segunda-feira, agosto 17, 2009

Mídia, média e louca

Mídia, média e louca
Dom, 16 de Agosto de 2009 23:26
(texto originalmente publicado na coluna Teatro & Cidade do site www.noticiacapital.com.br)

A mídia venceu a gente. Quando digo isso, não ponho a culpa nela, como muitos fazem, mas em nós mesmos, que nos deixamos ser vencidos por ela.

É muito fácil culpar fracassos criticando sucessos, e essa me parece a pior alternativa de briga. Como se diz comumente, a gente está brigando errado. Criticar a ação dos outros quando a nossa se mediocriza e acovarda, é uma fuga e uma falta de visão da vitória da mídia nos últimos anos. E não vitória dela como algo inexorável e incombatível, mas como algo resignadamente permitido por nós; ressaltando que “nós” são aqueles que almejam não simplesmente consumir o que a indústria manda e gostar do que é dito para ser gostado.

Um exemplo pra que tudo clareie. Ivete Sangalo lançou um CD e DVD com participações especiais. Até Maria Bethania foi lá na casa dela gravar uma música de Carlinhos Brau. Esse fato mobilizou uma camada da sociedade de forma marcante, quando talvez nem devesse. Acho Ivete um fenômeno, faz muito bem o que propõe, e não é seu sucesso que diminui a projeção de outros. Falarei mais sobre isso depois.

Ouvi de amigos, de conhecidos, de pessoas que se pretendem alternativas ao mercado, críticas, elogios, esculachos ao projeto de Ivete. E isso é mais surpreendente pra mim do que se possa imaginar. O projeto dela não tem relevância pra mim por não estar num círculo de interesses meus. Não porque seja ruim, alienado, ou qualquer desses adjetivos bobos que usam pra criticar a cultura de massas. É simplesmente pelo fato de não mexer comigo, não me estimular a ouvir aquelas músicas, nem ao menos perscrutar a internet à procura de imagens de faixas do CD.

Há tempos atrás, quando um artista como João Bosco lançava um disco, havia uma mobilização no meio que eu freqüentava, todos se perguntavam quem já tinha ouvido, quem já tinha comprado, que já tinha gravado o novo disco dele. Havia muito menos mídia, muito menos formas de divulgação, os meios de comunicação eram mais elitizados e restritos aos que tinham acesso a eles, e, no entanto, o burburinho acontecia, era um acontecimento artístico que perpassava as conversas de bar, de cama, de festa e praia.

Pois é tal minha surpresa ao ver que o próprio João Bosco, um dos mestres da nossa música, lançou um excelente disco – “Não vou pro céu”, daqueles que já surgem como clássico, e proporcionalmente passou despercebido de todos. Nesse ponto posso até culpar, em parte, a mídia, pois basta lembrar o programa Fantástico, da Rede Globo, há vinte anos atrás e comparar com hoje. Há tempos, o programa finalizava com Gilberto Gil e Chico Buarque cantando “a mão de limpeza”, de Gil. Hoje em dia, se não for essa nova já velha música sertaneja, é algo pior ou do mesmo nível. Claro que isso influencia, mas aos nobres detentores da revolta da mediocrização da mídia isso não poderia afetar. Todos eles, pela lógica, deveriam resistir buscando em outras fontes outras perspectivas e possibilidades; e isso não acontece.

Como insinuei acima, afirmo que o sucesso da cultura de massa não atinge tão diretamente – como alguns falam – um tipo de arte mais, digamos, refinada e complexa. Tivemos Menudo, tivemos Michael Jackson, tivemos artistas lotando estádios de futebol, e nada disso impediu que os grandes nomes da nossa música vendessem e estivessem na mão dos interessados.

É claro que talvez o fato de eu morar em Salvador me dê uma outra perspectiva. Aqui, na província, os defeitos são aumentados. De repente, no sul maravilha e adjacências a percepção seja outra, mas na minha cidade que vem emburrecendo a passos largos, um excepcional disco como o de João Bosco fugiu das rodas de bar, dos comentários, do entusiasmo daqueles que se dizem, na aparência, interessados em tal música.

Talvez essas pessoas não percebam que o capitalismo é tão esperto que transforma em cultura de massa tudo que interessa e poderia ser alternativa. É aquela velha história de empresas americanas faturando com camisas de Che Guevara, vendendo a pessoas que consomem o produto sem a profundidade do mito – que tem, em si, controvérsias suficientes pra não estar numa camisa, como lampião e muitos outros. E quando menos se pensa, certos produtos encaixotados para serem vendidos são – equivocadamente – vistos como algo alternativo ao estabelecido.

Basta ver a profusão de discos de samba. Agora, todo mundo faz samba. Não agüento mais samba. Qualquer cantora que quer se destacar grava samba, faz disco com samba antigo, samba de compositor novo que tem o mérito de parecer antigo, em qualquer esquina vemos jovens com cavaquinhos e pandeiros. É bom pro samba? Sim, não deixa de ser. Mas tudo isso já é o padrão. É o vendável. Nós vamos, como rebanho, sendo tangidos pelo estabelecido.

Mas um dos mestres do samba, João Bosco, passa despercebido desse bando de ovelhas. A volta das parcerias dele com Aldir Blanc – um dos maiores letristas do mundo – é algo ignorado e negligenciado por pessoas que talvez até ignorem quem é esse senhor. Mas o artista consegue driblar as adversidades com sua arte. E como diz o próprio Aldir, numa das letras do disco de João; “neguinho me vendo em Quixeramobim, e eu andando de elefante em Bombaim”...


GVT.

terça-feira, agosto 11, 2009

A verdade sobre Martim Gonçalves, Terra Magazine

Lancei o livro Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia em fevereiro deste ano através do Fundo de Cultura. Agora, passados alguns meses de necessária digestão de sua leitura, intelectuais e acadêmicos repercutem suas idéias e me questionam sobre diversas passagens. Entre elas, gostaria de lançar foco para este tópico desenvolvido pelo professor e crítico André Setaro, em seu mais recente artigo no Terra Magazine, que segue abaixo. Ainda em fevereiro, a publicação recebeu comentários críticos do dramaturgo e diretor, meu parceiro do Teatro NU, Gil Vicente Tavares e do escritor Jean Wyllys. Em maio, o A Tarde Cultural publicou capa com duas resenhas, assinadas respectivamente pelo diretor e cenógrafo Ewald Hackler e pelo ator e jornalista Gideon Rosa. Algumas entrevistas e muitas matérias também vêm repercutindo a pesquisa. Tudo compilado em http://arenateatral.blogspot.com/
Jussilene Santana

A VERDADE SOBRE MARTIM GONÇALVES, André Setaro
Terça, 11 de agosto de 2009, 08h05

Passado o tempo, que, muitas vezes, desfaz a mentira e a hipocrisia, e faz emergir a verdade dos fatos, é interessante observar como um homem da importância de Martim Gonçalves sofre, na velha província da Bahia dos anos 50, a mais severa perseguição e, até hoje, não fossem os esforços de Jussilene Santana, em sua pesquisa perfuratriz sobre o teatro baiano publicado no imprescindível livro "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", não se saberia de episódios que, antes de serem ilustrativos da efervescência criadora, mais servem para denegrir a imagem de certos "homens de cultura" que deram as cartas naquele cenário de "avant-garde" na feliz expressão do ensaísta Antonio Risério.

Se todos os homens possuem acertos e desacertos, Martim Gonçalves tem mais os primeiros do que os segundos, pois criou uma mentalidade moderna, uma concepção madura, para um incipiente teatro que cresce e se estabelece sob as suas coordenadas. Alguns que o detestam, dizem-no um déspota ou até mesmo um ditador. Outros reconhecem a sua lúcida percepção da literatura dramática e sua perfeita inclusão numa província acanhada, como a da Bahia, que, por causa dele, e de muitos outros, faz surgir, nas décadas de 50 e 60, um movimento cultural e erudito de insólita importância no panorama das artes nacionais.

Convidado pelo reitor Edgard Santos (outro que tem opositores radicais, mas que consegue dar uma transformação radical no direcionamento da Universidade Federal da Bahia para as artes com a criação não somente da Escola de Teatro, mas do Seminário de Música, Museu de Arte Moderna etc), Martim Gonçalves, de origem pernambucana, com residências de estudo no exterior e no sul do país, toma a frente da Escola de Teatro desde o seu nascedouro. Com o passar do tempo, no entanto, uma dissidência dá origem ao Teatro dos Novos (liderado por João Augusto) que tem como sede o Vila Velha.

Mas não estamos aqui para contar a história do magnífico teatro que se estabelece na Bahia nos anos 50. O "móvel" do artigo é denunciar uma omissão que muito esclarece o preconceito vazio, a hipocrisia e a mentira em torno do nome e da pessoa de Martim Gonçalves. O livro de Jussilene Santana vem ao encontro dos esclarecimentos necessários e, neste sentido, desmistifica fatos que se encontram assentados.

Conta a autora de "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", que o nome de Martim Gonçalves é omitido de importante exposição, embora tendo sido ele o principal autor da pesquisa. Segundo as palavras de Jussilene, "nas investigações para o livro, vasculhando aquela centena de jornais antigos, entre tantas coisas fascinantes, acabei por descobrir uma informação. A autoria do início do acervo "Nordeste de artefatos populares", exibido na V Bienal de SP (1959) e mais tarde desdobrado no famoso Museu de Arte Popular da Bahia, foi de Martim Gonçalves e não de Lina Bo Bardi como até hoje se acredita."

E é ainda Jussilene Santana quem diz: "O imaginário intelectual soteropolitano, após série de desavenças com o diretor Gonçalves, riscou seu nome do evento, atribuindo sua organização APENAS à arquiteta italiana. Curioso é que tal procedimento teria começado já em 1961, quando a própria Lina então vem à público defender Martim, em carta fotografada e já anexada em meu livro e transcrita logo abaixo para você".

Mais: Tudo isso poderia ser apenas águas passadas de um tempo confuso, mas o equívoco persiste, com gravidade para a escrita de nossa memória. Neste primeiro semestre de 2009, a Exposição "Fragmentos: Artefatos populares, o olhar de Lina Bo Bardi", ainda em exibição no Solar do Ferrão, está sendo divulgada nos jornais como o "acervo garimpado por Lina Bo no NE e cuja mostra foi exibida pela primeira vez no evento Bahia no Ibirapuera, durante a 5a Bienal Internacional de São Paulo", como atestam várias reportagens, em especial as dos jornais 'A Tarde', 'Folha' e 'Estadão'."

A própria Lina Bo Bardi, num gesto de coerência, escreve uma carta para o jornal soteropolitano 'A Tarde' à procura de esclarecer as omissões em 6 de setembro de 1961. Que vai aqui, por histórica, na íntegra:

"Senhor Redator de UNIDADE numa nota da edição de 04 do corrente dessa página universitária, assinada por R.Andrade, houve a afirmativa de que Lina Bardi "planejara e preparara" a Exposição Bahia na 2ª Bienal de São Paulo.

A nota, por seu caráter pessoal não mereceria retificação se UNIDADE não fosse um órgão dos estudantes que de mim tem toda amizade.

Creio ser meu dever, assim, procurar desfazer graves equívocos que informações mal recolhidas podem causar no desenvolvimento dos legítimos valores que atuam na luta pela cultura na Bahia.

A Exposição Bahia apresentada na V Bienal de São Paulo (e não na 2ª, como disse o articulista) e que tanto despertou o interesse dos meios artísticos e sociais do Brasil e do estrangeiro foi pensada, planejada e realizada pelo diretor da Escola de Teatro da Universidade da Bahia, prof. Martim Gonçalves, que procurou revelar, com meios estéticos de uma apresentação "teatral" as raízes populares da cultura baiana, em contraste com as correntes de importação que caracterizam a grande manifestação paulista.

Minha colaboração foi especialmente na parte arquitetônica, estreitamente ligada ao conteúdo da Exposição. A descoberta daqueles elementos da cultura baiana, por mim antes desconhecidos, fora resultado de minha aceitação de dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia.

Solicito à consciência que tanto define as novas gerações intelectuais a publicação desta carta na página de UNIDADE onde a nota acima comentada foi publicada, porquanto esta retificação constitui para mim um ato de ética profissional, rigorosamente necessário.

Com agradecimentos

Arquiteta Lina Bardi"

"A verdade, toda a verdade"! (Diderot).

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

quarta-feira, agosto 05, 2009

CONVERSA NUA III

As políticas voltadas para as artes pensadas pela atual secretaria de cultura do estado (desculpa, fiquei na dúvida, pensaram em alguma política para as artes?) afetam não apenas atores, diretores e suas produções teatrais locais.

O Teatro NU abre o debate e convida Chico Oliveira, Cláudia Cunha e Fernando Marinho para conversar sobre a situação da música e da cultura na Bahia e claro, falarem sobre as políticas voltadas para as artes.

Aqui apenas alguns fragmentos dessa discussão. Participe também!


A Miséria Cultural Baiana, Terra Magazine

Terça, 04 de agosto de 2009, 08h11
André Setaro, De Salvador (BA)

Diz-se que a Bahia já teve seu Século de Péricles, uma alusão ao período efervescente que se situou nos anos 50 e na primeira metade dos 60, quando Salvador congregava o que havia de mais criativo na expressão artística. Estimuladas pela ação da Universidade Federal da Bahia, comandada, e com mão de ferro, pelo Reitor Edgard Santos, as artes desabrocharam com o surgimento do Seminário de Música, da Escola de Teatro, do Museu de Arte Moderna, dos inesquecíveis concertos na Reitoria, da porta da Livraria Civilização Brasileira na rua Chile, dos papos ao por do sol frente à estátua do Poeta, no bar e restaurante Cacique, dos debates calorosos da Galeria Canizares (no Politeama), da "boite" Anjo Azul (na rua do Cabeça), entre tantos outros pontos que faziam da Bahia um recanto pleno de engenho e arte.

Na Escola de Teatro, por exemplo, que, inicialmente, foi dirigida por Martim Gonçalves, montava-se, lá, de Bertolt Brecht, passando por Ibsen, Eugene O'Neill, entre tantos, a Strindberg, com um rigor inusitado, e tal era a excelência de seus espetáculos que vinham pessoas do sul do País, e até do exterior, vê-los encenados "in loco". No curso de preparação de ator, o estudante levava alguns anos para poder participar de uma montagem teatral, iniciando a sua trajetória como um mordomo mudo ou de poucas falas. Somente ter o seu nome no programa da peça já era um prêmio, uma alegria, um consolo.

O recente livro, "Impressões Modernas - Teatro e Jornalismo na Bahia", de Jussilene Santana, analisa a configuração do teatro como temática na imprensa baiana em meados do século XX e, pela primeira vez, faz justiça a Martim Gonçalves, o responsável pela excelência das montagens teatrais, criador da Escola de Teatro (que hoje tem o seu nome), mas muito criticado na sua época e até mesmo denegrido pelos opositores. Após a leitura deste livro imprescindível, a conclusão é única e inequívoca: sem Martim Gonçalves não se teria um teatro baiano do nível a que chegou, ainda que, décadas depois, tenha perdido todo o seu vigor, transformando-se num grande proscênio destinado à proclamação de "besteiróis", honradas as exceções de praxe.

Cinqüenta anos depois, meio século passado, a realidade cultural baiana é uma antípoda da efervescência verificada, uma época que foi chamada, inclusive, de "avant garde" pela sua disposição de inovar, pela marca de vanguarda da mentalidade de seus artistas e intelectuais. Atualmente, a Bahia regrediu muito culturalmente a um estado, poder-se-ia dizer, pré-histórico, e o "homo sapiens" do pretérito se transformou no "pithecantropus erectus" do presente. Aquele estudante do parágrafo anterior, por exemplo, não existe mais.

Na Bahia miserável da contemporaneidade, qualquer um pode pular em cima de um palco, qualquer um se sente apto a dirigir uma peça, "mexer" com cinema, fazer filmes. Com as sempre presentes exceções de praxe, o teatro que se pratica na Bahia é um teatro besteirol, que faria corar aqueles que participaram da antiga escola de Martim Gonçalves.

A Bahia não está apenas mergulhada em bolsões de pobreza, na violência diuturna e desenfreada, com seu povo excluído de tudo - e até mesmo dos cinemas, mas do ponto de vista cultural a miséria é a mesma. Miséria cultural, descalabro, ausência do ato criador, apatia, desinteresse. Eventos existem para a satisfação de pseudo-intelectuais que não possuem as bases referenciais necessárias para a compreensão do que estão a ver ou a ouvir. O momento presente, se comparado aos meados do século passado, assinala uma regressão cultural sem precedentes. Como disse Millor Fernandes, a cultura é regra, mas a arte, exceção, o que se aplica sobremaneira sobre o estado atual da cultura baiana. Cultura se tem em todo lugar, mas arte é difícil, e a arte baiana praticamente não existe.

Com o desaparecimento dos suplementos culturais e o advento de normas editoriais que privilegiam o texto curto, além da incultura reinante pela assunção do império audiovisual em detrimento da cultura literária (vamos ser sinceros: ninguém hoje lê mais nada), a crítica cultural veio a morrer por falência múltipla das possibilidades de exercício da inteligência numa imprensa cada vez mais burra e superficial.

Sérgio Augusto, crítico a respeitar, que militou nos principais jornais cariocas, em entrevista ao "Digestivo Cultural", site da internet (vale a pena lê-la na íntegra: http://www.digestivocultural.com/entrevistas/entrevista.asp?codigo=10), do alto de sua autoridade no assunto, afirmou que o jornalismo cultural está morto e enterrado, ressaltando que se fosse um jovem iniciante não entraria mais no jornalismo porque não vê, nele, perspectivas para a crítica de cultura (área de sua especialidade).

Dava gosto se ler o Quarto Caderno do Correio da Manhã com aqueles artigos copiosos, imensos, que abordando cultura e artes em geral, eram assinados por Paulo Francis, Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, José Lino Grunewald, Antonio Moniz Viana, entre tantos outros. A rigor, todo bom jornal que se prezasse tinha seu suplemento cultural. Aqui mesmo em Salvador, vale lembrar o do Diário de Notícias e o do Jornal da Bahia (em folhas azuis). Atualmente, resiste o Suplemento Cultural de A Tarde (mas, mesmo assim...).

A inexistência da crítica de arte não diz respeito apenas ao soteropolitano. É uma constatação geral no jornalismo brasileiro. Mas, e os cadernos culturais e as ilustradas da vida? Caracterizam-se pela superficialidade e servem, apenas, como guia de consumo, com suas resenhas ralas. Atualmente, os cadernos dois, assim chamados, são até contraproducentes porque elogiam o que deveriam criticar, colocando na posição de artistas personalidades que deveriam, no máximo, estar no departamento de limpeza de estações rodoviárias.

A crítica de arte serve justamente para isso: para, construtivamente, sem insultos, mas com argumentos sólidos, desmontar aquilo que não presta. Que falta não faz uma crítica de teatro séria, que, semanalmente, venha a apreciar o que se está a apresentar na cidade como literatura dramática! Ou uma crítica de artes plásticas. A interferência de um crítico faria corar muitos pintores que estão expondo na Bahia e posando como artistas. Assim também uma crítica de cinema que fosse menos paternalista com os "coitados' dos cineastas baianos cujas imagens são a de "franciscanos" em busca da expressão cinematográfica, mas cujos resultados, em sua grande maioria, remetem o espectador aos braços de Morpheu, quando não à aporrinhação.

Se a miséria da cultura baiana é cristalina, a miséria da crítica cultural é, também, imensa. Que esmola pode ser dada para se acabar com ela?

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).