segunda-feira, outubro 20, 2008

meia-entrada, meia-sola, meia-boca


A atual mentalidade dos gestores da cultura é pulverizar as verbas. Com isso, os profissionais ganham menos, ficam menos tempo em cartaz e fazem trabalhos meia-sola, com claro resultado meia-boca. Mas em iniciativas vinculadas ao governo não pagamos meia-entrada.

Existem milhares de pessoas, em Salvador, que gastam inteiramente seu dinheiro em restaurantes caros, em lojas caras. Mas espertamente falsificam a carteira de estudante pra pagar pela metade o trabalho de um artista. E acham correto, pois no Brasil só é corrupta a ação do outro, a nossa é esperteza.

No Circuito Sala de Arte, o artista paga meia-entrada. Em vários teatros de Salvador, também. Mas no Teatro Castro Alves, artista não paga meia-entrada. No Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, feito com dinheiro da Caixa Econômica Federal, com o Fundo de Cultura do Governo Estadual, e com co-patrocínio do Banco do Brasil e da FUNARTE (Ministério da Cultura), artista também não paga meia-entrada.

A atual mentalidade dos gestores da cultura impõe que os artistas façam um trabalho meia-sola, com um resultado meia-boca, mas o prejuízo que as artes estão tendo é inteiro. Total. Completo.


E disse Marcelo Praddo:

"A obrigação de pôr a cultura ao alcance de todos teve muitas vezes o indesejável efeito do desaparecimento da alta cultura, minoritária pela complexidade de seus códigos, em favor de um amálgama no qual tudo cabe".

Calma, Marcelo Praddo não disse isso. Ele apenas me disse que saiu numa revista semanal esta frase de Mario Vargas Llosa, escritor peruano. E Mario Vargas Llosa não estava se referindo à atual gestão da cultura na Bahia. Ou estava?

Aproveito para citar uma frase anônima que li certa vez:

"Enquanto certos procedimentos culturais (estéticos e políticos) são rechaçados e criticados em outros lugares do mundo, na Bahia eles são utilizados como novidades revolucionárias."

sexta-feira, outubro 10, 2008

Nilda Spencer sai de cena...


Lembro da delicadeza de Nilda.
O pretenso veneno de sua personagem no filme Eu, tu, eles era rodeado de delicadeza. Um de seus últimos trabalhos, Lábios que beijei, era todo de uma delicadeza com Wilson Melo, seu parceiro de cena, com o público, com o sensível texto de Paulo Henrique Alcântara, que vi sendo germinado nas aulas de dramaturgia de Cleise Mendes. Que, por sinal, vi pela última vez em cena recitando poesias de Florbela Espanca, junto com sua filha, Elisa Mendes, Teresa Araújo e; Nilda Spencer.

Ainda um adolescente, fiz a assistência de meu pai neste espetáculo, e pude entrar em contato com algumas das minhas referências no mundo do teatro baiano; e me encantava estar naquele universo, com aquelas mulheres.

Nilda talvez seja o símbolo da guinada que o teatro baiano tentou dar, no final da década de 50. Um projeto fantasticamente maluco de Edgar Santos tentava trazer a vanguarda européia para dialogar com a Bahia através da criação da Escola de Teatro, de Dança e de Música da Universidade Federal da Bahia.

Nilda se formou na primeira turma da Escola de Teatro, e o projeto de profissionalização via, naquele momento, uma possibilidade de Salvador ser um centro de referência. As idas e vindas, ao longo dos anos de mudanças de poder, de diretores, de reitores e de reformas fizeram a Escola de Teatro balançar, pra um lado e pra outro, mas a carreira de Nilda enquanto mulher de teatro se tornou inabalável.

Foi atriz na época que ser atriz era ser puta. Foi atriz na época que ser atriz era subversivo, foi atriz na época que ser atriz já não precisava ser.

Lembro uma vez, no Pelourinho, onde estava numa mesa de bar com Nilda. A sua grande preocupação era que só poderia tomar um uísque, pois voltaria dirigindo pra casa. E ria. E falava putaria. E brincava. E vivia. Tudo com a mais exuberante delicadeza.

Um artista não morre. Sai de cena. Escrevo isso não para ser poético, sensível, delicado como ela. Mas pelo simples fato de que um verdadeiro artista deixa em nossa memória, marcada, aquela presença no palco, aquela imagem na tela. Enquanto houver lembrança, a atriz está viva.

Nilda sai de cena, e eu fico aqui, caladinho, segurando a porra do choro – e Nilda daria tanta risada disso que falei... – aplaudindo sozinho o final de seu espetáculo.

GVT.


sexta-feira, outubro 03, 2008

Direto do túnel do tempo...

Escrevi este artigo em agosto de 2007, para ser publicado, o que não ocorreu, na ocasião. Como, além do fato das coisas não terem melhorado, se anunciam novas questões mais preocupantes ainda na gestão da cultura baiana, resolvi colocar o artigo aqui no blog, local onde não dependo de veleidades, preferências e tendências.

REINALDO MAIA E A DEMOCRACIA NA CULTURA BAIANA

Dia 20 de agosto, no projeto Fala Vila, o convidado da noite foi Reinaldo Maia, diretor e dramaturgo, um dos mentores do Arte contra a barbárie, movimento paulista que – numa reação à falta de uma efetiva política pública para o teatro em São Paulo – tornou-se referência e possibilitou que se criasse a Lei de Fomento do Município de São Paulo. A lei foi aprovada na gestão de Marta Suplicy (PT) e garante uma verba anual para cerca de 30 grupos, que apresentam seus projetos e são julgados de acordo com critérios escolhidos pelos próprios artistas.

Convidado numa articulação do Vila com a Fundação Cultural do Estado da Bahia, Reinaldo Maia discorreu sobre arte e política com a desenvoltura de quem batalhou e obteve êxitos importantes para o teatro em sua cidade.

Curiosamente, boa parte de seu pensamento era diametralmente oposto à atual filosofia vigente na FUNCEB, numa clara lição de democracia – por parte dos gestores da cultura baiana – que merece ser aplaudida.

O diretor e dramaturgo, também componente do grupo Folias d´Arte, foi bastante enfático quanto a questões de pulverização (democratização?) da verba e contrapartida social, dois carros-chefe da FUNCEB, bem como questões relacionadas à verba ser dinheiro público.

Reinaldo Maia quis deixar bem claro que ele era um artista, e que não era função dele fazer assistência social, distribuindo ingressos gratuitos e fazendo oficinas nas comunidades carentes e periferias, dois claros exemplos do que a política atual quer empurrar goela abaixo dos artistas baianos. Falou que estes eram papéis do governo, que a contrapartida oferecida por ele era seu trabalho, com qualidade e postura crítica, já que arte, segundo ele, eu e alguns mais pensamos, é uma ferramenta de discussão do homem e da sociedade e cumpre seu papel enquanto arte (e é assim que a arte tem seu valor intocado nas nações mais avançadas).

Tocando em assuntos como sentimento de culpa da classe média, proselitismo e esmola, o convidado da noite, sem nenhuma intenção direta de atacar a atual gestão baiana, mostrou-se bastante irritado com a transferência de responsabilidade do governo, deixando bem claro que para ele as iniciativas pontuais de distribuição de convites e oficinas não são inclusões sociais, são pontuais e não efetivas, e que não compete a ele pensar isso. Não bastasse ter que tentar sobreviver com a pouca verba, ainda incluir programas sociais paralelos, obviamente não-remunerados e que ainda ocasionam gastos para o artista. Tanto de tempo quanto de verba.

Quanto à questão do dinheiro público, mais uma vez ele chamou a atenção para os equívocos referentes às contrapartidas. Questionou porque que a sociedade não cobrava da FORD, que veio se estabelecer aqui sem pagar determinados impostos durante dez anos, carros gratuitos para a população carente. Ou porque o perdão da dívida de indústrias e agronegócios não era retribuído em ações sociais e distribuição de produtos e estoques. Como ele mesmo questionou, parece que o teatro, por ser mais desfavorecido, fica como massa de manobra para o proselitismo e assistencialismo do governo.

Indignado, pediu desculpa – ao final da noite – pela sua exaltação, mas ressaltou que a direita paulista vinha pressionando os artistas com as questões acima levantadas, chamando-os de privilegiados; ao que ele respondeu que o mérito artístico, pra além de ser discutível, era determinante para a distribuição coerente da verba pública. Chamou a atenção para um inútil pensamento de distribuição de empregos nas artes, como se a pulverização das verbas fosse resolver problemas de desemprego, e ressaltou a questão de que com a verba esfacelada, quem perdia era a qualidade do trabalho artístico, que, segundo ele, era o que menos importava à direita paulista, mais interessada em ganhar votos tirando o pouco de quem já não tem muito, leia-se; os artistas.

O mais curioso é que todo o pensamento da direita paulista, que ele tanto criticou, é muito afinado com o que vem se pensando na atual gestão cultural da Bahia.
Será que a esquerda, hoje em dia, serve apenas para ultrapassagem?