quanto o primeiro! A platéia ficou lotada, gente sentada no chão, para ver e ouvir os atores Yumara Rodrigues e Manoel Lopes Pontes. E duas convidadas especialíssimas participaram do evento: a atriz Carmen Bitencourt, membro fundadora do Teatro dos Novos, e Maria Muniz, aluna das primeiras turmas da Escola de Teatro da Ufba.



Sonia Robatto e Roberto Assis (nossos convidados deste último encontro, quarta, 31/10, imperdível!), eu, Maria Muniz e Carmen Bitencourt.
Seguem alguns flashs de nossa diligente equipe.
Crédito das fotos Albérico Manoel, Marcelo Gadelha e Mariana Machado.

As delícias de Haydil, a responsável pela nossa confraternização.

Igor Epifânio, Indaiá e amigo.
Uma rápida olhada na platéia: Ricardo Líper, os entrevistados, nossa convidada especial Carmen Bitencourt, Bião, alunos, professores, amigos e amantes do teatro.

Roberto Assis, Yumara Rodrigues e Sonia Robatto.

Nivaldo Lariú pergunta sobre a crítica.

Marcelo Gadelha (não é parente de Mário!), eu e Yumara Rodrigues

terça-feira, outubro 30, 2007

Imagens da primeira noite


Armindo Bião, Mario Gadelha, Yumara Rodrigues, Roberto Assis, Sonia Robatto, Eu (Jussilene Santana) e Manoel Lopes Pontes.

Coquetel


Parte da turma de jornalismo, Isabela Silveira e Xanda Dumas

Nossa primeira mesa


Mario Gadelha, Wilson Mello, Militão (sabe de coisa do teatro...) e eu.

Teatro NU - equipe 1


Fernanda Bezerra, Gil Vicente e eu.

Márcia Andrade e eu

"Por que a gente não aproveita e faz uma peça junto?"

Foto de Formatura


Manoel Lopes Pontes, Mario Gadelha, Roberto Assis, Sonia Robatto, Yumara Rodrigues e Wilson Mello.

terça-feira, outubro 23, 2007

Mário Gadelha


Mário Gadelha – Ator há mais de cinqüenta anos em Salvador. Fez parte da primeira formação da Sociedade Teatro dos Novos, atuando em centenas de peças e filmes baianos desde então. Mais recentemente participou dos espetáculos Hedda Gabler (1997) com direção de Harildo Deda, e Quincas Berro d´água (1995), com direção de Paulo Dourado. Atuou também nos seguintes espetáculos da Cia de Teatro da Ufba: Seis Personagens a procura de um autor (1981) e Caixa de Sombras (1982). Junto com Wilson Mello, ensaia Terceiro Sinal, com texto de Cláudia Barral e direção de Deolindo Checcucci. Na década de 1950, esteve no elenco de A Grande Estiagem (1956), uma produção da Federação de Teatro Amador da Bahia participante do I Festival Nacional de Teatro, na TV-Tupi (Rio).

Wilson Mello



Wilson Mello – Ator com 60 anos de palco, Mellão é uma das figuras mais conhecidas do teatro baiano. O seu último espetáculo foi Família Drama Show (2006), com texto e direção de Júlio Góes. Junto com Mário Gadelha, atualmente ensaia Terceiro Sinal, com texto de Cláudia Barral e direção de Deolindo Checcucci. Entre seus espetáculos podemos listar: Lábios que beijei (1999), Os Velhos Marinheiros (1998), A Conspiração dos Alfaiates (1992), Quincas berro d´agua (1995), Tango (1987), A Vida de Eduardo II (1986), A Caverna(1985), Ciranda (1984), entre muitos outros.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Yumara Rodrigues

Yumara Rodrigues – Iniciou sua carreira na década de 1950 no grupo amador Teatro de Cultura da Bahia (TCB), coordenado por Nair da Costa e Silva. Atravessou a década de 1960 trabalhando com diversos diretores e grupos da capital e, no início dos anos 1970, tenta a profissão no sul do país, retornando para Salvador em 1974. Três anos depois, monta sob a direção de Manoel Lopes Pontes o grande sucesso Apareceu a Margarida, de Roberto Athayde. Neste texto representava uma professora autoritária, uma metáfora da Ditadura Militar então instaurada no país. Na década de 1980, atua em antológicas montagens da Companhia de Teatro da Ufba, grande formadora do imaginário teatral da cidade, como: Seis Personagens a procura de um autor (1981), Caixa de Sombras (1982), Ciranda (1984), A Caverna (1985) e Sr. Puntilla e seu criado Matti (1987). Atuou ainda em Dias Felizes (1985) , Castro Alves e A Mais Forte (1997). Em 1998, atua em dois textos de Bertolt Brecht: Mãe Coragem e O Círculo de Giz caucasiano. Em 2000, lançou o CD de poesias Primeira Comunhão e, ano seguinte, a peça Alzira Power. Em 2006, participou de leituras do O pagador de promessas e A Ópera dos Três Tostões.

domingo, outubro 21, 2007

Manoel Lopes Pontes

Manoel Lopes Pontes – Ator e diretor. Iniciou carreira ao entrar como aluno na segunda turma da Escola de Teatro da Ufba, em 1957. Em 1961, formou o segundo grupo profissional de teatro da Bahia, o Teatro de Equipe, estreando com a peça Chapetuba Futebol Clube, de Oduvaldo Viana Filho. Em 50 anos de carreira, já montou mais de 60 espetáculos, 32 deles para o público infantil. O Teatro de Equipe atravessa a década de 1960, objetivando montar autores nacionais, de apelo popular, e apresenta Do Tamanho de um Defunto, de Millôr Fernandes. Após um longo período de inatividade, o Teatro de Equipe monta os infantis O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado, e As Aventuras de Ripió Lacraia , de Francisco Pereira da Silva, o que termina abrindo o interesse de Pontes para o teatro infantil. Na Escola de Teatro participou de A Almanjarra (1958) e A Ópera dos Três Tostões, entre outros.

Roberto Assis

Roberto Assis – Ator e diretor baiano também formado na primeira turma de alunos da Escola de Teatro da Ufba, em 1959. Roberto Assis desde 2001 dirige e coordena o Teatro da Barra. Ainda na Escola, participou dos espetáculos A Sapateira Prodigiosa (1959), Diálogo de Mofina Mendes (1959) e da polêmica montagem A Ópera dos Três Tostões . Participou do elenco do espetáculo inaugural da Escola, Auto da Cananéia (1956), ao lado da também veterana Nilda Spencer, que infelizmente não participará deste primeiro ciclo de entrevistas por problemas de saúde.

sábado, outubro 20, 2007

Sonia Robatto

Sonia Robatto – Atriz e escritora. Fez parte da primeira turma de alunos da Escola de Teatro da Ufba. É membro-fundadora da Sociedade Teatro dos Novos, primeira companhia profissional de teatro da Bahia (1959), criadora do Teatro Vila Velha (1964). Na Escola de Teatro participou dos espetáculos A Almanjarra (1958), A Via Sacra (1958) e As Três Irmãs (1958). É autora de mais de 400 histórias infantis publicadas em livros, revistas e fascículos. Desde 1969 atua no mercado editorial quando criou e dirigiu, para a Editora Abril, a Revista Recreio, um marco nas publicações infantis brasileiras, onde lançou nomes hoje consagrados na literatura infantil como: Ruth Rocha, Ana Maria Machado, Joel Rufino dos Santos e tantos outros. Seu livro Pé de Guerra foi adaptado para o teatro por Márcio Meirelles, e no espetáculo, representou ela própria. A peça foi premiada com o Copene de melhor montagem em 2001.

terça-feira, outubro 16, 2007

50 anos de história na voz de seus protagonistas

O Teatro NU realiza entre os dias 29 e 31 de outubro, às 19h, no Instituto Cervantes, na Ladeira da Barra, o ciclo de entrevistas Memória do Teatro na Bahia . O evento reúne atores e diretores oriundos das primeiras turmas de profissionais do estado, artistas atuantes na área há mais de 50 anos. Além de promover a interação entre as diferentes gerações artísticas, o encontro pretende levantar informações sobre a história do teatro baiano, seus principais espetáculos e bastidores.

Os encontros ocorrem em três dias consecutivos, sempre as 19h, com entrevistas mediadas pela atriz e jornalista Jussilene Santana que investiga a poética e a história do teatro baiano no doutorado do Programa Pós-Graduação em Artes Cênicas da Ufba (PPGAC). Mario Gadelha, Wilson Mello, Yumara Rodrigues, Manuel Lopes Pontes, Roberto Assis e Sonia Robatto falam sobre suas respectivas carreiras, formação e questões artísticas.

Durante a conversa, serão exibidas fotos e matérias de jornal contando a vida e a obra dos atores. As imagens pertencem ao arquivo pessoal dos convidados e ao acervo de Jussilene, levantado em pesquisa aos jornais A Tarde e Diário de Notícias, entre os anos de 1956 e 1961. O período é de particular relevância histórica porque nele foram criados a Escola de Teatro da Ufba (1956) e o Teatro dos Novos (1959), fundador do Teatro Vila Velha (1964).

O surgimento da Escola de Teatro marca a transição de um período no qual o teatro em Salvador era entendido como uma atividade diletante e amadora, para o reconhecimento de que o trabalho na área representa um campo autônomo, profissional e artístico.

Na noite de abertura está previsto um encontro no qual se espera fotografar os seis convidados, parte da primeira turma de veteranos ainda em atividade. Como prova desta rara vitalidade, nesta mesma semana, os atores Mário Gadelha e Wilson Mello estréiam o espetáculo Terceiro Sinal, texto de Cláudia Barral, com direção de Deolindo Checcucci, segunda montagem a subir ao palco do recém-inaugurado Teatro Martim Gonçalves.

Também com o objetivo de organizar sistematicamente a memória da área, as entrevistas-depoimento serão filmadas, sendo os textos transcritos e disponibilizados no blog do Teatro NU ( http://teatronu.blogspot.com/).

A transcrição será realizada por alunos do ensino médio de escolas públicas e por universitários da área de jornalismo e teatro, o que reforça o caráter pedagógico do evento. As unidades de ensino apoiadoras são: Colégio Estadual Manuel Novaes, Colégio Estadual Odorico Tavares, Colégio Estadual Edgar Santos, Liceu de Artes e Ofícios, Faculdade da Cidade do Salvador e Universidade Federal da Bahia.

O Teatro NU está em busca de patrocínio para que mais edições do encontro sejam realizadas, com muitos outros artistas. Nesta primeira etapa, foram ouvidos os atores que começaram suas atividades ainda nos anos 1950.

O evento, que é gratuito, é um dos nove contemplados da 1ª edição do Prêmio Carlos Petrovich, e está sendo realizado com o apoio do Governo do Estado, Secretaria de Cultura e Fundação Cultural do Estado (Funceb). Os interessados que comparecerem aos três dias do evento receberão certificado registrado pelo Instituto Cervantes, com carga horária.

O que deve ser salvo de esquecimento?


De acordo com Jussilene, é imprescindível partilhar com as novas gerações das artes cênicas as origens e os nomes que contribuíram para a formação do campo profissional no estado. "Não é raro se associar a falta de criatividade e de ação dos artistas contemporâneos ao desconhecimento por soluções técnicas e poéticas de seus predecessores. Como caminhar, como criticar, sem saber o que já foi feito? O problema é que estamos inventando a roda a cada geração", destaca. "É importante que as experiências não sejam entendidas num sentido moral, como certas ou erradas, mas que pelo menos elas sejam consideradas como experimentos poéticos", detalha

Ainda de acordo com a pesquisadora, pela própria efemeridade do fazer teatral, é necessário que ações como estas sejam tomadas com urgência para a dinamização de sua memória. "Além do mais, parte da formação de seus novos membros depende deste olhar, deste rememorar. Não é nenhuma surpresa o fato de que cada vez mais os novos atores se baseiam apenas nos métodos ligados ao naturalismo televisivo para desenvolver suas personagens", analisa.

Citando Hannah Arendt, Jussilene afirma que: "É necessário um juízo comum sobre o que é valioso e digno de ser salvo do esquecimento". Para ela, o ciclo é uma rara oportunidade de confrontar as diferentes memórias dos atores sociais de um período significativo para a implantação do teatro profissional no estado e, em comum, debater atos e questões que merecem ser registrados. "O relembrar é individual, mas a memória é uma construção coletiva", finaliza.

Programação - Sempre as 19h

29/10 – segunda-feira – Wilson Mello e Mário Gadelha
30/10 – terça-feira – Yumara Rodrigues e Manoel Lopes Pontes
31/10 – quarta-feira – Roberto Assis e Sonia Robatto

Concepção e organização

O grupo Teatro NU existe há um ano e meio sob a organização dos doutorandos Jussilene Santana e Gil Vicente Tavares. O Teatro NU acredita na força do texto e da dramaturgia, no estudo da história e no exercício da crítica. Pretende pesquisar e montar textos da dramaturgia clássica e contemporânea, assim como busca criar canais de debate entre autores locais e centros nacionais e internacionais que trabalhem com o "teatro da palavra".

Em 2006, o Teatro NU montou o espetáculo Os Amantes II, de Gil Vicente Tavares, texto também lido neste mesmo ano em Roma, na Itália. O grupo organizou ainda outras duas leituras dramáticas com textos de Bertolt Brecht, além de promover, desde seu início, uma série de matérias e textos opinativos em seu blog.

Neste evento também integram a equipe Teatro NU, as estudantes de produção cultural da Ufba Fernanda Bezerra, Mariana Machado e Ana Paula Vasconcelos e os estudantes de jornalismo da Faculdade da Cidade do Salvador Manuela Furtado e Danilo Moraes.

Os apoiadores do ciclo Memória do Teatro na Bahia são: Instituto Cervantes, LDM, Labfoto-Facom e Dimas. Esta realização do Teatro NU só foi possível por ele ter sido contemplado pelo Prêmio Carlos Petrovich, com o apoio do Governo do Estado, da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia.

sábado, outubro 13, 2007

tradição e contemporaneidade


Chamo técnica a um ato tradicional eficaz (e vocês vêem que nisso ele não difere do ato mágico, religioso, simbólico). É preciso que ele seja tradicional e eficaz. Não há técnica e não há tradição se não há transmissão. É nisso, antes de tudo, que o homem se distingue dos animais: pela transmissão de suas técnicas e, muito provavelmente, por sua transmissão oral. (As técnicas do corpo, Marcel Mauss).

Enquanto iniciante a ainda estudante do teatro, sempre me atenho à transmissão de técnicas para aprimorar meus conhecimentos. E tenho sempre boas surpresas.
Considerando a transmissão de técnicas através da oralidade, da imagem, da percepção, as poucas experiências que tive me ensinaram muito.

Lembro de quando eu fiz a assistência de uma oficina de Luis Carlos Vasconcelos, na Escola de Teatro. Parecia-me algo diferente, original, na época. Eu era mais ignorante ainda do que sou agora, e tomei um susto ao ver – depois de alguns dias de teatro físico, visceral, corporal – um livro de Stanislávski nas mãos de Luis Carlos. Calmamente, ele me explicou que estava estudando o velho russo – suas ações físicas – para aprimorar suas pesquisas teatrais.

Quando a Cena Lusófona me convidou pra passar seis meses em Portugal, tive mais surpresas, mais aprendizado. Na faculdade de teatro de Évora, os alunos estavam estudando Meyerhold, discípulo de Stanislávski, ao mesmo tempo em que no CENDREV, Pierre-Étienne Heymann ensaiava uma versão da Comédia do Pão, de Bertolt Brecht. Dois centros caducos? Com certeza que não, pois nestes mesmos lugares a dramaturgia contemporânea e a linguagem cênica contemporânea dialogavam com o passado.

Diálogo, um dos fundamentos da maioria do teatro ocidental (que não nasceu às margens do rio Ipiranga). Ao assistir duas montagens de Shakespeare, pude confirmar ainda mais essa conversação entre passado e o presente. No Buffes du Nord, pude assistir à versão do Hamlet dirigida por Peter Brook, e vi no Berliner Ensemble uma grande montagem que Claus Peymann fez do Ricardo II.

Foi um aprendizado, pra mim, perceber a sólida formação daqueles atores e encenadores, prontos para se estabelecerem como artistas contemporâneos no que eles têm de melhor; conhecimento das bases que formaram nosso século e estão aí para serem aproveitadas; em montagens novas, particulares e diferentes.

O fato de Grotowski citar Stanislávski já não me surpreende mais. Parece-me tão comum quanto o fato das audições de Pina Bausch partirem do balé clássico. É sempre bom beber na fonte, quando se quer ser novo, até porque, como já dizia Antonio Vieira, o novo é o velho revisitado. Basta olharmos a história e perceber que as técnicas foram transmitidas para serem reestruturadas por cada um à sua maneira.

Não existe geração espontânea na arte. Enquanto estudante do doutorado, a cada semana, descubro um novo livro antigo que aponta questões totalmente úteis e lúcidas para minha tese, ainda engatinhando. Vejo o quanto ainda falta aprender sobre o que já foi feito.

É claro que a autenticidade tem que ser almejada pelo artista consciente. Não há nada mais chato do que teatro brechtiano, artaudiano, satinislavskiano. São as heranças e a forma de lidar com esses pensadores e técnicos que nos formam e nos ajudam na busca de algo particular, pessoal.

“É nisso, antes de tudo, que o homem se distingue dos animais: pela transmissão de suas técnicas...”, nos diz Mauss. Freud imagina o inconsciente como uma superposição de estruturas, tal qual se Roma existisse com todas as suas estruturas arquitetônicas históricas coexistindo ao mesmo tempo (o que, fisicamente, sabemos que é impossível; por acaso estive lá e acho um exemplo perfeito).

Assim também são as técnicas. Quanto mais apreendemos o passado, mais podemos olhar para o futuro.

É senso comum, entre os filósofos contemporâneos, que não podemos ter mais uma arte pura. Estamos todos contaminados pelas informações várias que captamos, seja sensorialmente, intelectualmente ou emocionalmente. Por mais sacrifício que se faça, o artista está sob a influência de um amálgama de sentidos que faz, dele, um ser contemporâneo; mesmo que a fórceps.

O que talvez diferencie o artista atual é o quanto ele conhece e dialoga com a tradição para rompê-la. O rompimento é necessário, mas não de forma inconsistente, espontaneamente gerada, fragilmente inspirada em estilhaços contemporâneos. Sem conhecimento de seu passado, a arte corre o sério risco de se tornar fraca, sem força, sem inteligência (recorrendo à etimologia de palavras que incomodam tanto).


GVT.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Caça aos feiticeiros



Desde que entrei na Escola de Teatro, em 1995, o mestre (em quase todos os sentidos) Harildo Déda, decano das artes cênicas da Bahia, diz que vai se aposentar. Já se passaram 12 anos, e este herói da resistência insiste em fazer teatro.

Semana passada estreou As bruxas de Salem (últimas apresentações dias 11 e 15, 20hs), mais uma montagem de formatura que Harildo dirige, no novo Teatro Martim Gonçalves, e fiquei muito feliz ao ver um teatro novo, tecnicamente bem-feito e estruturado, e com uma peça digna de inaugurá-lo.

Digna por vários motivos. O texto de Arthur Miller chega a ser piegas como um bom filme americano, ingênuo, tendencioso, moralista, mas isso pouco importa. É um texto que funciona para formar alunos que estão se graduando em interpretação, e é bom ver que os alunos funcionam para o texto.

Bem dirigidos, apresenta-se no palco uma plêiade irregular de talentos como se acharia no Buffes du Nord ou no Berliner Ensemble, e isto pouco importa. O que mais salta aos olhos é que Harildo cumpriu seu papel, fazendo um espetáculo coeso e dedicado a seu propósito.

Uns vão dizer: Harildo não é encenador. Outros: é um espetáculo careta. Bem, quanto à primeira questão, perguntem aos atores o que eles aprenderam de interpretação neste processo e verão a coerência do propósito. Quanto à segunda, terei que me submeter a responder aos imbecis apenas para perguntar se quando eles vão pra um concerto com obras de Brahms eles saem de lá com o mesmo questionamento. Vão procurar o que fazer, e fazer bem.

Parece-me um contra-senso ou simples veneno dos incompetentes, visto que só comenta que um espetáculo como esse é careta quem (não) conhece minimamente teatro. E quem conhece minimamente teatro sabe o estilo de Harildo, sabe, talvez, o estilo de Arthur Miller, e deveria saber, ao menos, que uma peça de formatura em interpretação é dos alunos-atores, e não dos egos-encenadores-criativos. É fundamental uma experiência sólida de interpretação.

Dêem graças a deus, caros alunos. As atuais mentalidades e políticas não querem mais ver este tipo de teatro em cena, e vêm com alternativas inconsistentes, desenraizadas e desorientadas.

A montagem traz o auxílio luxuoso da cenografia precisa de Eduardo Tudella, encorpada pela sua luz, feita em meio às confusões com dimers, inaugurações, questões técnicas que não prejudicaram um eficiente trabalho. Uma cenografia provocadora, que nos remete ao anfiteatro grego, onde o palco central é o lugar do julgamento dos atores-personagens. Mas não só. Harildo faz os atores irem ao proscênio dizerem textos que são recados indiretos e diretos aos abutres, hienas e urubus que tentam pousar na nossa sorte. E com isso, Harildo traz o público pra cena, coloca todos no mesmo tribunal.
Não à toa, o personagem herói – indispensável na moralista-pequeno-burguesa peça americana – acaba subindo a platéia, se encontrando com perseguidos e perseguidores da vida real. Ressalto apenas que as janelas do cenário são mal pensadas em termos de troca, bem como não dão contribuição fundamental ao espetáculo.

Não fui ao teatro ver uma encenação, fui ver uma peça de formatura, fui ver alunos que correram pra Harildo na tentativa de fazer teatro estudado, dedicado, sério. Os imbecis hão de dizer que Harildo é realista, e resta-me dizer que estes são os mais atrasados, são os saudosos das décadas de 60 e 70, onde qualquer um fazia teatro, bastava tirar a roupa ou ser desinibido, ou dizer, apenas, que era ator. Qualquer pessoa minimamente antenada vai saber que aquele cenário, com aquelas marcas e com aquela luz não tem nada de realismo. Quando muito, vão se incomodar com o estudo dos personagens, com a dedicação ao texto; que tanto serve a Miller quanto a Beckett, são artifícios que podem, ou não, ser usados, e que me parecem eficientes na formação de um ator que precisa de esteio, base (e não sei se alguém teria em Salvador – no nível de Harildo – formação suficiente pra repassar aos alunos outras técnicas mais afinadas com as vanguardas que, de tão atrasadas, se tornaram a retaguarda da mediocridade).

Harildo manda seu recado. Infelizmente, em tempos de barbárie, não basta apenas o palco. Queria ouvi-lo fora da cena, do teatro, contestando equívocos. Ele e a Escola de Teatro precisam se pronunciar, tomar a frente, afinal, a Escola de Teatro forma profissionais para a cidade, é um espaço de pensamento sobre o teatro nesta cidade, e parece, muitas vezes, não dialogar com ela, visto que não vemos posicionamentos oficiais, questionamentos, discussões.

No candomblé, antiguidade é posto. Aprendi a fazer teatro assistindo Harildo, Yumara, Gideon, Cacá, Joana e tantos outros. Não deixem nossos bruxos serem caçados, injustiçados, ignorados. E que eles se pronunciem, façam, lutem. O Teatro Nu está fazendo um ciclo de entrevistas com seis pessoas que foram alguns dos primeiros profissionais da Bahia, e estão no palco há cinqüenta anos. Isso é uma conquista, uma vitória. Nós, profissionais iniciantes, agradecemos. Uma cidade sem referências, assim como pessoas sem referências, são um vazio que – qual buraco negro – engole a tradição, a história, a arte.

GVT.

terça-feira, outubro 02, 2007

Cenas da reinauguração do Teatro Martim Gonçalves


Acabei de chegar da solenidade de reinauguração do Teatro Martim Gonçalves, na Escola de Teatro da Ufba.

Acompanho as obras há uns três anos, mas não deixou de ser emocionante ver ele prontinho e ... lotado.

A boca de cena é maravilhosa, os camarins estão bem funcionais, a inclinação da platéia permite uma boa visibilidade de todo palco e o ar é geladíssimo. As cadeiras são confortáveis, mas não permitem muita movimentação entre elas.

Bom... Não fui para registrar, portanto, faltam imagens. Só no final resolvi sacar a câmera e capturar algumas fotos.
Jussilene Santana






Juliana Grave, Juliana Bebé, Yumara Rodrigues, Harildo Déda, Fernando Santana e Victor Cayres.



Platéia - cima

Platéia - lado


Olha Mara Leal e Rodrigo Frota

Grazi, Emiliano e o Palco

Coquetel

Cacá Nascimento, Yumara Rodrigues e Catarina Sant´ana
Guaracy e Angela Reis

Jardins


Catarina Sant´ana, Marta Saback e Paulo Cunha