quarta-feira, dezembro 09, 2009

Um quinteto de lembranças e melancolia...




Primeiro movimento: Fã absoluto de Egberto Gismonti, passei minha adolescência a buscar discos, vídeos e entrevistas desse compositor que, sem saber, me formou musicalmente, mesmo da forma capenga com que pude me formar. Nessas buscas, encontrei um concerto de Gismonti acompanhado de orquestra, em VHS, e passei a mostrar essa fita pra todos meus pouquíssimos amigos de Salvador que conheciam e gostavam de Gismonti (dois).
No programa, havia Ruth, uma bela canção que o avô de Gismonti, Antonio, havia composto. Na canção, o solista era um flautista que prontamente decorei o nome – afinal, era solista de Gismonti! – Toninho Carrasqueira.

Segundo movimento: Rato de fichas técnicas, comecei muito cedo a saber quem batia palmas na penúltima faixa do CD não lançado de um compositor maldito desconhecido do grande público. Coisa de adolescente que não tinha o que fazer, lógico. Mas assim, acabei por decorar nomes que se repetiam em vários CDs, de artistas diferentes, e pude fazer minha seleção dos melhores instrumentistas pela quantidade de gravações e qualidade dos cantores ou solistas do disco. E sempre estava lá, na trompa, teimosamente, o nome de Philip Doyle.

Terceiro movimento: A Kuarup Discos sempre foi uma referência de qualidade pra mim, na adolescência. A maioria quase que absoluta dos músicos do Brasil havia passado, estava passando ou iria passar por esse selo. E assim pude comprar discos antológicos com gravações de Radamés Gnatalli, Ernesto Nazareth, Piazzolla, e muito chorinho. Assim, comprei o CD Noites Cariocas, onde, no encarte, dizia: os melhores do choro ao vivo no Municipal. Se eram os melhores, isso é sempre relativo, mas havia ali a nata do choro brasileiro, e uma gravação de Espinha de bacalhau me chamou a atenção pelo suingue impressionante do clarinetista, que entraria naquela “lista negra” dos que participavam de tudo quanto era disco. Esse era Paulo Sérgio Santos.

Quarto movimento: Também da Kuarup, um dos meus primeiros CDs, que comprei num balaio mais pelo título do que por conhecimento, foi do Quinteto Villa-Lobos. Heitor Villa-Lobos se tornou uma paixão minha, alimentada por Gismonti – que havia lançado um disco só com composições dele –, incentivado por Vivaldo Costa Lima, que me presenteou com um LP com as Bachianas n.5, e pela saudade do Rio de Janeiro. O disco de Gismonti tinha sido marcante pra mim no Rio, e quando voltei pra Salvador ouvia ele e chorava com saudades da minha outra terra, lugar onde havia passado os dez primeiros anos da minha vida – soteropolitano que sou, fui com oito meses pra lá... Era um quinteto de sopros que comprei pelo nome, mas que desfilava um repertório de choros e canções belíssimos.

Quinto movimento: Estou em Salvador, anos depois, no calor do verão, recém chegado de um belíssimo concerto do Quinteto Villa-Lobos, composto por ninguém menos que Toninho Carrasqueira, Paulo Sérgio Santos, Philip Doyle e mais dois excelentes músicas pra completar; Luis Carlos Justi no oboé e o fagotista Aloysio Fagerlande.

Como não estou num período “poliana”, obviamente muitos incômodos me vieram ao chegar ao concerto.

20hs de quarta-feira. E qualquer vagabundo aqui está pronto pra tomar uma ou curtir uma festinha. Não há desculpas. E o concerto do Quinteto Villa-Lobos, que estava cheio – mas não lotado – era gratuito!!! Era gratuito!!! Acho que vocês não entenderam; era gratuito!!!

Olhei pros lados e vi pouquíssima gente conhecida, apenas Mario Gadelha – a única pessoa de teatro que vejo freqüentar concertos por aqui – pra cumprimentar; o restante, músicos da OSBA que não falam comigo.

Pensei em como a Ditadura Militar foi competente em separar os estudantes universitários. O que seria a antiga Escola de Música e Artes Cênicas foi cindida de forma que não conheço as pessoas da Escola de Música, muitos estudantes ali nunca pisaram nem pisarão num teatro onde eu esteja apresentando algo, e dificilmente – se não foram pra OSBA – eu verei esses estudantes tocando. Muitos sairão de Salvador – a Terra do Nunca, o deserto da esperança – pra tentar a carreira fora, e os que ficarem se enfurnarão na carreira acadêmica. Triste Bahia madrasta pra músicos, também.

Mas o pior. Quase ao fim, Toninho Carrasqueira, depois de desfilar com os outros quatro músicos belíssimos arranjos muito bem executados, com alma e verdade – resolveu agradecer seus patrocinadores; VOLVO e BOSCH (faço questão de registrar, mesmo sendo parte, ou todo patrocínio através de leis de incentivo).

É absurdo, quase uma piada pra mim ouvir aquele excelente flautista agradecer a sensibilidade dessas empresas pois gravadora nenhuma se interessou pelo projeto deles de gravar arranjos de Villa-Lobos (o quinteto tem esse nome, mas grava muito choro e outros compositores até mais que “o Villa”). Tive que ouvir, com um aperto enorme no coração, Toninho dizer que agradece às empresas pois a mídia só pensa em dinheiro, em divulgar o que dá dinheiro – do jabá ao rendimento em publicidade – e a música deles não toca na rádio e nem na TV.

Imaginei o que será o futuro desse país, que parece ter se suicidado com Zweig. Fiquei com uma imensa vergonha de ser brasileiro. Não porque nosso povo seja pior. Não é isso. Lá fora, a ignorância e o mau-gosto imperam, também. Mas os grandes artistas são respeitados, mesmo que sem salas cheias e sem grande audiência. Nossa música é nosso maior patrimônio, e no ano do cinquentenário de morte do nosso mais célebre compositor, fui obrigado a ouvir um discurso triste como esse. Triste pra mim. Aqueles músicos estavam sublimando aquilo com música sublime, e encerraram a noite com um arranjo do Trenzinho do Caipira magistralmente feito por Jessé Sadoc Filho.

Essa apresentação era pra ser feita numa temporada, a preços populares, com casa cheia. E não gratuitamente num dia só. Mas essa não é a realidade. O teatro não estava lotado e eu, que tão maldosamente pensei em copiar o CD deles (que meu amigo que não foi mandou comprar), acabei por não só comprar o novo como um duplo, que curiosamente se encerra com um quinteto do saudoso Lindembergue Cardoso. Quem? Ah, um compositor baiano de música clássica. Coisa que não toca na rádio. Não passa na TV.

Hoje, agora, tenho vergonha de ser baiano e brasileiro. Mas muito fácil acho motivos pra ter vergonha de ser terráqueo, e aí quem sabe viro um aeronauta e saio por aí recitando Cecília Meireles:

Agora podeis tratar-me

como quiserdes:

não sou feliz nem triste,

humilde nem orgulhoso,

- não sou terrestre.

quarta-feira, dezembro 02, 2009

O vale-cultura vale?


O Governo Federal acaba de lançar o vale-cultura. À maneira do vale-refeição, seria um instrumento de consumo de bens culturais. As empresas se cadastrariam e os funcionários – variando de 10% a 90%, de acordo com a faixa salarial – entrariam com uma porcentagem para obter esse benefício, com saldo estipulado de até R$50,00.

O argumento do Governo é que uma imensa porcentagem de brasileiros jamais foi ao cinema, nunca entrou em museus, em nenhuma circunstância sentou num teatro pra ver dança, música, peças. Com esse vale, haveria um estímulo ao consumo de cultura, estipulado um crescimento de até R$ 600 milhões/mês ou R$ 7,2 bilhões/ano.

A política vive mais de votos do que de resultados efetivos. Paliativos e tapa-buracos são, comumente, realizados, com um intuito populista de angariar votos. Muitas ações têm caráter muito mais de sensação que, solidamente, de políticas a longo prazo.

Não quero ser também imediatista em achar que o vale-cultura é simplesmente populista. Seus efeitos só poderão ser medidos se o governo fizer um real controle com estabelecimentos, museus e casas de espetáculo para registrar o que esse trabalhador resolveu consumir. Mas eu, que considero a cultura o bem maior de um povo, e que acho que é a cultura que muda a sensibilidade, a sociabilidade e a responsabilidade (e várias outras “dades” do ser humano), sempre dou um passo atrás com ações desse tipo, nem que seja pra olhar melhor e ver sua real utilidade.

Pensemos. Boa parte da população, hoje em dia, tem celular. Qualquer bar da esquina tem um bando de todas as camadas sociais, consumindo cerveja a qualquer hora do dia e da semana. Temos uma população pobre, sim. E que tem pouco acesso a bens culturais. Mas uma porcentagem grande disso é a falta de interesse proveniente de uma falta de educação e formação do indivíduo. As pessoas gastam dinheiro, se endividam na onda do consumismo, dos crediários e cartões de crédito. E consomem, quando se trata de cultura, somente alguns poucos segmentos de arte e entretenimento – independente, diga-se de passagem, do preço.

Pouco se tem feito no real sentido de formar um cidadão desde a primeira infância. Enquanto os canalhas dos políticos se locupletam com a grana que veio de nossos impostos, nenhuma ação efetiva é feita pra aumentar salários e melhorar as condições do ensino básico. O ensino médio tem se tornado, com o ENEM (que acho importante, registre-se aqui), uma porta de entrada pra universidade. Mas e a formação desse adolescente ao longo dos três anos que ele passa estudando? Que políticas públicas vêm sendo pensadas pra formação do indivíduo de forma consistente, sólida e ampla?

Infelizmente, terei que cair no lugar comum em que muitos devem estar caindo ao saber desse vale-cultura: o bem cultural consumido com esse benefício não modificará em nada o acesso do cidadão a outras estéticas artísticas. Dificilmente, um trabalhador que adora pagode – nada contra o pagode – resolverá assistir à Orquestra Sinfônica da Bahia porque tem o vale-cultura. Será mais fácil ele usar o benefício pra comprar um DVD do grupo de pagode que ele goste, ou assistir a um daqueles encontros musicais de pagodeiros numa casa de espetáculos qualquer.

Ouvi num encontro em Salvador, inclusive, do próprio Ministro da Cultura, Juca Ferreira, que não haveria preocupação do Governo Federal com a escolha do bem cultural que o cidadão fizesse. Importava haver o consumo de cultura. O que significa que não importa se o cidadão vai continuar consumindo Cláudia Leite e jamais saberá quem é Cláudia Cunha. O que, em decorrência disso, parece significar que o vale-cultura é mais um mecanismo do pão (bolsa família) e circo (vale-cultura).

Volto a dizer, não quero me precipitar em detonar o projeto, nem tampouco discordo totalmente quando o Presidente da República diz que há pessoas que não tem o que comer e nem condições imediatas de acesso, e o bolsa-família funcionaria, assim, como um socorro desesperado aos totalmente desfavorecidos. Mas são projetos que se isolam de outras ações mais contundentes a longo prazo. Ao menos, não vi grandes ganhos neste sentido nos sete anos de governo Lula. Dá-se acesso a muita coisa, mas será que o acesso a universidades, bens culturais, e outras ações que o governo promove, estão aliadas a uma melhora efetiva de nossa população? Ou são atitudes de reparação social que funcionam apenas pra satisfazer, de imediato, os que reclamam – com razão – da falta de acesso a determinadas possibilidades?

Existem muitas idéias boas de inclusão social, como o próprio Ministério da Cultura chama essa ação. Mas incluir quem e o quê aonde? Pra depois gerar o quê? E ter que resultados?

Como diria a personagem Olga, da peça As três irmãs, do autor russo Anton Tchekhov (será ele consumido através do vale-cultura?):

“Se pudéssemos saber! Ah! Se pudéssemos saber!...


GVT.

sexta-feira, novembro 20, 2009

Salvador tem salvação?



Tenho andado muito triste com minha cidade. Quanto mais eu viajo ou ouço depoimentos de outras pessoas, sobre outras cidades do país, mais fico entristecido com o descaso do poder público e com burrice de nosso povo.

Salvador é uma cidade de múltiplas possibilidades. Possui criadores gabaritados e capacitados em todas as áreas, da arquitetura às artes. No entanto, uma desunião, uma desconexão, e um sentimento atávico de puxar as coisas pra baixo faz com que nunca consigamos crescer e melhorar, mesmo com todo potencial que temos.

Passando pelo Comércio, mais uma vez, a angústia de ver belíssimos casarões – que poderiam ser restaurados e transformados em um lugar de turismo, lazer e cultura – me deu um desespero em perceber que nada será feito até que eles caiam e a especulação imobiliária tome conta. Assim eu soube que estava sendo feito em Cachoeira, cidade patrimônio cultural, onde casarões antigos eram propositalmente descuidados pra tombar e serem substituídos; pois tombado, um casarão deixa de ser patrimônio, e o terreno pode ser reutilizado.

Soube que em Belo Horizonte haverá uma praça com cinco centros culturais; Caixa, Banco do Brasil, etc. E me pergunto se Salvador é tão desinteressante estrategicamente assim, pois o SESC investe pouquíssimo na cidade, primeira capital do país e terceira maior em termos populacionais (a despeito das atividades constantes que o SESC-Pelourinho faz na cidade), os centros culturais praticamente não existem, e a prefeitura de Salvador não demonstra nenhum interesse em restaurar, dinamizar espaços, nem em efetivamente fazer uma ação cultural abrangente e definida, com abertura de teatros, editais, apoios diretos através de um Fundo Municipal de Cultura, enfim, nem Secretaria de Cultura nós temos. Parece que agora será obrigatória a criação de uma, depois do Plano Nacional de Cultura e das conferências recentes que entendem a cultura como centro de modificação de um povo.

Se eu for falar das artes, então, a coisa fica mais complicada. Vamos ao teatro, por exemplo, área em que insisto em ser um profissional atuante (talvez provando a mim mesmo que não sou dos mais inteligentes). Otávio Mangabeira, político e aforista de primeira, dizia que na Bahia se paga 50 pra você não ganhar 20 (não lembro se eram estes os números, mas é esta a filosofia da coisa). E é uma verdade absoluta. Ao invés dos artistas tentarem um empurrar o outro pra todos subirem juntos, fica um puxando o pé do outro, tentando evitar que o outro cresça, boicotando carreiras, idéias, enfim, é desesperador ver como várias pessoas que tentam fazer algo bom nessa terra são imediatamente anuladas, derrubadas, boicotadas e ignoradas.

Lembro que, na minha época de estudante de teatro, havia uma avidez pelas notícias de novas montagens. O bochicho que rolava pelos corredores da Escola de Teatro de que um Guerreiro ia montar um Camus, um Hackler ia montar um Nelson, um Deolindo ia montar um Brecht, e por aí vai, tudo isso despertava nossa curiosidade. Saber os atores que estavam no elenco e correr atrás de grandes interpretações ou equívocos, mas dentro de uma referência de qualidade, de respeito e admiração, era um frisson que aguçava nossa visão e aprendizado de teatro.

Até isso se perdeu. Um dos maiores acontecimentos teatrais dos últimos tempos foi o trabalho do ator Carlos Betão no espetáculo “Combate de negros e cães”, de Koltés. E a carreira de Carlos Betão pode bem definir a estupidez soteropolitana. Ator de primeira grandeza dos nossos palcos, é a prova cabal de que a classe teatral de Salvador faz de tudo pra derrubar o outro, paga 50 pro outro não ganhar 20. Betão jamais ganhou um prêmio de teatro, mesmo que isso não signifique muito, eu sei, mas simbolicamente, em anos de carreira, ele ser ignorado assim é cruel e estúpido.

Muito se fala, por agora, do Prêmio Braskem de Teatro. Críticas e críticas ao prêmio, dizendo que o Braskem é isso e aquilo outro, como se Braskem fosse um orixá. As pessoas se esquecem que a porcentagem de equívocos anuais da premiação é proporcional à porcentagem de artistas de teatro nas comissões. Algo como se 80% dos equívocos anuais estivessem em consonância com os 80% de pessoas de teatro presentes nas comissões do prêmio. Digo isso para provar que o problema não está no Braskem, muito menos na Braskem, que proporciona uma festa imensa prestigiando e premiando nossas produções. O problema está justamente na classe teatral que, compondo a comissão, comete crimes, equívocos e desrespeitos ao bom-senso, fazendo com que aumente cada vez mais a minha lista de decepções na classe teatral baiana. Basta que se faça uma provocação; uma sondagem de por onde anda e o que fazem os premiados desconhecidos que subiram no palco do Teatro Castro Alves.

Voltando ao excepcional trabalho de ator de Carlos Betão na peça de Koltés, que talvez encerre definitivamente suas apresentações domingo próximo, dia 22/11/2009, tomo como exemplo a forma silenciosamente burra com que a cidade acolheu esse trabalho pra mostrar como Salvador é uma péssima madrasta, daquelas de contos-de-fada.

Estive em São Paulo duas vezes, nos últimos dois meses, e vi o quanto a imprensa local levanta seus artistas. Os jornais e revistas abrem espaços imensos pra elogiar e fazer reportagens sobre trabalhos de artistas da cidade. Criam velhos e novos gênios, dão várias estrelinhas nos roteiros para espetáculos que muitas vezes não consigo entender o porquê, mas eles sabiamente vão levantando a bola dos grupos de teatro, dos dramaturgos, e toda hora é prêmio, é reportagem, matéria em jornal, publicações, teses e dissertações sobre grupos e artistas da cena paulista e, assim, esses artistas vão legitimando seu trabalho, colecionando críticas, matérias e fazendo um portfólio invejável, e assim vão chegando pra nós – pobres nordestinos -  referências de revistas e jornais que nos fazem avidamente querer ver, reverenciar e tratar esses artistas como seres superiores que conseguem fazer algo inatingível para nós, reles provincianos.

O que não é verdade. Proporcionalmente, com os poucos recursos que temos, conseguimos produzir coisas de qualidade. Mas com a grande diferença de que, enquanto em São Paulo as coisas boas – e muitas ruins, é verdade – são exaltadas e premiadas, aqui há uma difusa conspiração pra que nada dê certo. Possivelmente Carlos Betão passará mais um ano sem indicação, e se indicado, sem um prêmio por um trabalho que, este ano, se destacou sobremaneira nos palcos da cidade. Assim como vários outros artistas foram ignorados, injustiçados, sufocados pela mediocridade que, como cal num jardim, não impede que nada cresça e floresça.

Muita gente me pergunta, diariamente, acreditem, por que eu não vou embora daqui. Muitos por estarem de saco cheio de me ouvir reclamar, poucos por acharem que meu trabalho poderia conquistar um espaço de mais respeito em outras plagas, outros porque não acreditam em Salvador e não têm esperança nenhuma de que saiamos dessa mediocridade sufocante que só faz crescer cada dia mais.

Eu também me pergunto. Sou frouxo. Muito covarde. E preguiçoso. E, lá no fundo, um pouco romântico e esperançoso (talvez o romantismo e a esperança sirvam apenas de desculpa). Mas acho que não sou dos mais covardes porque brigo. Critico. Tento gritar neste deserto surdo devastado pela estupidez. Tento ampliar minhas ações, fazer interações, criar projetos que dialoguem com a cidade.

Talvez um dia eu canse. E vá-me embora, deixando mais um minúsculo buraco nesse imenso abismo deixado por grandes artistas que cansaram daqui, e precisaram sair pra sobreviver e serem reconhecidos. Artistas que nunca tiveram espaço na mídia local, mas que, estando fora, quando vêm são recebidos pela província como gênios. É muito triste, tudo isso. Eu estou triste com minha cidade. Com minha carreira. Talvez, ficando aqui, um dia eu canse, e sem ir embora, me enfie numa carreira acadêmica e cultive plantas, escreva pra gaveta, componha pros pássaros na janela. Darei as costas à cidade que tantas vezes deu as costas a mim.

Salvador tem salvação?


GVT

quarta-feira, novembro 18, 2009

Assim falou Emanuel Araújo... (ou: tem mais gente pensando assim...)

Como foi a vinda do Museu Rodin para Salvador? Porque a Bahia não estava na relação das cidades candidatas. Pois é, as cidades eram Recife, Fortaleza e São Paulo. Aí convidei o Jacques Villain para conhecer a Bahia e ele se encantou. Era verão, almoçamos no Trapiche Adelaide e saímos andando pela cidade. O Jacques parou uma hora e disse assim: ‘Esse é um lugar para ter um Museu Rodin na América Latina’. Fingi que não dei importância, mas tratei logo de ir cantando ele aos pouquinhos. Quando falei com ACM, ele achou maravilhoso, e começamos a trabalhar. Mas o que foi decisivo foi a visita do ministro de Cultura da França à exposição A Porta do Inferno (obra de Rodin) na Pinacoteca.
A vinda das obras foi tumultuada. Foi, mas não era para ser. Teve uma burocracia que culminou nessa confusão toda. Houve também a incompreensão de muitos baianos. Mexeu com o ego deles porque a Bahia tinha um certo caráter internacional.
E não tem mais? Não. Perdeu ao longo dos anos. Acho que há um enfoque errado no turismo baiano. A Bahia foi folclorizada e a Bahia não precisa dessa folclorização que estereotipa tudo, da baiana de acarajé aos capoeiristas.
O que fazer para recuperar o prestígio? Acho difícil. Até porque exigiria muitos recursos. O que sei é que houve um movimento de teatro muito intenso, que gerou nomes como Lázaro Ramos, e parece que acabou. Acabou a arte aqui. Onde está a memória de Genaro de Carvalho, de Jenner Augusto, de Mario Cravo?
A Bahia trata mal seus artistas? Trata. A Bahia tem um lado que é maior que qualquer coisa, ele impera sobre todas as coisas, tem seu próprio sistema, seus próprios meios. Às vezes, pode ser mãe, em outras pode ser madrasta.
Foi mãe ou madrasta com o senhor? Acho que sempre tive medo de saber. Por isso fui para São Paulo, porque lá estava protegido. A Bahia tem uma coisa: por mais que você queira dela, ela te nega. Fico pensando na condessa Luana de Noailles, em Carlos Bastos, em Genaro de Carvalho… Vejo que a Bahia foi tão madrasta com eles. A Bahia é madrasta.

(publicado na Revista Muito de 17/11/2009)

segunda-feira, novembro 16, 2009

Site Dramaturgia Contemporânea entrevista Gil Vicente Tavares

O absurdo do Teatro na realidade de GVT

O Brasil é um país surrealista com obras realistas. Talvez por conta dessas diversidades, de tantos universos paralelos, quase não se produz obras absurdas ou peças inspiradas em Ionesco ou Beckett em nosso país. Mas na contramão dessa “realidade” surge o texto de Gil Vicente Tavares, que no seu doutorado trata da questão com a dissertação "A herança do absurdo, vestígios no drama contemporâneo”. O autor baiano, de 32 anos, traz os javalis para dentro da nossa sala e mostra o desconforto das pessoas diante das alegrias do amor, da nossa simpatia e da nossa gente calorosa. Fina ironia.


A descoberta da obra de Gil Vicente Tavares e do grupo Teatro NU, se deu via internet. A entrevista aconteceu em dois momentos, via e-mail e depois presencialmente, aproveitando o congresso de artes cênicas da ABRACE, na USP, para o qual GVT tinha vindo. Na mesa de um dos bares da Pça. Roosevelt, numa tarde quente paulistana, Gil Vicente completou a entrevista virtual falando das possibilidades do teatro brasileiro e uma vontade incrível de entender porque o teatro baiano não consegue ter a mesma visibilidade que tem a música baiana. Pelos textos e pelo site (www.teatronu.com ), ficou uma vontade grande de ver a obra de GVT nos palcos sulistas.

Por Thereza Dantas

O grupo Teatro NU tem um intenso intercâmbio com artistas de outros países. Porque essa opção de diálogo globalizado?
Gil Vicente Tavares: Logo após me formar pela Escola de Teatro da UFBA, fui convidado a morar seis meses em Portugal, através da Cena Lusófona. Lá, tive contato com muitos artistas, pude ministrar um ateliê sobre minha dramaturgia com a Companhia Escola da Noite, de Coimbra, e ter meus textos lidos pela Companhia de Teatro de Braga, onde deixei uma grande amizade; Rui Madeira; assim como Fernando Mora Ramos, Antonio Augusto Barros e tantos outros, Portugal afora. Tempos depois, por conta da dramaturgia, Jorge Silva Melo, encenador de Lisboa, me botou em contato com Letizia Russo, que estava fazendo residência com seu grupo. Tal não foi meu espanto quando ela me respondeu um email que eu havia timidamente enviado, dizendo que conhecia Os Javalis, que havia gostado da obra, etc, e desse contato acabei indo a Roma ver a leitura encenada do texto acima e de Os Amantes II, outra peça minha, com direção de Pietro Bontempo, ambas traduzidas por ela.

A Bahia tem passado por um sério problema de histeria com questões de negritude, regionalismo, cultura popular, e tem fechado seu teatro para o diálogo com outros cantos do mundo. Não é possível que a terceira capital do país ainda se atenha a questões do século passado, em busca de raízes, identidades, quando a verdadeira busca seria de uma Salvador conectada com esse novo mundo, numa nova ordem mundial.
Neste ponto, é curioso que eu consiga dialogar mais com pessoas de fora.
Acho importante que possamos conhecer o que vem sendo feito ao redor do mundo. Mesmo que seja pra percebemos que fazemos muita coisa boa, que podemos daqui do terceiro mundo dar indicativos de uma possível arte universal em processo.

A classe artística em Salvador é uma das mais despolitizadas, desunidas e desarticuladas do país, mesmo com uma pós-graduação em artes cênicas muito bem conceituada, grandes artistas, grandes referências no cenário nacional, etc. Com isso, grandes ações, boas posturas críticas e uma maior consciência de classe atrapalham uma efetiva solidificação do teatro na cidade.
A verdade é que estou sempre buscando aprender. Formei o Teatro NU com atores experientes para aprender a fazer teatro. Quando busco um diálogo com outros países, quero colher dessas pessoas o máximo de conhecimento, de idéias, mesmo que seja para negá-las. Para negar as coisas, precisamos conhecê-las a fundo, e essa lição muito gente ignora.

Teatro é bom independente de nação, de cultura, de credo ou estética. Gosto de Dias Gomes e de Heiner Müller. Gosto de Anton Tchekhov e de Samuel Beckett. Essa pluralidade que nos legou o século XX é fundamental para que façamos um teatro sem pretensões equivocadas, mas também sem o ranço do academicismo e do pastiche. Um autor se inventa como uma invenção de estilos, como uma mistura de estéticas que é só ele. Assim deveria ser, pelo menos.

Essas experiências com artistas de outros países tem demonstrado diferenças ou igualdades das culturas neste século 21?
GVT: Isso vai parecer frase de efeito, mas o mundo está cada vez mais igual e cada vez mais diferente. No recente evento que o Teatro NU realizou, Diálogos sobre dramaturgia contemporânea”, pudemos ver isso bem de perto. As peças de Ramón Griffero e Darío Facal tocavam em assuntos próximos. Questões ligadas ao sexo, à cultura de massas, à televisão, em muita coisa os textos se pareciam na discussão. Mas as abordagens eram diferentes. Víamos um dramaturgo europeu, Facal, representando o cansaço da acumulação de cultura e história de seu país, enquanto Griffero trazia em seu texto a imensa ressaca do golpe contra Allende no Chile, seu país. Aí entramos na grande questão: Facal poderia ter produzido um texto que reverberasse a ditadura franquista, e Griffero poderia traduzir a fragmentária Santiago muito próximo da estética de Facal.
Eu escrevi uma peça sobre o Marquês de Sade. Dea Loher escreveu uma peça sobre Olga Benário dando ênfase ao seu período no Brasil. Cada um destes textos traduz angústias internas de nossos próprios países, mas que são as angústias do mundo todo.

Aconteceu algo bem interessante comigo, em particular. Nas leituras de Os Javalis e de Os Amantes II, em Roma, as pessoas no debate comentavam sobre uma realidade para-berlusconiana, sobre identificações políticas com o texto. Na Alemanha, houve um estranhamento, até, em relação a Os Javalis, como se eu estivesse tomando deles uma estética, e quando Rui Madeira assistiu a um ensaio da mesma peça, o primeiro comentário dele foi; vocês estão fazendo teatro europeu. Talvez tenha sido estranho pra ele – acostumado aos intercâmbios étnicos da Cena Lusófona – ver na Bahia alguém fazendo algo diferente daquela estética endógena e autofágica. Mas digo, o teatro em Salvador teve grandes momentos, com grandes encenações, grandes atores, e isso vem se rarefazendo cada vez mais. A estética plural daqui tem acabado e a possibilidade de fazer outros tipos de teatro tem sido cada vez mais difícil.

Dramaturgia brasileira: quais as dificuldades e as alegrias de se fazer texto no país?
GVT: Não há uma política efetiva para a dramaturgia e nem para o livro, no país. A dramaturgia é bem mais fácil de circular do que uma peça com atores, cenários, técnicos. Mesmo assim, pouco sabemos em Salvador de outras praças. Um incentivo à dramaturgia e uma maior circulação das peças seria ideal. O Governo da Bahia publicou, há alguns anos, a obra coligida de alguns autores baianos. Aonde estão esses livros? Em quais livrarias do país? A FUNARTE lançou, durante algum tempo, o prêmio de dramaturgia. A grana parece ter ido pro bolso dos dramaturgos. Mas as peças foram para as prateleiras das livrarias? Não adianta, também, somente publicar. É preciso fazer correr esses livros pelo país, pelas escolas de teatro, é importante que elas se conectem entre si, também. Hoje em dia, com a internet, acho que falta visão de alguns órgãos, algumas faculdades e alguns cursos de teatro, pois uma rede fantástica poderia estar sendo estabelecida pelo Brasil inteiro.

Eu, particularmente, ainda não tive muitas oportunidades de ter alegria com o que eu escrevo. Ao menos aqui no país. Mas tive uma experiência fantástica que foi a oportunidade de ter viajado pelo Festival de Teatro Brasileiro – cena baiana no Ceará. Viajamos com a montagem de Os Javalis e a resposta do público foi fantástica. Foi nossa primeira viagem com o grupo e pudemos constatar o quanto o texto comunica, provoca e diverte, ao mesmo tempo. Foi muito bom romper essa fronteira, num projeto importante como esse.

Como "virar" autor de teatro?
GVT: Eu jamais seria professor de matemática. A aptidão é algo fundamental. Claro que se pode estudar para ser um autor teatral, mas o simples fato de alguém querer estudar pra ser dramaturgo no Brasil, algo próximo de querer ser surfista no deserto do Saara, já demonstra nessa vontade uma predisposição.
Minha dramaturgia surgiu da minha prática da cena. Obviamente, assim como minha prática era pobre, eu também não faria a maior obra do século XX (comecei de fato a escrever em 1997). Mas sempre tentei ouvir a voz da cena. Imaginar os atores falando as réplicas. Imaginar a ação decorrente do que eu escrevia.

A dramaturgia tem partido pra algo confessional, narrativo e monologar, mas não quero polemizar sobre dramaturgia contemporânea, apenas dizer que ao longo dos séculos a dramaturgia mais interessante que ficou foi aquela onde a contracena, o que era dito internamente na cena, as metáforas e desejos disfarçados dos personagens é que motivavam as pessoas a sair de casa para ver teatro.
Eu jamais defenderia a dramaturgia fácil, vendável, “comercial”, como queiram chamar. Mas Ryngaert, pensador francês, apontava o problema do teatro contemporâneo que – cada vez menos “dramático” – acabava afastando o grande público. Lembro de uma entrevista de Ionesco onde ele criticava o Noveau Roman e identificava no teatro daquela época ecos de um estilo empolado, circunspecto, e podemos perceber por trás da crítica de Ionesco o que na obra dele se evidencia; todo seu antiteatro é totalmente teatral, prenhe de recursos cênicos, fórmulas dramáticas e toda uma herança que o teatro o legou ao longo dos séculos.

O autor nunca deve perder de vista o ator e o público. Isso já é um começo. E ler muito teatro. Ver muito teatro. Participar de montagens, mesmo como ouvinte, curioso, perceber como toda essa carpintaria funciona e vem funcionando há mais de 2.500 anos.

Como você avalia a novíssima safra de "dramaturgos" que estão surgindo?
GVT: Juntamente com algumas outras poucas iniciativas, o projeto “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea” e as montagens que pretendemos fazer com o Teatro NU tentam suprir essa lacuna de conhecimento do que vem sendo produzido. Se pouco conhecemos do que vem sendo feito pelos “estabelecidos”, quanto mais dos novíssimos. Queria conhecer esses novíssimos, trocar experiências, fazer, quem sabe, um encontro da novíssima dramaturgia brasileira. Por que não?

Atores X Autores ou Atores + Autores?
GVT: Talvez um dos grandes nós da dramaturgia seja que muitos autores escrevem pra seu umbigo, pra si mesmo, e esquecem que a dramaturgia está em função do ator. Serei sempre a favor do ator. Tento ser, quando escrevo. Meu maior prazer é ver o prazer de um ator ao ler um personagem que criei, ou ver a vontade e a disposição com que um ator faz uma cena que eu havia escrito.

Dramaturgia é um sequencia de ações que um ou alguns atores interpretarão para um publico. Esse caminho não pode ser esquecido. Pra roubar um jargão dos executivos, é uma cadeia produtiva. Um processo que se é interrompido, se o ruído faz daquela dramaturgia algo ininteligível, algo está fora do lugar. Costumo dizer que a opinião que mais interessa, muitas vezes, dentre meus pares, é a do ator. Outro dramaturgo geralmente vai fazer considerações de caráter técnico, estrutural, o diretor muitas vezes vai olhar como um encenador que quer se aproveitar do texto pra se satisfazer, enquanto o ator tem a “inocência” de gostar de um texto pela forma que ele funciona em sua boca. Sinto-me resolvido em questões filosóficas, políticas nos meus textos. O mais difícil é que aquela peça funcione como teatro. Muitos poetas escreveram pra teatro e quebraram a cara porque o funcionamento da cena é diferente de se saber fazer um decassílabo ou uma rima. Nem tampouco é saber criar um personagem, apenas. É saber dizer a voz da cena, é conseguir dar vida a uma história, a uma trama, a uma fábula ou à falta dela.

O eixo Rio-SP ajuda ou atrapalha um autor que mora em outro estado do país?
GVT: O Rio de Janeiro foi a capital do país até a década de sessenta. E como capital, teve em torno de si todo um status. Desde a vinda de Dom João VI que o investimento na capital do país se fez presente, e não podia deixar de ser diferente com a cultura e as artes. Aliado a isso, a Rede Globo trouxe um poder midiático para o Rio jogando os holofotes todos para seus artistas.

São Paulo é um dos grandes centros econômicos do mundo, o dinheiro circula muito e é natural que haja uma maior concentração de artistas, intelectuais, pensadores, imprensa, editoras, SESCs, etc.
A questão, portanto, não é atrapalhar ou ajudar. Eles se destacam por questões de poder, finanças, estrutura. Não será batendo ou implorando a eles que os outros estados conseguirão uma solidez de um trabalho artístico.
Vivemos num país onde a corrupção toma todo o dinheiro público, onde os interesses em oprimir a cultura com o disfarce populista faz com que nós mesmos aceitemos sermos a cultura regional, o pires na mão atrás de alguma grana pra sobreviver.

Faltam políticas públicas. Salvador tem uma prefeitura vergonhosamente ausente. O Estado está metendo os pés pelas mãos na pretensa reviravolta que pensa estar fazendo na cultura. Não há boa educação. As pessoas querem beber cerveja, dançar pagode e ir à praia porque é a isso que elas são resumidas.
O que atrapalha os artistas fora do eixo Rio-SP é justamente estarmos fora do eixo. Não há uma vontade de investimento para a melhora do povo. Temos uma população miserável tanto na renda quanto na cultura. O que atrapalha um autor é ele ver que sua obra não circula, que ele é montado pra ficar pouco tempo em cartaz, que não há interesse das pessoas em serem tocadas pela arte, para além do riso fácil e do melodrama barato.

É claro que poderíamos dialogar mais com o eixo Rio-SP, mas geralmente quando esse diálogo acontece, o interesse que eles têm em nós é regionalista, étnico. Se eu escrevesse sobre sertão, candomblé, movimentos negros, apartheid social, haveria um interesse quase antropológico na minha obra, pois é esta a parte que nos cabe neste latifúndio.

Existe uma grande migração de grupos de teatro de outros estados para SP-RJ. Isso pode ser considerado um sintoma dessa concentração da renda?
GVT: Dizem que o PIB da cidade de São Paulo é maior que o resto do país. Essa circulação de dinheiro concentrada acaba proporcionando mais oportunidades para os grupos de teatro na cidade. Mesmo a cidade do Rio de Janeiro também está enfrentando problemas para manter seus grupos. Só o SESCSP é uma rede fenomenal de programação cultural. Os editais na Bahia geralmente oferecem um orçamento baixo e com isso você produz peças toscas... Isso desestimula a produção de teatro na sua cidade, no seu estado.

No caso de Salvador existe um agravante. Qualquer outra proposta mais contemporânea não é compreendida e aceita, como se o fato de tratar dessas questões nas minhas peças não estivesse falando da Bahia, de Salvador. Infelizmente isso acaba desestimulando a criação e a produção de peças de teatro em na cidade. Então, morar e trabalhar em São Paulo, ou no Rio, acaba sendo muito tentador...

O grupo de vocês disponibiliza os textos que já foram encenados no site oficial. Como encara a questão do direito autoral no país? Tem alguma sugestão para mudanças?
GVT: Pouca gente ganha dinheiro com venda de livro e CD. Apesar de eu ser um defensor ferrenho destes dois. O livro e o CD trazem uma legitimidade, é simbolicamente forte que alguém lance um livro ou CD. Mas essa deveria ser uma prática mais recorrente aliada à produção e diminuição de preço do produto; pensando não no lucro, mas no acesso das pessoas a esses bens. Eu mesmo recebo peças por email e tenho uma preguiça enorme de ler. O fetiche de pegar um livro cheirando a novo, riscar ele, voltar uma página, marcar um trecho, tudo isso é diferente de ficar em frente a uma tela lendo. Mesmo assim, acho que cada dia mais deveria se pensar num banco de textos virtual que açambarcasse toda (claro que sei que é impossível toda) a produção nacional.

O autor ganha dinheiro quando é pago pra escrever e quando os 10% da bilheteria lhe são repassados. Infelizmente, produtores e artistas não entendem o que é direito autoral, não entendem que aquela cena, aquele texto, aquele movimento, aquele cenário, tudo partiu de uma dramaturgia, que está sendo usada ali. Portanto, o autor precisa receber por aquilo. É como a execução de uma música na rádio. O compositor está tendo uma obra sua veiculada, algo que ele criou, que lhe pertence.

A grande revolução será uma grande publicação, difusão e divulgação de uma bibliografia de autores que pudesse circular pelas bibliotecas, ser vendida em livrarias, etc.
Uma política de tradução – através de intercâmbio entre países – seria maravilhoso. Termos acesso à nova dramaturgia turca traduzida pro português, enquanto na Turquia se lê dramas brasileiros, por exemplo, seria uma forma de troca de experiências, idéias, viagens, colaborações, tudo isso.

Gostaria de ressaltar que o espaço da rede tem revolucionado a comunicação e as artes. Vários sites e blogs aglutinam pessoas interessadas e podemos ter acesso ao que pensam pessoas de outros estados e de outros países. Parece pouco, mas é uma conquista termos conseguido mais de duzentos acessos num dia ao blog do nosso grupo. Temos, além de disponibilizado textos, fotos e futuramente trechos das peças, fomentado discussões que às vezes repercutem principalmente em Salvador.

Essa democracia da rede ainda vai nos levar a lugares interessantes. Espero, um dia, que os espaços legítimos e inteligentes da rede consigam abafar a imprensa oficial que elege muitas vezes o equívoco, o fácil e o comercial. Essa rede alternativa poderá colocar em foco assuntos, artistas e temas que a grande mídia não se interessa. Haverá uma seleção natural, a partir das escolhas dos internautas, e naturalmente também se fortalecerão e sumirão alguns espaços; num filtro espontâneo de valores e interesses.

Os textos Os Javalis e Os Amantes de Gil Vicente Tavares já estão à disposição no site Dramaturgia Contemporânea. Para download

Site oficial do Teatro NU e blog do Teatro NU

terça-feira, outubro 27, 2009

No tempo das diligências; o Fundo de Cultura do Estado da Bahia

O Teatro NU acaba de receber um comunicado urgente do Fundo de Cultura:

“Prezado Senhor,

De: Ciro Nunes Sales
Diretor de Fomento à Cultura
Fax: (71) 3341-1355

Informamos que a Comissão de Pré-Seleção do Fundo de Cultura da Bahia resolveu não pré-selecionar o projeto “TEATRO NU CINEMA – II EDIÇÃO – MOSTRA BAIANA” - Processo nº. 0800090029521, haja vista que após atribuições de notas individuais de cada Comissário, o mesmo obteve a pontuação final de 29,57 pontos e não alcançou o mínimo estabelecido no item 8.3 da Portaria nº. 051/09 – SECULT.
Para seu conhecimento, informamos ainda que os critérios para os quais o projeto não obteve a pontuação média foram: 8.2.a “valor cultural do projeto”, 8.2.b “viabilidade técnica do projeto” e 8.2.f ”aderência aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia”.

Atenciosamente,

CIRO NUNES SALES
Diretor de Fomento à Cultura”

Esse comunicado é referente – como se evidencia acima, a uma segunda edição que faríamos do projeto Teatro NU Cinema. O projeto consiste em levar teatro para as salas de cinema, através de peças curtas que passariam antes das sessões, em frente à tela do filme.

A primeira edição foi chamada Mostra Tchekhov e contemplava três peças curtas do grande autor russo. O projeto ocorreu de forma satisfatória, e pudemos perceber, pelos questionários preenchidos, a satisfação do público de cinema que, em boa parte, nunca havia ido ao teatro; pasmem.

O retorno que tivemos, para além do público comum, de artistas, do grupo Sala de Arte e tantos outros foi o que nos estimulou a realizar uma segunda edição.

Imediatamente, pensei em contemplar a dramaturgia baiana, sempre com pouco espaço nos palcos da cidade de forma regular. O intuito era, também, não só estimular novas criações dramáticas, como difundir o nome e o trabalho de dramaturgos baianos nas salas de cinema, ampliando possibilidades, dialogando com essa abissal distância que separa muitas vezes o público comum dos artistas de Salvador.

Pois bem. Primeiramente o Fundo de Cultura veio com suas famosas diligências. Acho engraçado e me pergunto se alguém já recebeu alguma diligência do Fundo de Cultura contestando valores baixos de cachê para atores, ou exigindo contratação de profissionais a mais para o projeto para que ele ocorra em perfeitas condições. Não. Até onde eu sei, as diligências são sempre pra abaixar cachê, cortar pessoal, questionar técnicos, artistas, fichas técnicas, enfim, uma comissão que deveria prezar pela qualidade, pela possibilidade de um artista ganhar bem, parece funcionar na barganha de “até quanto você desce pra gente poder te dar o dinheiro”. E lembro sempre de minha mãe; quem muito se abaixa...
Não pretendo aqui fazer um artigo reclamando de uma reprovação. Faz parte do jogo, perder. E eu também não posso esperar muito das sucessivas comissões de prêmios e editais, carentes, em sua grande maioria, de capacidade, competência e integridade profissionais.

A questão não é essa. É muito mais grave. O mesmo Fundo de Cultura, que aprovou o Teatro NU Cinema – Mostra Tchekhov, fez três considerações totalmente absurdas sobre a segunda edição do projeto. O problema em questão são as considerações. Talvez contemple os pareceres e diligências absurdos que muitos projetos vêm recebendo, e pelos quais muitos proponentes vêm se calando.
Vamos a cada uma:

8.2.a “valor cultural do projeto”

Vivemos uma política terceiromundista ressentida e burra de nos fecharmos em nossa própria cultura, como se nossa cultura não fosse uma contaminação do que acontece no mundo inteiro, e que naturalmente deveríamos dialogar. Mas se a cultura na Bahia está neste histerismo de africanidade, cultura popular, folclore e pobreza, o Fundo de Cultura achou o valor cultural de um projeto com textos de Tchekhov mais valoroso do que um com dramaturgia baiana. Isso é esquizofrenia, palavra que define bem os rumos da cultura no estado. Quer dizer que um projeto que tinha valor ano passado não tem mais esse ano? Por que? Porque a dramaturgia baiana não tem valor? Porque nossa equipe deixou de ter valor de um ano pra outro? É tão desvaloroso levar o teatro aonde o povo que poderia curtir teatro está? Fazendo teatro? Criando um mercado de trabalho, empregando mais de vinte profissionais, em torno da arte?

8.2.b “viabilidade técnica do projeto”

Esquizofrenia. Só pode ser isso. No primeiro ano, que seria um tiro no escuro, conseguimos realizar o projeto e o Fundo de Cultura achou ele viável sem nenhum antecedente que comprovasse a eficácia do mesmo. E realizamos tudo nos conformes, tudo aconteceu de forma normal, sem sobressaltos. Tendo realizado o primeiro, o que faz o Fundo de Cultura do Estado da Bahia considerar o projeto inviável tecnicamente numa segunda edição projetada nos moldes da primeira?

8.2.f ”aderência aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia”

Realizamos o Teatro NU Cinema em abril deste ano. Em seis meses, deixamos de aderir aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia?

O Teatro NU acabou de realizar o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I” através do Fundo de Cultura da Bahia. Foi um projeto que foi bem-sucedido, a ponto de me fazer pensar, imediatamente após o término dele, em projetar o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano II”. Fico com receio, agora, do projeto não ter mais valor artístico, nem viabilidade técnica e nem tampouco aderir aos objetivos do Fundo de Cultura da Bahia. Será que é proposital deste governo, para além de interromper projetos do governo passado, abortar idéias, que possam ter uma continuidade, surgidas durante sua própria gestão?

Com todo respeito que tenho a Ciro Nunes Sales, receber esse comunicado assinado por um menino sem nenhuma história na cultura baiana, que ficou responsável, de repente, pelo principal órgão de fomento às artes na Bahia – sabe-se lá pela indicação de quem – não sei se me deixa mais incomodado ou mais resignado.

Muitos fazem campanha pra que as leis de incentivo cada vez mais se enfraqueçam em prol de um Fundo de Cultura onde o estado tenha a decisão sobre os recursos, e não a iniciativa privada. O grande argumento é que a iniciativa privada só pensa no lucro, só pensa no retorno financeiro, só pensa em artistas de peso. E a gestão pública? Pensa em que? Pensa?

Viva Kafka, Beckett e Ionesco
Pimenta no dos outros é refresco.

quarta-feira, outubro 14, 2009

Oropa, Chile e Ceará

A primeira semana de outubro foi uma semana muito especial pra mim e pro Teatro NU. Em exatos sete dias, estivemos em dois projetos que podem ter dado uma outra dimensão ao grupo.

Nos dias 5, 6 e 7 de outubro, realizamos o Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, evento que trouxe a Salvador o chileno Ramón Griffero e o espanhol Darío Facal, dois dramaturgos que tiveram seus textos lidos pelo Teatro NU, com a participação de atores convidados. No terceiro dia, lemos a peça Agreste, de um dramaturgo brasileiro que, no dia de seu debate, ligou alegando problemas de saúde na família e não veio ao evento, propiciando uma discussão com Claudio Simões, Marcelo Praddo e com a minha mediação, sobre dramaturgia contemporânea (e) baiana.

O evento, de caráter internacional, foi um pontapé inicial pra todos os anos consigamos – de uma forma ou de outra – realizar esses diálogos e botar a dramaturgia em questão, em xeque e em discussão.

Causou-me certo espanto a quantidade de alunos da Escola de Teatro presentes ao evento. Numa Escola onde circulam cerca de quatrocentos alunos por semestre, ver pouco mais de dez presentes me causou espanto, ainda mais levando em consideração que 90% dos que estavam ali tinham algum contato comigo, tendo sido meus alunos ou colegas. Da classe teatral de Salvador eu não esperava muito como na verdade nunca espero muito, seja em presença ou em reivindicações, debates e discussões. Tampouco esperava que fossem muitos professores, só me assustou que não fosse nenhum – com exceção de um que apareceu por alguns minutos e não voltou mais.

Já quero me articular pra pensar a ampliação do projeto com algumas mesas, um ou dois ateliês de dramaturgia, e quem sabe fechar ou iniciar com alguma apresentação do Teatro NU, pros dramaturgos conhecerem o grupo no palco, e o público que pode não ter visto muito ou tudo que fizemos ver também.

Após um breve descanso de um dia, viajamos dia 9 pra Fortaleza, no âmbito do Festival do Teatro Brasileiro – cena baiana. Este projeto, encabeçado por Sérgio Bacelar e co-produzido por Selma Santos, tem levado – num apanhado diversificado – parte do que vem sendo produzido em alguns estados para outros do Nordeste.

Assim, o FTB – cena baiana em Recife levou diversos espetáculos baianos para Pernambuco, o FTB – cena pernambucana trouxe tantos outros aqui pra Salvador, e assim, com várias edições, um panorama eclético foi apresentado do que vem sendo produzido por aí, Nordeste afora. Nessa etapa agora, Sérgio e Selma tiveram a hercúlea tarefa de produzir, concomitantemente, a cena baiana em São Luís e Fortaleza.

O Teatro NU viajou com Os Javalis, espetáculo que passou quase em branco por Salvador, e foi surpreendente a receptividade do público cearense. Ficou mais clara ainda a idéia que tenho de que o público soteropolitano é viciado. Há, em Salvador, nichos que têm seus preconceitos e posturas inabaláveis e vê-se nitidamente que o público espontâneo, aquele que sai de casa sem conhecer ninguém da peça, com o simples intuito de ver uma peça porque deu vontade, sentando num teatro pra assistir uma história, é algo escasso em Salvador.

O público cearense riu, franziu a testa, acompanhou a peça com a pureza de alguém que está ali pra ser espectador, e não cumprir uma tarefa social ou uma obrigação de classe. A reação da platéia confirmava isso, e a vontade de voltar a Fortaleza ficou bem grande.

Foi a primeira viagem do Teatro NU. E com um saldo positivo, após termos realizado um evento que, pros pouquíssimos que estivem presentes no Teatro Martim Gonçalves, deve ter servido para ampliar idéias, conhecer novas vozes, discutir conceitos. Ao menos pra mim o evento serviu pra isso.

Estamos ampliando fronteiras. Tom Jobim dizia que a saída pro artista brasileiro era o aeroporto. Espero que o aeroporto seja pra que possamos trazer gente, nos levar e nos trazer de volta a Salvador.

Espero que a nossa saída não seja uma passagem só de ida.

E que tenhamos um retorno.


GVT.

domingo, outubro 04, 2009

Diálogos com Mercedes, Griffero e a Latinoamerica


Tenho um projeto, já reprovado em edital, mas que ainda sonho em fazer, onde – de forma fragmentada – eu faria um passeio pela América Latina no século XX. Eu teria como base o livro “O século do vento”, de Eduardo Galeano, e como trilha as canções latino-americanas que marcaram a década de 70 e 80 por estes tristes trópicos.

Pensei, talvez, em usar apenas canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanés, mas alguns outros compositores, chilenos, argentinos, dentro outros, ficariam de fora. Ainda não sei. O que sei é que me incomoda profundamente que aquela união latino-americana – proporcionada pelos sucessivos golpes militares apoiados pelos Estados Unidos, receosos de que a idéia da Revolução Cubana se alastrasse pelo resto do continente – tenha se esvaído aqui no Brasil.

Morreu hoje uma das representantes dessa plêiade de cantores que modificou a canção e provocou o poder, emocionou oprimidos, enfrentou o duro golpe do cerceamento de liberdade, da igualdade de raças, povos e oportunidades, da fraternidade que continuou clandestina, mas pulsante, nas praças, nas canções, nos protestos.

Mercedes Sosa, com Leon Gieco, Chico Buarque, e tantos outros, representavam a idéia de uma América Latina unida, uma política endógena, natural e de acordo com as necessidades dessa mistura de etnias, crenças e tradições. E contrária ao capital norteamericano tão interessado nesse mercado, nessas matérias primas, nessa mão de obra barata.

É estranho que as pessoas não falem em Silvio Rodriguez como se fala em Madonna, é confuso pensar que a morte de Mercedes Sosa não nos abale como a de Michael Jackson. No fundo, é claro que entendo esse processo de massificação. Mas ainda me estranha que a massificação não pudesse ter caminhado para pontos positivos, como Walter Benjamin chegou a crer.

Até hoje me emociono quando ouço no disco ao vivo, gravado no estádio do Boca Juniors, Buenos Aires, a multidão cantando o vocalise de “Maria, Maria”, ao ver Milton Nascimento entrar no palco, para dividi-lo com Mercedes Sosa e Leon Gieco. Esse sentimento se perdeu. Não sabemos muito de nossos “hermanos” e nossa arte está cada vez mais dissociada.

Sei de estudos sobre teatro latino-americano em São Paulo, e o Oco Teatro, daqui de Salvador, acabou de realizar a segunda edição do Festival Latino-Americano de Teatro, mas efetivamente essa “liga” se desfez, dentre outras tentativas alijadas da grande informação.

De forma ainda tímida, nós, do Teatro NU, ao trazer Ramón Griffero para o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I”, tentamos dar um minúsculo passo para que possamos dialogar entre nós. Junto com o espanhol Darío Facal – vindo pra cá numa parceria com o Instituto Cervantes – e Newton Moreno, poderemos discutir um pouco os rumos da dramaturgia no mundo e por que não em nosso imenso continente latino?

O governo Lula parece se interessar por firmar mais essas conexões, a despeito do julgamento pequeno-burguês dos leitores de revistas semanais que vêem (com os olhos das revistas) por trás dessa atitude, um posicionamento chavista; uma asneira monumental, visto que Lula se tornou a grande força política da América do Sul e ele, sim, é a referência – independente das críticas que se possa ter a seu governo – o que não vem ao caso, agora.

Pretendo dedicar um dos capítulos da minha tese de doutorado a um dramaturgo latino-americano, falando sobre a herança do Absurdo nalguma obra dele. Com o “Diálogos...”, pretendemos estreitar laços com a dramaturgia ao redor do mundo, e pra mim é muito especial a presença de um chileno – e do qual leremos um texto que poeticamente se refere ao golpe em seu país – enriquecendo junto a um pernambucano e um espanhol esse diálogo que – espero – possa se repetir todos os anos com diversas vozes e nacionalidades.

Mercedes Sosa se foi, levando consigo um pouco daquela América Latina partida, à espera de uma nova ordem continental. Foi-se como o unicórnio azul de Silvio Rodriguez, que ela cantou tão lindamente por mais de uma vez. Se alguém sabe dessa “Latinoamerica”, te rogo informação... Por aqui ficamos a passos curtos, sem Mercedes, conversando sobre teatro, dramaturgia a partir de amanhã, dia 5 de outubro, na Escola de Teatro da UFBA, e com a belíssima letra que ainda sonha, como todo grande artista da vida, com a utopia que sempre escapa, mas vivemos correndo atrás...

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Pastando lo dejé y desapareció
Cualquier información bien la voy a pagar
Las flores que dejó no me han querido hablar.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
no se si se me fue, no se si se extravió
Y yo no tengo más que un unicornio azul
Si alguién sabe de el, le ruego información
Cien mil o un millón yo pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.

Mi unicornio y yo hicimos amistad
Un poco con amor, un poco con verdad
Con su cuerno de añil pescaba una canción
Saberla compartir era su vocación.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Y puede parecer acaso una obsesión
Pero no tengo mas que un unicornio azul
Y aunque tuviera dos, yo solo quiero aquel
Cualquier información la pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.
 

terça-feira, setembro 29, 2009

habemus site!



O Teatro NU está num momento prolífico. Depois de mais de três anos de um blog que movimentou muitas discussões, finalmente teremos um site.

A partir de uma idéia de Jussilene Santana, atenta às novas mídias, estreamos o blog dia 16 de junho de 2006 com reportagens dela sobre os 50 anos da Escola de Teatro. De lá pra cá, montamos peças, seminários, leituras, e sempre alimentando o blog com diversas discussões sobre cultura e sociedade.

A próxima etapa foi comprar um domínio. Com o teatronu.com passamos a ter um endereço, emails, e assim poderíamos garantir o site quando resolvêssemos tê-lo. Sai gente, entra gente, e começamos a sentir a necessidade de um site oficial, com informações do grupo, formatadas num aspecto mais “profissional”. Renata Berenstein assume diversas funções dentro do grupo e, depois de várias tentativas, ela indica alguém pra finalmente resolver essa “aparência virtual” do Teatro NU.

Aliado a isso, a marca criada por Gaio Matos – artista plástico que nos acompanhou por mais de dois anos em nossas produções – estava muito associada ao trabalho dele, agora em outra fase. A marca possuía, também, uma resolução de cores que era complicada e perturbar ele sempre pra resolver a marca a depender da peça gráfica ia ser incômodo. Uniu-se a isso o fato de Guto Chaves se tornar nosso designer gráfico. Com ele, veio o entusiasmo em efetivar essa identidade visual, criar um estilo gráfico condizente com a estética do grupo, e surge a vontade/necessidade da marca nova.

A marca veio ligada a conceitos sobre o grupo e foi facilmente aceita por todos. Estávamos entrando num novo momento nessa comemoração de três anos de uma idéia de teatro para a cidade de Salvador.

A duras penas, vamos conseguindo romper cercos internos e ampliando fronteiras. Virtualmente, o blog já era visitado por quase cem pessoas ao dia, de diversos países – notadamente, claro, do Brasil e de Portugal. Materialmente, nosso espetáculo Os Javalis está viajando pra um festival em Fortaleza e depois segue para o interior do estado. Além disso, estamos realizando o Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I, trazendo para Salvador Newton Moreno, Ramón Griffero, do Chile, e Darío Facal, da Espanha, dramaturgos que estão vindo a salvador discutir dramaturgia. Com esse projeto, nosso propósito é deixar a dramaturgia em foco, através da leitura de peças dos autores citados, bem como saber idéias sobre o drama ao redor do mundo.

É claro que continuamos naquela maratona de perder vários editais, ganhar alguns pouquíssimos, inscrever projetos no Fundo de Cultura do Estado da Bahia, pleitear algum espaço para apresentação, suar pra ter algum reconhecimento, mas as coisas que vêm se somando ao grupo sempre dão novo fôlego.

Temos um site, temos uma marca, temos atores cada vez mais dentro do “projeto Teatro NU”, produtores dedicados, enfim, vamos aos poucos formatando o grupo pra ter uma estrutura melhor e tentar fazer nosso trabalho.

sexta-feira, setembro 18, 2009

Ninguém dorme melhor que os assassinos

Ninguém dorme melhor que os assassinos
Qui, 17 de Setembro de 2009 07:57
texto originalmente publicado na coluna Teatro & Cidade do site http://www.noticiacapital.com.br/



A corrupção será tema eterno dos jornais, das mesas de bar e das salas de estar. Há um componente do “querer se dar bem” que envolve a maioria da sociedade. Mas como dizia o ditado; macaco não olha o próprio rabo.

Há uma tendência natural em se considerar corrupto e criminoso o ato do outro, ao mesmo passo que consideramos esperto o nosso ato. Discutimos as falcatruas do Senado Federal, do Congresso Federal, mas me parece que no fundo há uma inveja subconsciente da pessoa não poder gozar das mesmas benesses.

Poucos são os verdadeiros honestos, dignos e corretos. Basta que se consiga alguma forma de pagar ilicitamente mais barato pela luz, pela TV a cabo, e prontamente a pessoa se aproveita. Recentemente, uma pessoa próxima foi receber seu remédio pelo SUS, e toda uma burocracia havia sido criada para o recebimento da medicação. E soubemos que muitas pessoas estavam falsificando procedimentos pra conseguir o remédio – caríssimo – pra revender. E aí nos pegamos criticando a burocracia que muitas vezes é criada por conta de nossa própria desonestidade. E a culpa é sempre dos outros.

Podemos até pensar que somos café pequeno. Que os poderosos, os políticos, os juízes conseguem roubar bem mais e melhor do que a gente. E há uma verdade nisso. Acho até que o crime político deveria ter penas duríssimas, prisão perpétua, pena de morte, dançar pagode na areia quente do meio-dia durante trinta anos seguidos, nenhuma pena seria muito para um crime político. Quando um cidadão tira a vida do outro, ele tirou a vida de uma pessoa, cometeu algo grave, execrável. E quando um político – através da máfia das ambulâncias – desvia verbas, deixa de colocar na rua um número considerável e necessário de um equipamento para salvar pessoas, quantas vidas se vão aí? Quando um homem não divide sua água com seu vizinho por mera questão de poder, ele pode estar debilitando e até matando uma família. E quando vemos políticos se locupletando por conta da indústria da seca?

O problema é que nossa corrupção do dia-a-dia, que julgamos ser uma esperteza, uma forma de levar vantagem, vai sendo somada ao ato hediondo de outras pessoas. Quando esse montante vai sendo somado a um “gato” de luz, que vai sendo somado a carteiras de estudante falsas, mais um superfaturamento de um orçamento, somados a favorecimentos, troca de favores, quando deixamos de devolver um troco errado, quando usamos de amizades pra ter contas e multas suspensas. Tudo isso somado vira um monstro que devora qualquer possibilidade de uma sociedade um pouco menos injusta.

Está todo mundo errado. É preciso que se diga isso. Os de lá de cima, os poderosos, esses pra mim poderiam ir, em sua maioria, pro paredão. Numa boa. Mas aqui embaixo, a gente, povo, não fica atrás na tentativa – mesmo que fracassada no montante – de se dar bem, tirar proveito, e ser, ao fim e ao cabo, desonesta.

Na área das artes não é diferente. É constante vermos na troca falsa de elogios, na troca interesseira de favores um comportamento que diminui a dignidade e integridade da pessoa. Vemos em vários editais, prêmios, festivais e críticas uma clara evidência de que são grupos se favorecendo, pessoas que empurram as outras pra serem empurradas mais à frente, e a dignidade do artista, do intelectual vai pro brejo. Bastou ter algum poder pra destruir um desafeto e favorecer alguém que pode te dar sexo, ou fama, ou dinheiro – o tráfico de influências nefastas que faz do meio artístico uma espécie de simulacro do que de mais podre existe na sociedade.

É engraçado como artistas têm muitas vezes na mão a possibilidade de mudar a história, de melhorar o nível da arte de sua cidade, de seu estado, de seu país, muitas vezes o poder cai na mão de pessoas que pensávamos serem íntegras e o que acontece? Vemos atos sem nenhum caráter, avaliações, escolhas e decisões ferindo o princípio da legitimidade, merecimento e justiça, enfim, estamos rodeados de pessoas em qualquer área que são corruptas, desonestas. Paremos com essa história de distanciar de nós o que é evidente. E é importante que essas pessoas se sintam assim, saibam que são canalhas, calhordas, inescrupulosas. Basta pensar nas repartições públicas. Se os cargos menores fossem ocupados por pessoas de caráter ilibado, 99% das falcatruas seriam interceptadas e denunciadas. Mas o rabo-preso, de um lado, e a vontade de se locupletar, do outro, fazem de qualquer posição social uma isca para a corrupção.

A cada dia que passa vejo pessoas que eu considerava como honestas, íntegras e responsáveis, entrando nessa vala comum dos jogos da corrupção. Talvez essas pessoas achem isso normal. E pensem que a história não vai registrar seu delito. Mas a justiça vem num cágado aleijado, mas vem. No mesmo passo que o distanciamento histórico poderá revelar que essa confraria da mediocridade, esse cartel de mafiosos da arte, por exemplo, conseguiu atrapalhar carreiras, exaltar o mau-gosto, se confraternizar chafurdando numa lama floreada de elogios, abraços, cachês, troféus e cinismo.

Ninguém dorme melhor que os assassinos. Assim começa o soneto do poeta Ildásio Tavares. Parece que esses senadores, essas comissões, essas curadorias, esses deputados, nenhum deles se preocupa com o fato de estarem destruindo a beleza do mundo. É nessas horas que a beleza do mundo se esconde em atos vistos por poucos, na surdina, enquanto o tráfego de buzinas e atropelos conduz bebadamente seu barco no asfalto da avenida Brasil.




GVT.

terça-feira, setembro 08, 2009

Mea culpa


Acabei de receber um email de Luciano Matos, assessor de comunicação do TCA, onde ele me esclareceu que a cota para divulgação da Série TCA é equitativamente distribuída. Foi um infortúnio, talvez, que no dia de Maria João Pires passasse na TV a divulgação do Buena Vista Social Club. O espaço deste blog não é bélico, nem radical. Tentamos provocar, mesmo sabendo do efeito minúsculo que temos, mas não bato pelo simples prazer de bater e nem sou a favor de críticas equivocadas. Portanto, faço, aqui, um mea culpa. Mesmo achando que poderia-se dar um jeitinho, mesmo que "brasileiro", pra redirecionar a propaganda do Buena Vista, que estava lotado, já, pra Maria João Pires. Mas nem sempre isso é possível, eu bem sei...
GVT.

domingo, setembro 06, 2009

MARIA JOÃO PIRES NA MÃO

MARIA JOÃO PIRES NA MÃO
Sáb, 05 de Setembro de 2009 19:56
texto originalmente publicado na coluna Teatro & Cidade do site http://www.noticiacapital.com.br/






O conceito de arte, e do que é artista, a cada dia que passa se torna mais confuso – recheado de questões que põem a cultura no meio de um ringue onde todos perdem e a arte, coitada, só faz se enfraquecer.

Mas me arrisco a identificar algumas poucas pessoas que para além de exercer seu ofício nas artes eu posso definir como artista; no sentido mais raro da palavra. Uma delas, e das muito poucas, chama-se Maria João Pires.

Fui ao concerto dessa pianista portuguesa, dia 03/09, no Teatro Castro Alves, com a Orquestra Sinfônica da Bahia, e pude sentir uma coisa que poucas vezes sinto. Um estado de êxtase me tomou o corpo, ao ponto de não conseguir nem sequer aplaudir a genialidade dessa artista que estava ali fazendo nada mais do que arte.

O segundo concerto pra piano de Beethoven acabou sendo coadjuvante da maestria com que Maria João debulhava as notas, coloria os sons, acariciava as teclas. Sempre que ouço uma música, tento entrar em sintonia com o que o autor poderia realmente querer com aquela passagem, aquele arpejo, aquela entrada lenta, aquele arremate preciso. E muitas vezes me decepciono ao perceber na interpretação do solista, ou da orquestra, ou nas escolhas do regente uma ineficiência no diálogo com a pretensão da obra. Sim, digo da obra porque nem sempre o autor sabe até onde pode ir aquilo que ele criou. Além de ser, na maioria das vezes, seu pior crítico, o autor muitas vezes pode não ser o melhor intérprete de sua obra.

Era impressionante a generosidade de Maria João em conversar com a orquestra, o diálogo preciso, e seu semblante que discretamente entristecia com uma nota triste e sorria numa passagem exuberante, tudo isso muito bem regido pelo maestro Christopher Warren-Green. E fica aqui uma dica para Ricardo Castro; acorrente este maestro a alguma coluna do teatro e obrigue-o a ficar um ano regendo a orquestra. Impressionante como ele consegue conduzir a OSBA. E isso já era perceptível desde o Mahler que ele regeu em outro concerto até o Rachmaninov que se seguiu ao Beethoven da apresentação do dia 03/09.

O concerto fez parte da Série TCA, um dos poucos projetos interessantes que o governo atual não abortou. Um projeto que há quatorze anos traz a Salvador, numa programação anual, grandes nomes das artes mundiais. E foi numa semana, inclusive, que a Série TCA colocou, em sua programação, duas apresentações de grande porte; além de Maria João Pires, uma velha guarda cubana sob a alcunha de Buena Vista Social Club.

Algumas coisas me vieram à mente essa semana, ainda mais depois de assistir a um concerto como poucas vezes vi aqui ou em outra capital do mundo, com uma pianista que está entre as grandes deste e do outro século; uma artista que, com suas vestes simples, uma saia indiana, contrastava com os cetins e rendas e paetês tão comuns em nossos concertos, em nossas festas de formatura, em nossos casamentos e quinze anos e batizados...

No dia do concerto de Maria João Pires, passou na principal rede de televisão local chamadas para o tal BVSC. À primeira vista, estranho. Primeiro porque se tratava de um concerto dentro do mesmo projeto – o que deveria ser então prioridade para a divulgação de Maria João Pires, já que era no dia de sua apresentação. E, segundo, porque os ingressos para BVSC estavam esgotados para a sessão e para a sessão extra.

Qual a intenção do Governo Estadual e de seus apoiadores ao deixar de divulgar um concerto que – vergonhosamente (e com preços em conta) – estava com pouco mais de meia-casa e com uma excepcional artista no palco, para divulgar algo esgotado?

Como falei no artigo anterior, a mídia venceu a gente. E nada melhor para a mídia do que uma marca. E a marca BVSC é uma marca forte, pois esteve no Oscar, lançou CD, teve produção americana e foi um sucesso estrondoso no mundo quase inteiro. Isso interessa aos apoiadores e ao Governo Estadual, possivelmente; mostrar como eles conseguem trazer para a província essa “marca” de sucesso.

As pessoas consomem marcas, e não qualidade. Todos querem ter tal etiqueta, tal brasão, tal selo em seus objetos de consumo. E as duas sessões de BVSC traduzem muito bem isso. Alguns músicos da velha guarda cubana já estiveram aqui – no Mercado Cultural – sem a marca BVSC, e pouca gente se interessou. Esses grandes músicos de agora seduziram pela marca, e não pela qualidade. O que é uma lástima, visto que a qualidade desses músicos está além e independente do que a massa pretende consumir. Na verdade, as pessoas se interessam em estar presentes ao fenômeno, e não em fruir um objeto artístico.

BVSC está lotado com antecedência e com propaganda na TV. E vai ser um bom espetáculo que, infelizmente, não irei. Maria João Pires foi preterida de chamadas na TV e fez um concerto memorável. Talvez fosse mais interessante pra um governo que pensa em formação, em democratização, em educação e sensibilização, fazer de tudo pra que os baianos pudessem admirar – e para além disso ter as ferramentas para tal, que só a educação e a cultura podem dar – um momento tão especial como o do dia 03/09. Mas é melhor trabalhar com marcas. Com números. Divulgar uma cacetada de editais, uma cacetada de reuniões com representantes de periferias e cidades do interior. Divulgar que o BVSC lotou o TCA.

A arte continua com Pires na mão; e parece que quase ninguém vê.



GVT.

segunda-feira, agosto 17, 2009

Mídia, média e louca

Mídia, média e louca
Dom, 16 de Agosto de 2009 23:26
(texto originalmente publicado na coluna Teatro & Cidade do site www.noticiacapital.com.br)

A mídia venceu a gente. Quando digo isso, não ponho a culpa nela, como muitos fazem, mas em nós mesmos, que nos deixamos ser vencidos por ela.

É muito fácil culpar fracassos criticando sucessos, e essa me parece a pior alternativa de briga. Como se diz comumente, a gente está brigando errado. Criticar a ação dos outros quando a nossa se mediocriza e acovarda, é uma fuga e uma falta de visão da vitória da mídia nos últimos anos. E não vitória dela como algo inexorável e incombatível, mas como algo resignadamente permitido por nós; ressaltando que “nós” são aqueles que almejam não simplesmente consumir o que a indústria manda e gostar do que é dito para ser gostado.

Um exemplo pra que tudo clareie. Ivete Sangalo lançou um CD e DVD com participações especiais. Até Maria Bethania foi lá na casa dela gravar uma música de Carlinhos Brau. Esse fato mobilizou uma camada da sociedade de forma marcante, quando talvez nem devesse. Acho Ivete um fenômeno, faz muito bem o que propõe, e não é seu sucesso que diminui a projeção de outros. Falarei mais sobre isso depois.

Ouvi de amigos, de conhecidos, de pessoas que se pretendem alternativas ao mercado, críticas, elogios, esculachos ao projeto de Ivete. E isso é mais surpreendente pra mim do que se possa imaginar. O projeto dela não tem relevância pra mim por não estar num círculo de interesses meus. Não porque seja ruim, alienado, ou qualquer desses adjetivos bobos que usam pra criticar a cultura de massas. É simplesmente pelo fato de não mexer comigo, não me estimular a ouvir aquelas músicas, nem ao menos perscrutar a internet à procura de imagens de faixas do CD.

Há tempos atrás, quando um artista como João Bosco lançava um disco, havia uma mobilização no meio que eu freqüentava, todos se perguntavam quem já tinha ouvido, quem já tinha comprado, que já tinha gravado o novo disco dele. Havia muito menos mídia, muito menos formas de divulgação, os meios de comunicação eram mais elitizados e restritos aos que tinham acesso a eles, e, no entanto, o burburinho acontecia, era um acontecimento artístico que perpassava as conversas de bar, de cama, de festa e praia.

Pois é tal minha surpresa ao ver que o próprio João Bosco, um dos mestres da nossa música, lançou um excelente disco – “Não vou pro céu”, daqueles que já surgem como clássico, e proporcionalmente passou despercebido de todos. Nesse ponto posso até culpar, em parte, a mídia, pois basta lembrar o programa Fantástico, da Rede Globo, há vinte anos atrás e comparar com hoje. Há tempos, o programa finalizava com Gilberto Gil e Chico Buarque cantando “a mão de limpeza”, de Gil. Hoje em dia, se não for essa nova já velha música sertaneja, é algo pior ou do mesmo nível. Claro que isso influencia, mas aos nobres detentores da revolta da mediocrização da mídia isso não poderia afetar. Todos eles, pela lógica, deveriam resistir buscando em outras fontes outras perspectivas e possibilidades; e isso não acontece.

Como insinuei acima, afirmo que o sucesso da cultura de massa não atinge tão diretamente – como alguns falam – um tipo de arte mais, digamos, refinada e complexa. Tivemos Menudo, tivemos Michael Jackson, tivemos artistas lotando estádios de futebol, e nada disso impediu que os grandes nomes da nossa música vendessem e estivessem na mão dos interessados.

É claro que talvez o fato de eu morar em Salvador me dê uma outra perspectiva. Aqui, na província, os defeitos são aumentados. De repente, no sul maravilha e adjacências a percepção seja outra, mas na minha cidade que vem emburrecendo a passos largos, um excepcional disco como o de João Bosco fugiu das rodas de bar, dos comentários, do entusiasmo daqueles que se dizem, na aparência, interessados em tal música.

Talvez essas pessoas não percebam que o capitalismo é tão esperto que transforma em cultura de massa tudo que interessa e poderia ser alternativa. É aquela velha história de empresas americanas faturando com camisas de Che Guevara, vendendo a pessoas que consomem o produto sem a profundidade do mito – que tem, em si, controvérsias suficientes pra não estar numa camisa, como lampião e muitos outros. E quando menos se pensa, certos produtos encaixotados para serem vendidos são – equivocadamente – vistos como algo alternativo ao estabelecido.

Basta ver a profusão de discos de samba. Agora, todo mundo faz samba. Não agüento mais samba. Qualquer cantora que quer se destacar grava samba, faz disco com samba antigo, samba de compositor novo que tem o mérito de parecer antigo, em qualquer esquina vemos jovens com cavaquinhos e pandeiros. É bom pro samba? Sim, não deixa de ser. Mas tudo isso já é o padrão. É o vendável. Nós vamos, como rebanho, sendo tangidos pelo estabelecido.

Mas um dos mestres do samba, João Bosco, passa despercebido desse bando de ovelhas. A volta das parcerias dele com Aldir Blanc – um dos maiores letristas do mundo – é algo ignorado e negligenciado por pessoas que talvez até ignorem quem é esse senhor. Mas o artista consegue driblar as adversidades com sua arte. E como diz o próprio Aldir, numa das letras do disco de João; “neguinho me vendo em Quixeramobim, e eu andando de elefante em Bombaim”...


GVT.

terça-feira, agosto 11, 2009

A verdade sobre Martim Gonçalves, Terra Magazine

Lancei o livro Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia em fevereiro deste ano através do Fundo de Cultura. Agora, passados alguns meses de necessária digestão de sua leitura, intelectuais e acadêmicos repercutem suas idéias e me questionam sobre diversas passagens. Entre elas, gostaria de lançar foco para este tópico desenvolvido pelo professor e crítico André Setaro, em seu mais recente artigo no Terra Magazine, que segue abaixo. Ainda em fevereiro, a publicação recebeu comentários críticos do dramaturgo e diretor, meu parceiro do Teatro NU, Gil Vicente Tavares e do escritor Jean Wyllys. Em maio, o A Tarde Cultural publicou capa com duas resenhas, assinadas respectivamente pelo diretor e cenógrafo Ewald Hackler e pelo ator e jornalista Gideon Rosa. Algumas entrevistas e muitas matérias também vêm repercutindo a pesquisa. Tudo compilado em http://arenateatral.blogspot.com/
Jussilene Santana

A VERDADE SOBRE MARTIM GONÇALVES, André Setaro
Terça, 11 de agosto de 2009, 08h05

Passado o tempo, que, muitas vezes, desfaz a mentira e a hipocrisia, e faz emergir a verdade dos fatos, é interessante observar como um homem da importância de Martim Gonçalves sofre, na velha província da Bahia dos anos 50, a mais severa perseguição e, até hoje, não fossem os esforços de Jussilene Santana, em sua pesquisa perfuratriz sobre o teatro baiano publicado no imprescindível livro "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", não se saberia de episódios que, antes de serem ilustrativos da efervescência criadora, mais servem para denegrir a imagem de certos "homens de cultura" que deram as cartas naquele cenário de "avant-garde" na feliz expressão do ensaísta Antonio Risério.

Se todos os homens possuem acertos e desacertos, Martim Gonçalves tem mais os primeiros do que os segundos, pois criou uma mentalidade moderna, uma concepção madura, para um incipiente teatro que cresce e se estabelece sob as suas coordenadas. Alguns que o detestam, dizem-no um déspota ou até mesmo um ditador. Outros reconhecem a sua lúcida percepção da literatura dramática e sua perfeita inclusão numa província acanhada, como a da Bahia, que, por causa dele, e de muitos outros, faz surgir, nas décadas de 50 e 60, um movimento cultural e erudito de insólita importância no panorama das artes nacionais.

Convidado pelo reitor Edgard Santos (outro que tem opositores radicais, mas que consegue dar uma transformação radical no direcionamento da Universidade Federal da Bahia para as artes com a criação não somente da Escola de Teatro, mas do Seminário de Música, Museu de Arte Moderna etc), Martim Gonçalves, de origem pernambucana, com residências de estudo no exterior e no sul do país, toma a frente da Escola de Teatro desde o seu nascedouro. Com o passar do tempo, no entanto, uma dissidência dá origem ao Teatro dos Novos (liderado por João Augusto) que tem como sede o Vila Velha.

Mas não estamos aqui para contar a história do magnífico teatro que se estabelece na Bahia nos anos 50. O "móvel" do artigo é denunciar uma omissão que muito esclarece o preconceito vazio, a hipocrisia e a mentira em torno do nome e da pessoa de Martim Gonçalves. O livro de Jussilene Santana vem ao encontro dos esclarecimentos necessários e, neste sentido, desmistifica fatos que se encontram assentados.

Conta a autora de "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", que o nome de Martim Gonçalves é omitido de importante exposição, embora tendo sido ele o principal autor da pesquisa. Segundo as palavras de Jussilene, "nas investigações para o livro, vasculhando aquela centena de jornais antigos, entre tantas coisas fascinantes, acabei por descobrir uma informação. A autoria do início do acervo "Nordeste de artefatos populares", exibido na V Bienal de SP (1959) e mais tarde desdobrado no famoso Museu de Arte Popular da Bahia, foi de Martim Gonçalves e não de Lina Bo Bardi como até hoje se acredita."

E é ainda Jussilene Santana quem diz: "O imaginário intelectual soteropolitano, após série de desavenças com o diretor Gonçalves, riscou seu nome do evento, atribuindo sua organização APENAS à arquiteta italiana. Curioso é que tal procedimento teria começado já em 1961, quando a própria Lina então vem à público defender Martim, em carta fotografada e já anexada em meu livro e transcrita logo abaixo para você".

Mais: Tudo isso poderia ser apenas águas passadas de um tempo confuso, mas o equívoco persiste, com gravidade para a escrita de nossa memória. Neste primeiro semestre de 2009, a Exposição "Fragmentos: Artefatos populares, o olhar de Lina Bo Bardi", ainda em exibição no Solar do Ferrão, está sendo divulgada nos jornais como o "acervo garimpado por Lina Bo no NE e cuja mostra foi exibida pela primeira vez no evento Bahia no Ibirapuera, durante a 5a Bienal Internacional de São Paulo", como atestam várias reportagens, em especial as dos jornais 'A Tarde', 'Folha' e 'Estadão'."

A própria Lina Bo Bardi, num gesto de coerência, escreve uma carta para o jornal soteropolitano 'A Tarde' à procura de esclarecer as omissões em 6 de setembro de 1961. Que vai aqui, por histórica, na íntegra:

"Senhor Redator de UNIDADE numa nota da edição de 04 do corrente dessa página universitária, assinada por R.Andrade, houve a afirmativa de que Lina Bardi "planejara e preparara" a Exposição Bahia na 2ª Bienal de São Paulo.

A nota, por seu caráter pessoal não mereceria retificação se UNIDADE não fosse um órgão dos estudantes que de mim tem toda amizade.

Creio ser meu dever, assim, procurar desfazer graves equívocos que informações mal recolhidas podem causar no desenvolvimento dos legítimos valores que atuam na luta pela cultura na Bahia.

A Exposição Bahia apresentada na V Bienal de São Paulo (e não na 2ª, como disse o articulista) e que tanto despertou o interesse dos meios artísticos e sociais do Brasil e do estrangeiro foi pensada, planejada e realizada pelo diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, prof. Martim Gonçalves, que procurou revelar, com meios estéticos de uma apresentação "teatral" as raízes populares da cultura baiana, em contraste com as correntes de importação que caracterizam a grande manifestação paulista.

Minha colaboração foi especialmente na parte arquitetônica, estreitamente ligada ao conteúdo da Exposição. A descoberta daqueles elementos da cultura baiana, por mim antes desconhecidos, fora resultado de minha aceitação de dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia.

Solicito à consciência que tanto define as novas gerações intelectuais a publicação desta carta na página de UNIDADE onde a nota acima comentada foi publicada, porquanto esta retificação constitui para mim um ato de ética profissional, rigorosamente necessário.

Com agradecimentos

Arquiteta Lina Bardi"

"A verdade, toda a verdade"! (Diderot).

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).