sábado, fevereiro 21, 2009

PREFEITURA RIMA COM CULTURA? (artigo publicado no jornal A Tarde de 20/02/09)

O poeta Antônio Lins assumiu a presidência da Fundação Gregório de Mattos. E ele pega um imenso abacaxi nas mãos. A Prefeitura tem ficado à sombra do Estado em várias ações, notadamente na área de cultura. É público e notório que ACM, raposa velha, injetou muita grana na cultura da Bahia, e nessa esteira veio uma profissionalização do teatro, a reinauguração do TCA, a reconstrução do Vila Velha – e a consequente ajuda na manutenção – bem como o Theatro XVIII, projetos de grande porte como o Ateliê dos Coreógrafos e o Núcleo do TCA. Enquanto isso, a prefeitura mantinha uma FGM como fachada de eventos e coisas triviais.

Quando Wagner venceu as eleições, houve um encontro entre Prefeitura e Estado no qual o prefeito João Henrique prometeu criar uma Secretaria de Cultura, desvinculando-a de Educação. O projeto não vingou, e a FGM continuou com um orçamento de 0,2%. Dados do IBGE, em 2005, apontam esse percentual ridículo, que deixa Salvador atrás de cidades como Macapá (0,48%) e Rio Branco (0,57%). Recife investia mais de dez vezes seu orçamento (2,3%) em 2005. A prefeitura, além de destinar um orçamento pífio à cultura, ainda juntou à Secretaria de Educação e Cultura as pastas de Lazer e Esportes, transformando-a num Frankenstein.

Antonio Lins vem com propostas amparadas por recursos federais. Com apoio do ministro Geddel Vieira Lima, ele quer construir um Teatro Municipal e revitalizar a Ladeira da Montanha, criando um corredor cultural. Vem também com a gasta bandeira da democratização das artes.

O problema é que – no teatro, por exemplo – um sucateamento do profissionalismo, uma falta de políticas claras para a área, um desmantelamento de ações passadas (por serem carlistas?), tudo isso vem contribuindo, no âmbito estadual, para um cenário preocupante no teatro soteropolitano. E a prefeitura nunca fez nada contra isso.

Na maioria das capitais, há um grande fomento das atividades culturais, principalmente através de subvenções. Em muitas cidades, a prefeitura chega a ser mais atuante que o Estado, visto que o diálogo é mais direto. Um exemplo é a Lei de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo, criada a partir de idéias dos próprios artistas.

A FGM não existe para as artes da cidade. Que o novo presidente fique atento ao fato de que democratizar uma produção em decadência não gera uma real troca de valores na sociedade. É preciso fortalecer a formação e a produção. É preciso que a Prefeitura de Salvador entenda e dialogue com as artes da cidade, ignoradas e marginalizadas pela ação do município.

Não será com grandes reformas e obras que esses problemas serão resolvidos.


GVT.

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

O silêncio dos culpados...


"O que mais preocupa não é o grito dos violentos,

nem dos corruptos, nem dos desonestos,

nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética.

O que mais preocupa é o silêncio dos bons!”.

(Martin Luther King)


Sempre procurei ouvir os bons. Principalmente pela árdua tarefa de, algum dia, me tornar um deles. Essa pretensão, que está implícita na criação artística, é uma das molas propulsoras para se crescer, para ampliar os horizontes críticos, para se tentar fazer arte de verdade.

O problema é que os bons estão morrendo ou estão calados. Conversando com uma personalidade da dança baiana, deparei-me com seu questionamento sobre a escassez de intelectuais. E estamos num momento que me preocupa muita.

Hoje em dia, a imprensa, a universidade e as classes artísticas são o espaço do lugar comum. Explico melhor. Não temos mais uma crítica que aponte para discussões que problematizem a criação contemporânea. A universidade, por sua vez, legitima o medíocre e incensa a moda, ao invés de questionar os caminhos atuais relativizando-os sob uma perspectiva reflexiva. E as classes artísticas, na onda da mediocrização do pensamento e da informação, assinam embaixo dos modismos e falsas novidades pela própria insegurança de se saberem ignorantes, sem profundidade suficiente para olhar os fenômenos artísticos sob uma ótica particular que dialogue com a tradição e a contemporaneidade ao mesmo tempo, filtrando através de uma lente depurada a criação do nosso tempo.

Penso às vezes que alguns que eu considerava como referências possivelmente tinham pés de barro. Penso também que a atitude de um pretenso intelectual é, preponderantemente, combativa. Pois seu papel é justamente dizer que o rei está nu, que alguém está com a calça de veludo e o rego de fora. E onde estão esses? Muitas referências minhas caem, aos bocados, por terra e a terra fica cada vez mais desolada...

Atrocidades vêm sendo feitas com relação às artes e ao pensamento. E ninguém se pronuncia, ninguém se faz voz contrastante. Covardia? Preguiça? Desilusão? E então, caros preguiçosos, covardes e desiludidos, vocês pretendem com seu silêncio legitimar o erro, a distorção, o equívoco?

É comum ouvir que não se deve levar a sério tal coisa, que tal outra coisa não merece que se despenda um tempo pra questionar, e com isso essas tais coisas vão se fortalecendo, e os pretensos intelectuais dando um tiro no próprio pé. Roubar-lhes-ão a luz, e já não poderão dizer nada.

Estamos num momento de paroxismo do que Ortega y Gasset chamou de “O império das massas”. As figuras pretensamente pensantes pensam pra legitimar o estabelecido. Estamos num eterno presente onde se cultua a troca de favores, elogios, hipocrisias e vantagens. Um abraço de mediocridade onde se sufoca a inteligência.

E onde estarão aqueles que podem apontar para algo além deste eterno presente opressor dos conceitos, das idéias, das críticas fundamentadas?

O intelectual – enquanto figura – está morrendo? Está sendo exilado ou se autoexilando? E isso é ser um intelectual?

Sinto falta deles. Sinto falta de pessoas que possam, com um olhar de madeira – metáfora do historiador Guinzburg referente ao Pinóquio – olhar em torno e ponderar que a festa da mediocridade, que a legitimação da burrice, que o enaltecimento dos modismos ultrapassados estão aí.

Alguns parecem saber. Mas ninguém diz.



GVT.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Catarse

Apesar de não ser bom em indicações, dedico este poema a todo bom entendedor, para quem um poema basta:


CATARSE

Não hei de me curvar
ante a linguagem do meu tempo.

Hei de sobrenadar o seu lixo,
restos de angústia, gula, desespero
e caos (sem todavia perder
a piedade), emergir
em busca de ar; de ar; de luz;
da paz de compreender (decidir)
o que me perder; o que me salvar.

Não. Não hei de enveredar-me
entre os dejetos;
não hei de me deter ante os escombros.

Seguirei meu caminho; e vou catando
lenha – é preciso acender o fogo;
arrebentar o espelho;
enxugar as lágrimas –
purificar a linguagem do meu tempo.


Ildásio Tavares

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Impressões modernas, lançamento de livro, verdade tropical...

Eu vira um espetáculo do Oficina - Os pequenos burgueses de Górki - em 65, na época em que Bethânia estava com o Opinião em São Paulo. A montagem me encantara. O estilo do diretor José Celso Martinez Corrêa era ao mesmo tempo mais tradicional e mais sutil do que o de Boal. Lembro que, ao sair do teatro, pensei em como era problemático que eu gostasse talvez mais daquilo do que do meu querido Arena conta Zumbi. O Zumbi era um passo, uma conquista, não havia dúvida, mas em Os Pequenos burgueses do Oficina havia uma sensibilidade que me reportava aos espetáculos da Escola de Teatro da Bahia de Eros Martim Gonçalves...
Verdade tropical, de Caetano Veloso

Quinta-feira, a partir das 17 horas, a atriz e jornalista Jussilene Santana, minha (ex? futura?) parceira do blog Teatro NU, estará lançando o livro Impressões modernas, na Livraria LDM.
Citei o trecho acima por ser emblemático do período que o livro trata; a década de 50. Martim Gonçalves veio à Bahia, juntamente com uma equipe de primeira grandeza - em nível internacional - fundar as escolas de arte propostas pelo visonário e ousado reitor da UFBA, professor Edgar Santos.
Martim ficou responsável pela Escola de Teatro da universidade, e, nos poucos anos que ficou à frente da escola, sofreu críticas ferozes da província em relação ao seu projeto de profissionalização e refinamento estético do teatro.
Para se ter uma idéia, até passeata de estudantes houve para não se gastar dinheiro público com escolas de arte. Nem sei se Jussilene vai gostar que eu revele isso, mas seu doutorado - o livro foi o resultado do mestrado - trata do mesmo tema, e ela vem se esmerando em pesquisar este período sobre outra ótica. No mestrado, ela escolheu a relação da cobertura jornalística da época com Martim e com a produção da Escola. E este é um período chave para se compreender as forças internas, as questões, os conchavos, a decadência e as crises do teatro baiano.
A pressão da sociedade, de jogos políticos e da imprensa - simulacro dos dois primeiros - fez com que Martim saísse prematuramente, quase que expulso, da Bahia. E o projeto de profissionalização e atualização frente às vanguardas européias e americanas, bem como a troca da informações sobre as novidades e discussões no primeiro mundo, foram se encolhendo, depois dele.
A resistência da década de 70 e 80 é clara em alguns encenadores e grupos. A década de 90 é confusamente um período onde ganha-se mais dinheiro com teatro em Salvador, mas a estética e a ética ficam frágeis e um projeto de modernização do nosso teatro acaba por esbarrar em bairrismos, carreirismos, folclorismos oportunistas e a sempre malresolvida relação entre arte, poder público, iniciativa privada e sociedade.
Num momento de violento retrocesso e amadorização da produção soteropolitana, um livro como esse merece ser apreciado por interessados e artistas que procurem se desgrudar dos ranços da província e pretendam - a partir de uma visão mais cosmopolita, desprendida e modernizadora - resistir ao quadro que se afigura nas artes da Bahia.


GVT.

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Buarquianas I

Chico Buarque é um compositor rasteiro. Revendo alguns de seus DVDs dirigidos por Roberto de Oliveira, percebo o quão rasteiro ele é. Suas letras são triviais. Seus assuntos, também. Chico pertence a uma linhagem que ele fez questão de seguir – recusando, em certa medida, a Tropicália, o desbunde, as “mudernizações” –, e vem de Noel, Ary Barroso, Caymmi, Tom Jobim. Uma linhagem de compositores rasteiros, simples, cotidianos e – naturalmente – populares (apesar da própria Tropicália ser uma tentativa de diálogo entre o pop e o popular, um outro caminho de aberturas e possibilidades).

Chico Buarque não é um compositor rasteiro. Deveria ser. Como deveriam ser rasteiros, corriqueiros e populares Tom Jobim, Noel, Caymmi. E tantos outros que nesse tempo da indelicadeza soam como sofisticados, refinados, distantes do gosto popular.

A poesia é o natural refúgio da subjetividade, da metáfora, da metonímia, da onomatopéia, de várias figuras de linguagem que são seu tijolo e cimento. Mas que são figuras que constroem uma casa onde poucos habitam, nos dias atuais.

O próprio Chico versava: “fume Ary, cheire Vinícius, beba Nelson Cavaquinho”. Mas isso não acontece. Num país onde Edu Lobo é deixado de escanteio, as coisas me parecem estranhas, distorcidas.

A percepção da arte, passando pela indústria, pelo poder da mídia, pela massificação e fórmulas prontas, fez surgir subprodutos artísticos que – tal qual aquele chocolate ao lado da sopa – fazem salivar um público acostumado ao mais que fácil, ao óbvio detestável e medíocre de certa música.

Chico Buarque poderia atingir, com suas letras, o porteiro, o dentista, a doméstica, o engenheiro. Mas para as novas gerações, ele é difícil, “cabeça”, complicado. Que tipo de gente está assumindo aos poucos este país? Minha geração e a geração anterior à minha considera Chico difícil. E por que? Porque não lê e não se interessa por arte, no sentido de fruição que transporta a pessoa de seu mundo cotidiano para uma releitura fantasiada, poetizada, romantizada deste.

As gerações consumidoras de produtos vão gerando subprodutos. E assim as gerações se tornam subprodutos de outras gerações. É muito complicado, pra mim, aceitar que as pessoas não ouçam Chico como, ao invés, ouvem o sertanejo de má qualidade, o bolero de má qualidade, enfim, uma profusão de músicas óbvias que, sem se inserirem nesta longa estrada que nossa riqueza musical produziu, geram um objeto pouco artístico e – longe de alimentar a alma de poesia e imagens inusitadas – mais uma vez produzem o óbvio que a vida pragmática e sem arte da gente pede.

O projeto da Tropicália redimensionou a música brasileira. Mas como o próprio Caetano declara em seu livro Verdade tropical, os tropicalistas legitimaram e/ou abriram a porta por um lado para o luxo e por outro para o lixo da maioria do que se produziu nas décadas posteriores ao advento do tropicalismo na música brasileira.

Sou contra radicalismos que destroem com pagodes, arrochas e sertanejos sem o filtro dos valores intrínsecos que possuem muitas dessas manifestações. Eu mesmo sou um apaixonado por carnaval. Que, diga-se de passagem, sempre teve letras bobas e melodias fáceis, ao contrário do que alguns parecem querer dizer quando dançam ao som de “mamãe eu quero” dizendo; isso é que era carnaval.

Há uma linha evolutiva e transformadora em nossa música. Com ritmos, estilos, palavras e versos. Há que se encarar as coisas de forma consciente e responsável. Mas sem deixar de registrar que um Chico Buarque, ao se inserir na longa tradição popular de nossa música, deveria estar em vários lares ao lado de tantos outros que – sumidos do grande público insensibilizado – amargam um ostracismo que talvez revele a necessidade de repensar nossa cultura, nossa educação, nossa formação enquanto indivíduos.

Vale registrar que Chico talvez tenha sido um dos poucos que sobreviveram numa escala um pouco maior de popularidade, mas que isso se deve muito ao fato de ele ser encarado como um fetiche, um símbolo de algo que designa status e sabedoria ao público que, sabendo dois ou três temas de sucesso dele, vai perpetuar nos outros trezentos e tantos dias do ano a mediocridade preocupante da apreciação artística do público médio brasileiro.


"A minha música não é de levantar poeira, mas pode entrar no barracão onde a cabrocha pendura a saia no amanhecer da quarta-feira..."
Piano na mangueira (Tom e Chico)


GVT.