terça-feira, março 25, 2008

Texto de Rui Madeira para o programa da peça Os Javalis

Impressões sobre um ensaio de Os Javalis

Num intervalo dos meus trabalhos na Bahia consegui organizar-me para assistir ao ensaio de Os Javalis, texto e direcção de Gil Vicente Tavares.
As razões deste meu interesse eram muitas. Conheci Gil Vicente (o novo) há já uns anos, no âmbito de um estágio que fez em Portugal sob os auspícios da Cena Lusófona. Passou, por isso, uns tempos em Braga, assistindo ao trabalho da Companhia. Dessa época ficou uma bela amizade, cimentada no trabalho, na mesa, no prazer do riso…
Li, lemos, alguns dos seus textos.
Agora, em Salvador, depois de Gil Vicente ter assistido a uma Dorotéia e a um Auto da Barca de Gil Vicente (o velho), no Vila Velha, depois de nos abraçarmos e de recordarmos episódios da sua estada, de me ter levado com Bião (um outro amigo das andanças da Cena) a um barzinho esplanada “picar” uma carne de sol e comer acarajé, eu seria o maior cafejeste se não marcasse presença naquele ensaio. Mas não foi obrigação, não. Foi vontade, amizade, prazer!
A coisa ganhou contornos mais graves quando, chegado a Braga, leio um mail do Gil Vicente a “pedir-me um texto” sobre.

Logo, o que a seguir se escreve são as impressões sobre um ensaio.
A primeira impressão e a primeira surpresa: a qualidade do texto e a sua riquíssima estrutura dramática. Trata-se de um texto que, muito embora o Autor refira algures que o criou a partir da leitura de Os Rinocerontes, a mim, enquanto ouvia os actores, instalava na cabeça a ideia já experimentada que o chamado Teatro do Absurdo só o foi porque a realidade da Vida é Absurda. Os Javalis são tão do absurdo como o ar que respiramos. Ao ouvir o texto nas bocas dos Actores, senti a respiração de Beckett e de Pinget, lembrei à Espera de Godot e Arquitruque. Observei a qualidade da estrutura formal do texto, que aguenta bem o constante vai vem entre os personagens, a exploração constante e em progressão de uma mesma situação através da introdução de pequenos “novos acidentes”. Por momentos, senti-me no universo do nouveau roman, impregnado de um “concretismo vivencial” que só roça o absurdo, porque nascer é arriscado e sobreviver é cada vez mais difícil.
Segunda impressão e a segunda surpresa: A qualidade dos Actores, este espectáculo será um êxito! Estamos num espectáculo de actores, como o Teatro sempre deve ser. È no jogo entre os actores, na sua capacidade de ver, ouvir e sentir o outro, que se vai construindo a tensão. Os espectadores devem sentir que estão ali a mais, como que a espreitar para a casa do vizinho. Para mim a metáfora é: os potenciais javalis estão sentados a espreitar o espectáculo. A tensão que um bom tempo de representação gera provocará no espectador uma atitude de suspense sobre o que vai acontecer a seguir.
Terceira e última impressão: O domínio do material humano e da Palavra por parte do director. Defendo que o fazer teatral se organiza hoje (num mundo cada dia mais espectacular e global) a partir da fragilidade que a artesania impõe. O Lugar e o Tempo do teatro, hoje, deve ser o da re-humanização para devolver ao espectador a imagem de si mesmo, já perdida. O ensaio que presenciei foi nesse Caminho.

Um atlântico abraço.

Rui Madeira,
Director da Companhia de Teatro de Braga

segunda-feira, março 10, 2008

Pesquisa de acesso!


Estamos fazendo uma pesquisa pra saber a real demanda de atualizações do blog. Se você está lendo esta postagem, obviamente verá a enquete ao lado e poderá nos ajudar a saber de quanto em quanto tempo devemos colocar coisa nova no blog, se é necessário divulgar mais por email...
Sua resposta é importante pra gente!

sexta-feira, março 07, 2008

Jussilene na Leitura em VOX ALTA


O pessoal do Vila Vox, via a atriz e jornalista Mônica Santana, me convidou para a primeira rodada de leituras do Vox Alta, um projeto que tem como objetivo ler e discutir textos da dramaturgia brasileira. Então, convido todos vocês para esta terça (11 de março), as 19h, no Teatro Vila Velha assistir a leitura e o debate do texto A Resistência, de Maria Adelaide Amaral, que se passa numa redação de jornal em plena Ditadura Militar. O jornalista e dramaturgo Edson Rodrigues (que foi meu colega no Correio da Bahia) também participa do evento. A direção da leitura é de Gordo Neto.

segunda-feira, março 03, 2008

Estréia em 1 mês!!! Os Javalis



Estréia para convidados no próximo dia 04 de abril (sexta-feira), às 20h, na Sala do Coro do TCA a nova produção do Teatro NU Os Javalis, com texto e direção de Gil Vicente Tavares. No elenco, Carlos Betão (concorrendo ao Braskem 2007 de melhor ator, com Josefina, a cantora dos ratos) e Marcelo Praddo (melhor ator Braskem 2002). O artista plástico Euro Pires assina cenário e figurino, a imagem do cartaz é do artista plástico Gaio e o design de Ana Paula Vasconcelos. A iluminação do espetáculo será mais uma vez de Eduardo Tudella, parceiro constante de Gil. Jônathas Araújo/Labfoto fez as fotos. O responsável pela trilha e efeitos sonoros é Luciano Bahia. A produção desta montagem, contemplada com o prêmio Manoel Lopes Pontes da Funceb, é das produtoras associadas As 3 Produções e Fernanda Bezerra. Os Javalis segue em temporada apenas em abril de sexta a domingo, sempre às 20h. Os ingressos custam R$ 14 e R$ 7.


O texto Os Javalis é inspirado livremente na peça Os Rinocerontes de Eugène Ionesco, destacado autor da tendência e estética do Teatro do Absurdo. O espetáculo apresenta uma situação inesperada: a chegada de um vendedor à casa de um solitário e recluso aposentado para contar-lhe da invasão de javalis na cidade em que moram. Através desta situação metafórica, o texto pretende tratar da contínua invasão do consumo e do mercado, “devorando” os anseios mais particulares dos homens e pressionando uma homogeneização de seus gostos e vidas.
“A estrutura circular da peça, que no fundo se mostra uma espiral sem fim, busca retratar a falta de saída que encaramos a vida, bem como a falta de mudanças que tanto ansiamos e nunca vemos, talvez porque elas precisem partir da gente, de nosso ponto de vista, e não do que está atrás da porta”, destaca o autor Gil Vicente.
Os Javalis leva às últimas conseqüências a coisificação do homem contemporâneo, sua crise de identidade, de postura, bem como a falta de atitudes. “Muitos de nós queremos mudanças. Há espera eterna por algo que mude. Uma angústia eterna pra que as coisas se modifiquem, enquanto ficamos em casa vendo TV e reclamando dos outros, sem tomarmos atitude nenhuma, crendo sempre na derrota ou na salvação fugaz, frágil, inconsistente, que gera sempre uma volta, uma sempre e eterna morte de nós mesmos”, analisa Gil Vicente, que também dirige o texto.
O Teatro NU
O Teatro NU pretende ser um pólo constante de discussão e produção do teatro no que se refere à montagem de textos inéditos, de autores baianos, brasileiros e estrangeiros, colocando a dramaturgia sempre como foco e divulgando uma arte que é sempre tida como morta, mas que se renova e toma fôlego nos quatro cantos do mundo. Além disso, pretende ser um núcleo artístico – aberto a trocas e intercâmbios -, mas que foca seu trabalho, principalmente, na pesquisa diária de idéias necessárias ao palco, num processo interno de diálogo entre seus componentes.
A possibilidade de se fazer um teatro concentrado no trabalho do ator, deixando o texto em evidência através de um aprofundamento da interpretação, bem como deixar transparecer em cena as questões levantadas pelo texto para criar, ao fim da peça, uma reflexão – ao invés de uma catarse, um alívio, uma tristeza – são motivos que também orientam o grupo.
Serviço:
Os Javalis, de Gil Vicente Tavares
Com: Carlos Betão e Marcelo Praddo
Cenário: Euro Pires
Iluminação: Eduardo Tudella
Trilha e efeitos sonoros: Luciano Bahia
Assistência de direção: José Jackson
Produção: As 3 produções e Fernanda Bezerra
Local: Sala do Coro do Teatro Castro Alves
De sexta a domingo. Sempre às 20h

Gil Vicente Tavares - autor e diretor


Gil Vicente Tavares começou a se destacar no meio teatral baiano com a estréia de Quartett, de Heiner Müller, peça de formatura na Escola de Teatro da Ufba, com a qual ganhou o prêmio Copene (atual Braskem) de diretor revelação, em 1999. Logo em seguida, passa seis meses na Europa, a convite da Cena Lusófona, num intercâmbio teatral. Desde então, vem dirigindo peças com atores como Harildo Déda e Yumara Rodrigues. Paralelamente, Gil vem produzindo textos, alguns publicados pelo PPGAC da Escola de Teatro, como o próprio Os Javalis. Este já teve leituras públicas na Escola da Noite, companhia teatral de Coimbra, Portugal, bem como em ciclos de leituras dramáticas da Escola de Teatro e do Theatro XVIII. Em julho de 2006, Gil Vicente Tavares foi a Roma, Itália onde Os Javalis e os Amantes II foram lidos e discutidos por artistas locais, num convite de um dos mais eminentes críticos do país.

Seus últimos trabalhos na área dramatúrgica são Vixe Maria, Deus e o Diabo na Bahia (em parceira com Claudio Simões e Cacilda Povoas); a colaboração no roteiro de Cidade Baixa, longa-metragem de Sérgio Machado; e SADE, obra inédita construída como parte do processo do mestrado, concluído no início de 2006. Em junho de 2005 dirigiu O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, no Teatro Vila Velha. Em 2006, formou com Jussilene Santana o grupo Teatro NU. Com Jussilene montou o espetáculo Os Amantes II, que ficou em uma temporada no teatro do SESI Rio Vermelho. Gil Vicente Tavares é ainda músico, contemplado com o prêmio de melhor canção no III Festival Educadora FM.

Depoimento da tradutora de Os Javalis para o italiano


Letizia Russo é dramaturga e tradutora.


A escrita de Gil Vicente Tavares pertence ao mundo dos pequenos milagres, que cada vez mais raramente acontecem, quando se enfrenta a leitura de muitas peças de teatro provenientes do mesmo mundo cultural, como pode ser a realidade baiana ou brasileira. Falo de pequeno milagre porque é uma escrita que, pelo estilo, objetos de pesquisa artística e humana, e pela forma, se coloca corajosamente longe das modas, do folclore, das supostas tendências da cena teatral ocidental. Aquilo que me atingiu, como autora e tradutora das suas peças, é a capacidade de manter vivos ao mesmo tempo dois ou até mais teatros dentro de uma escrita só: o uso dos personagens, da matéria teatral enquanto história, trama, desenvolvimento, é filtrado através dos óculos que o teatro do passado nos entregou, e a capacidade de Gil é usar esses tais óculos para reinterpretar o mundo em que nós vivemos, nós, agora, e aqui, de maneira nova, original no sentido etimológico do termo. Qualquer que seja a forma que Gil escolhe para representar e dar palavra aos seus personagens, ele consegue chegar perto daquele ideal de arte que Pavel Florenskij descreveu como caraterística fundamental da atitude do artista: «O artista, se encostando ao cânones artísticos universalmente humanos, encontra a força para configurar a realidade contemplada autenticamente, e tem a certeza de que a sua própria obra, se for verdadeiramente livre, nunca resultará como duplicado da de ninguém. Apesar disso, o objeto da sua preocupação não è a comparação com os outros, mas sim a verdade daquilo que está a descrever». Eis o pequeno milagre da escrita de Gil, e d'Os Javalis: consegue falar do presente eterno da humanidade com ironia, força, sem piedade, com uma solidariedade para com as misérias do nosso ambiente humano e cultural, e a capacidade de se fazer ouvir própria das crianças na sua pureza, e a capacidade de falar a todos, até às crianças.

Cai cai, Bião

Há alguns anos, Armindo Bião participou de uma leitura pública de Os Javalis. Harildo Déda fazia o outro personagem. Olha só como ele relembra/reconta o fato aqui para a gente:

Pirilampos javalis
Rinocerontes baratas
Palavras que assim se diz
Sem as clarezas exatas
Sem serem bichos tão vis
Que se tu vires tu matas

Leituras textos dezoito
No teatrinho da ladeira
Com Harildo nada afoito
E eu aqui na brincadeira
Rimando com meu biscoito
Quer queira Gil ou não queira

Que me pediu um textinho
E obrei a redondilha
Sobre um nosso trabalhinho
Que saiu-se bela filha
Bem feita e com carinho
Rezando bem a cartilha

Leitura que agradou
A quem fez tenho certeza
Daquilo que me ficou
Da peça em cima da mesa
Testemunho que eu dou
Do que foi maior beleza!

Armindo Bião, ator e encenador, pesquisador CNPq, professor titular da UFBA