domingo, outubro 23, 2011

Uma mensagem para Getúlio ou a poesia deslizando pelo rosto

Depois de momentos de emoção à porta do camarim de Sargento Getúlio,  com artistas como Nilson Mendes, Margareth Menezes e Geraldo Cohen, fomos eu, Carlos Betão, Cristina Vilanova e Alba Cristina beber uma cerveja e papear.

O assunto, claro, girava em torno da peça, Alba tinha visto pela primeira vez e sempre temos o que falar sobre arte. Mas num momento em que Alba levantou e Betão foi falar algo com Cristina, acessei despretenciosamente meu facebook pelo celular e me deparei com esse texto. Resolvi lê-lo em voz alta para os dois, antes mesmo de saber tudo que estava ali.


A voz embargou, em certo ponto. Olhei pros dois e Betão enxugava uma lágrima que insistia em querer descer, junto com a minha. Cecília Accioly, pernambucana, baiana e do mundo, havia me (nos) mandado essa mensagem que resolvi compartilhar. 


Nessas horas me vem a compreensão profunda do que é fazer arte. Um "ainda vela a pena" me soa na alma. As lágrimas de Geraldo Cohen e Nilson Mendes no camarim eram as mesmas no caminho de Cecília, que eram as minhas e as de Betão. 

Getúlio fala da "morte deslizando pelo rio". Eu mostro aqui embaixo um texto que fez a poesia deslizar pelo rosto:

Fiquei sem palavras e sem ação no momento em que as luzes se apagaram. De uma delicadeza que só sente quem tem nos pés a terra do chão amarelo (e tão poucas vezes verde) de que se fala! Posso passar horas falando da parte técnica, do trabalho de corpo, do ritmo e entonação das falas, dos tons, das texturas... mas eu prefiro falar do espelho que a peça foi pra mim. Me vi, vi minha família, de machos que preferem uma vida curta, de mulheres que se chamam "Justa", e enxerguei - mesmo caecilia que sou - as histórias que existem em mim, através de mim, tudo o que me põe de pé e me faz viva! Getúlio fala pra todos e pra cada um. Ele fala com a força e o estalar dos pés e da bexiga do boi na coxa do Mateus, do cavalo-marinho que brincava nos natais de minha infância no Sítio da Trindade em Casa Amarela. Ele fala pra mim, comigo, me conta a história dele que também é minha...e entendo porque tenho tanta dificuldade de viver nesse mundo de velhos frouxos. Sou de um mundo de velhos machos, sou uma! Minha alma o é! E vim do Itaigara até os Barris rindo, chorando, lembrando e vendo uma beleza nas pessoas que há muito eu não via. Pode ser piegas, pode ser qualquer coisa, mas escrevo com uma sinceridade de me desnudar quase que completamente.
E, ao final, quis te dar um abraço, e te agradecer, e agradecer àquele homem belíssimo de cima do palco, pela experiência de um re-olhar...pra mim mesma!

Cecília Accioly

sexta-feira, outubro 21, 2011

HOJE, dia 21/10/2011, excepcionalmente, o espetáculo "Sargento Getúlio", da obra de João Ubaldo Ribeiro será às 19hs. Por favor, se estiverem pensando em ir ou souberem de alguém que vai ou pensou em ir, compartilhem essa notícia para evitar constrangimentos e viagens perdidas!!! Dias 22,10, 27, 28 e 29 seguem normais, às 20hs. ÚLTIMAS APRESENTAÇÕES!!!

sábado, outubro 15, 2011

Carta aberta a Luiz Marfuz


Caro Luiz Marfuz,

Surpreendeu-me, hoje, ler nas redes sociais um artigo seu publicado no jornal A Tarde de 14/10/2011 (abaixo na íntegra). Intitulado “Mais respeito aos artistas baianos”, vi seu incômodo em relação aos critérios na seleção de espetáculos baianos para o Festival Internacional de Artes Cênicas.

Os dois pontos que você toca também foram questionados internamente pelo meu grupo, o Teatro NU, quando da publicação do artigo de Eduarda Uzeda, em 06/10/2011, no mesmo jornal A Tarde. O primeiro deles, de que “os artistas locais sabiam como participar” soou estranho, pois também não vimos divulgação alguma em nenhum lugar. Absolutamente nenhum indicativo de prazos, seleção, critérios, qual e para onde enviar material do(s) espetáculo(s).

O segundo, como você cita, é “que a linha editorial era ‘questionar o lugar do espectador’”. Sobre esse, que nos causou confusão, vale a pena discorrer um pouco mais.

Acostumados a não nos encaixarmos em linhas editorias e critérios de seleção de festivais e editais – talvez pela baixa qualidade do que apresentamos como proposta e resultado, tal qual você cita em relação a As velhas – nunca fizemos, nós do Teatro NU, muito barulho pela nossa não seleção. Apenas pontuamos seguidamente nossa infelicidade em perder sucessivos editais e não poder participar de eventos que pudessem projetar o grupo de alguma forma.

O Teatro NU surge de uma ideia minha e de Jussilene Santana de privilegiar o trabalho do ator e sua relação com e texto, e buscar uma dramaturgia que possa, sem oba-oba e modismos, questionar certos limites da cena: seja no trabalho do ator, seja na estrutura do texto, seja na temática e na abordagem da cena, da ação, do conflito, da ideia.

Sendo um grupo praticamente autoral – demorei anos para “obedecer” Ewald Hackler e passar a dirigir minha própria dramaturgia –, montamos com nosso grupo duas peças minhas, na sequencia, Os amantes II (2006) e Os javalis (2008), após a boa repercussão que tive em Roma, na Itália, com os dois textos.

Em seguida, tive uma súbita ideia. Percebendo um pequeno palco na Sala de arte da UFBA, pensei em fazer peças curtas antes de sessões de cinema. Levar teatro às salas de projeção. De imediato, pensei nas deliciosas peças curtas de Anton Tchekhov. Aprovados pelo Fundo de Cultura do Estado, montamos, com nossos atores Carlos Betão e Marcelo Praddo, e a participação mais que especial de Fafá Menezes, O pedido de casamento, O urso e Dos males do tabaco.

Depois disso, repetimos o projeto que foi chamado Teatro NU Cinema, mas já nos interessava um diálogo com a dramaturgia contemporânea e selecionamos duas peças curtas de autores baianos para a segunda edição e, depois de umas dez derrotas em editais, a VIVO resolveu patrocinar Sargento Getúlio, monólogo a partir da obra de João Ubaldo Ribeiro, com dramaturgia minha, novamente.

Vale ressaltar que as peças curtas de Anton Tchekhov estão tendo vida longa. Foram apresentadas, a convite de Rose Lima, diretora artística do Teatro Castro Alves, para abrir o projeto Domingo no TCA, para mais de seis mil pessoas, durante seis meses, e resolvemos juntar duas delas, O pedido de casamento e O urso e fazer o espetáculo “Dos males dos casamentos: Tchekhov em dois tempos”, que teve curta temporada de sucesso no Theatro XVIII e no Cine Cena Unijorge.

Todo esse blablablá foi para retornar à questão da linha editorial que era “questionar o lugar do espectador”. Já acostumados à nossa não seleção, reservei-me o papel de anônimo espectador do FIAC, esse ano, até que a produtora do Teatro NU, Fernanda Bezerra, me liga dizendo que o espetáculo “Dos males dos casamentos...” havia sido convidado para o festival, sem que ao menos tivéssemos sondado, enviado material ou coisa parecida.

Depois do primeiro susto, e satisfação pela lembrança e escolha, pensamos: um festival é uma vitrine, para onde se leva o que de mais representativo da estética de um grupo se pode ter, e resolvemos fazer uma contraproposta. Ao invés de dois dias de “Dos males...”, faríamos pelo mesmo preço um dia dessa peça e outro com Sargento Getúlio, por ser nossa obra mais recente e nos interessar difundi-la por ser representativa da nossa estética enquanto grupo.

O festival recusou.

Entendendo que ter o Teatro NU representado por um espetáculo que não é um “cartão de visita” do grupo, a despeito da qualidade das peças de Tchekhov, da excelente atuação dos três atores e do satisfatório resultado final, preferimos então declinar do convite. Interessa-nos muito participar do FIAC, e ainda queremos vida longa a “Dos males...”, mas não como estética representativa do grupo para um festival que parece privilegiar as diferentes abordagens estéticas da cena contemporânea.

Causa-nos surpresa saber desse critério de “questionar o lugar do espectador”. As peças curtas de Anton Tchekhov questionam a sociedade, da qual o espectador faz parte. Mas se o convite havia sido por isso, penso que Sargento Getúlio, assim como As velhas e toda e qualquer obra de arte, digo, de arte, também o faz. E, pensando sob a ótica do FIAC, me parece que essas duas últimas têm mais “cara de festival”, ou o que se pode entender por isso.

Há um festival imcompreensível de abordagens e critérios para o Teatro NU. E, pelo visto, para você também.

Um abraço,

Gil Vicente Tavares
Diretor artístico do Teatro NU.

Jornal A Tarde, 14 de outubro de 2010.
MAIS RESPEITO AOS ARTISTAS BAIANOS
Luiz Marfuz

Deboche é pouco para definir as declarações de Felipe Assis, porta-voz da curadoria do Festival Internacional de Artes Cênicas- FIAC-BA, sobre a seleção das peças baianas, ao dizer que a linha editorial era “questionar o lugar do espectador” e que os artistas locais sabiam como participar. Ora, senhor Felipe, acha que a classe teatral é idiota? Em que veículo público isto foi divulgado? Pergunto: quem soube de inscrições, seleção e conceito do FIAC? Só agora a curadoria se pronuncia forçada por A Tarde, em 06/10/11.
Sem referências, e em atenção ao elenco de As Velhas, procurei o FIAC, há dois meses. Lá me foi dito que a curadoria, composta também por Ricardo Libório e Nehle Franke - informação dada por Felipe Assis – veria as peças locais. Um mês depois, ele anuncia que a peça estava fora da programação, apesar dele não ter visto o espetáculo. Não sei quem foi selecionado, mas respeito os trabalhos de meus colegas. Devo dizer que as peças que dirigi nunca passaram pelo crivo do FIAC. Policarpo Quaresma foi caso à parte: era parceria do Festival com TCA. Núcleo. Critérios de seleção? Um deles, certo ano, – em teatro tudo se sabe – era checar se a peça tinha “cara de festival”. Alguém sabe o que é isso?
Ou talvez a questão não seja esta; no caso de As velhas, a curadoria deve ter achado o espetáculo sem qualidade, atores ruins ou mal dirigidos, tema sertanejo anacrônico, direção medíocre. Agora, com a declaração de Felipe, concluo que a peça As velhas - apesar de ocupar espaço de modo não convencional, aberto a olhar múltiplo - não “questiona o lugar do espectador”. Urgente se faz questionar “o lugar do curador”!
FIAC é evento internacional, mas deve trazer resultados para a Bahia. Fazer investimento deste porte só para dizer que estamos na rota do primeiro mundo seria outro deboche. Há incentivos governamentais, inclusive da SECULT. O Festival deve gerar ações que instiguem e insiram no cenário nacional a produção local, que nunca deveu nada aos espetáculos de fora selecionados pelo FIAC. Senhores curadores, mais respeito aos artistas baianos!

Luiz Marfuz é diretor teatral, jornalista, Doutor em Artes Cênicas, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e professor da Escola de Teatro-UFBA

domingo, outubro 09, 2011

Santarrita, santa paciência, sem ter companhia...


Meu pai me enchia o saco. “Você tem que falar com cicrano. Você tem que conhecer beltrano”. Muito chato. Mas era mais chato ainda ter que aguentar os meses que ele ficava “de mal” comigo. Era melhor obedecer e andar com os velhos intelectuais que ele listava numa folha de papel quase ilegível.

Fui pro Rio, numa das minhas idas ao Rio que eram voltas. O Rio é minha casa, tanto quanto a Bahia, e mesmo os amigos novos que faço por lá, ou amigos velhos que faço por intermédio (ainda) de meu pai, parecem ter origem num ponto lá atrás onde eu ainda não era alguém. E por isso me formavam em tudo.

Pois bem. Numa dessas idas ao Rio, meu pai, que saco, me legou a incumbência de falar com zilhões de amigos dele. Eu, idiota, achando tedioso cumprir essa via crucis, me deparei com uma lista (zzz) de amigos que eu devia ligar, prestigiar e (saco!) convocar a um encontro.

Incorri no erro de ligar para alguns. Dentre eles, Marcos Santarrita. Segundo meu pai, merecedor de cadeira da ABL, como ele (que os estúpidos me condenem), grande tradutor e escritor de um dos grandes romances contemporâneos (segundo meu pai), Mares do sul.

Tive uma noite de chopps com ele e Alda Porto (outra daquelas grandes e diminuídas). Uma noite especial, conversa de alto nível, daquelas que me mostra minha pequenez da forma mais deliciosa que existe. Ele me falou de uma peça sua, inédita, e me ofereceu. Disse que ia mandar pra mim e eu, com meu preconceito e petulância de artista que não dá ousadia a ficcionistas, acabei por nunca ler.

Meu projeto mais recente (sim, porque projeto não é o ganha-pão, mas um objetivo de vida) era ir ao Rio. E estava, entre minhas obrigações de prazer, tomar chopps com Alda e Marcos.

Mas, ao verificar emails, recebo a notícia de uma missa de sétimo dia. Câncer no pulmão. Santarrita durou dois anos a mais que meu pai. Morreu aos 72. Sem ninguém saber quem ele era em Aracaju ou Salvador. Homem maior, morreu lá pelo Rio, no sul maravilha, e, vida maravilhosa, foi mais um daqueles de rodas pequenas, de notícias tímidas, de repercussão modesta.

Tudo bem que ele não seja reconhecido. Tudo ótimo que ele não faça parte da Academia Brasileira de Letras, para a qual até meu cão foi indicado. Tudo perfeito que ele não saia na Veja, na Istoé, no Faustão ou na Cult ou Bravo. Tudo isso é muito pouco, é muito pequeno.

Eu quero saber é quem vai compensar meu chopp em Ipanema com ele e Alda se engalfinhando e se amando na exata proporção que cabe na arte e na poesia.

GVT.

Depoimento do ator Gideon Rosa sobre "Sargento Getúlio"


quinta-feira, setembro 22, 2011

Areia, dança e deserto na Bahia


Certa feita, encontraram com um grande intelectual e disseram a ele que um aluno estava criticando suas aulas, ou seus livros, algo do tipo. Ao que o reconhecido escritor retrucou: “a juventude é o único mal que se cura com a idade”.

Fui assistir ao Balé Jovem de Salvador-BJS, iniciativa de Matias Santiago, grande bailarino baiano com passagens marcantes por companhias como a de Jorge Silva, o Grupo Corpo, de Minas Gerais, e o Balé do TCA.

Enveredando pela carreira de coreógrafo, e acumulando não só movimentações e ideias, mas também experiência em diversos funcionamentos de companhias, Matias, percebendo uma desaceleração no mercado da dança e a escassez de possibilidades para novos bailarinos mostrarem seu talento, teve uma ideia. Lembrando de seus tempos de bailarino, onde sua passagem por coreografias e grupos da cidade foi vitrine para seu talento, Matias resolveu montar um grupo que aproveitasse bailarinos egressos de escolas de dança, talentos e promessas da arte em Salvador.

Um belo dia, ouvindo uma canção minha em parceria com Ivan Bastos, gravada por Claudia Cunha em seu primeiro CD, Matias resolveu fazer um duo para o BJS. Entusiasmado, perguntei a Matias se ele já tinha ouvido outras canções minhas. Enviei algumas canções e, tempos depois ele me liga dizendo que o novo trabalho do BJS seria Areia, um balé a partir das minhas canções.

Fui pra ensaio, vi o que ele chamou de pré-estreia, vi a coreografia incompleta, e sempre, em algum momento, me batia aquele “hum...”. Os bailarinos sem vitalidade, coreografia suja, luz pobre, várias coisas inevitáveis para uma empreitada como a de Matias, com jovens sem experiência, eram compreensíveis. Bem, deveriam ser, pois para ele não era.

Depois de uma temporada de sucesso do projeto “Conexão Xisto”, a partir de uma ideia muito boa de conectar companhias de dança da cidade, fui ao último dia ver como estava Areia. O BJS, segunda companhia a se apresentar na noite, além de Areia apresentou mais dois trabalhos curtos criados por Matias para um grupo de dança estadunidense.

No primeiro duo, vi bailarinos mais seguros, com uma potência cênica e uma vitalidade que me fizerem me ajeitar na cadeira e ficar mais atento ao que se passava, ali. Depois, O sapo, um solo antigo de Matias, começava a confirmar pra mim que a empreitada de Matias não era e não podia ser em vão. Efusivos aplausos e, então, Areia.

Vi a coreografia como nunca tinha visto. Vi os bailarinos dançarem como nunca, alguns mais verdes, iniciantes, mas o grupo, como um todo, afinado e coeso. O som, melhor equalizado, só teve problemas numa gravação ao vivo que Matias escolheu, cujos problemas técnicos na origem já não ajudavam muito. E a luz, ainda 30% do que pode ser, veio com mais impacto, marcando e pontuando melhor algumas passagens.

Voltei, inevitavelmente, às minhas reflexões que faço há tempos sobre a desconexão da arte praticada aqui com seu possível público. Denis Guénoun, num livro intitulado O teatro é necessário, aponta para o fenômeno (na França, mas adaptável a muitos cantos) onde os jovens, cada vez mais, querem fazer teatro, e cada vez menos frequentam as salas de espetáculo.

Hoje, fazendo a agradabilíssima atividade de correr na esteira, vi uma reportagem no Globo Esporte – só vi, estava sem fone – de uma bailarina baiana novinha que teve algum grande êxito em Mônaco. As academias de balé pululam na cidade. A dança é uma das atividades mais estimuladas por pais para suas filhas (os talentosos meninos sofrem o estigma babaca de se tornarem gays, o que, em muitos casos, deveria ser até motivo de orgulho para que o menino fugisse de alguns padrões héteros completamente estúpidos de nossa sociedade).

Quando vem algum grupo de fora, e podem colocar na conta os de dança contemporânea, moderna, até mesmo dança-teatro, nosso complexo de caipira entope o Teatro Castro Alves com dondocas e adolescentes que mal se equilibram no salto, com seus vestidos de gala, maquiagens e euforia.

Um trabalho como Areia, e retiro sem falsa modéstia o mérito das canções, poderia estar num programa junto com as outras duas coreografias de Matias, mais alguma carta na manga dele, ou outro grupo convidado a fazer um trabalho próprio, num teatro como o Jorge Amado, ou Sala do Coro. Numa temporada de quinta a domingo com casa cheia. O público em potencial para isso existe, mas se esconde, ignora.

Matias não tem dinheiro pra pagar seus bailarinos. Não tem dinheiro pra pagar uma pauta num teatro caro e, pior de tudo, não tem dinheiro nem pra uma assessoria de imprensa e nem para uma boa divulgação, com chamadas na TV, outdoor, mobiliário urbano, etc. O nó entre iniciativa privada, público e políticas culturais do estado e do município deixa uma arte com capacidade de profissionalismo e/ou profissionalização à míngua.

Há um paradoxo no discurso e na ação das esferas públicas, no que tange à cultura. O fato de se levar dança para a periferia, estimular seus talentos, disseminar e fomentar novos grupos pelo interior, tudo isso é válido, necessário e positivo. Mas num momento onde se fala em sustentabilidade, como fazer com que as artes consigam alguma independência do Estado? Mesmo que pontual, relativa e cíclica?

Há que se pensar o profissionalismo e a profissionalização. A conquista do público que pode querer consumir arte. Uma viabilização de recursos e meios para que grupos de dança tenham acesso aos espaços, meios e mídias que potencializem seu trabalho. Impossível se pensar nisso com apresentações esporádicas a R$5,00 no Espaço Xisto, espaço ótimo e acolhedor, mas não inserido de forma significativa no circuito comercial da cidade. Impossível se pensar em sustentabilidade com mutirões de dança onde vários grupos se juntam para se apresentar aos amigos e colegas no Centro Cultural de Plataforma e, ao final, catar algumas moedas para pagar o buzu de volta pra casa.

Essas ações são válidas, essenciais e Matias está fazendo bem a parte dele com iniciativas como a “Conexão Xisto”, o “Tabuleiro da dança”, em parceria com Jorge Silva e Anderson Rodrigo. Há o “Viva dança”, durante o mês de abril, festival do Núcleo Viladança que enche plateias – mas é pontual e, não por culpa própria, não é multiplicador –, e tantos outros têm se virado para que a dança não aposente as sapatilhas na cidade.

Mas o Balé Jovem de Salvador poderia estar lotando um grande teatro da cidade com uma temporada concorrida, com preços altos, filas na porta e apoio, cobertura e interesse da imprensa. Isso puxaria outras ações, estimularia outros grupos, abriria mercado pra dança. Essa projeção daria força a bailarinos e novos grupos poderiam se preocupar em conquistar seu espaço, ter mais atenção ao detalhes de produção e correr atrás de um esmero artístico. Sim, correr atrás, pois a qualidade do que Matias apresentou no domingo não é o que se vê em termos de técnica e inventividade coreográfica, costumeiramente: e o próprio admite que o BJS é uma tentative de instigar outros a um apuramento técnico e artístico. Entra-se a parcela de culpa dos próprios artistas ao não se ter o cuidado, esmero e técnica para apresentar ao grande público algo bem acabado, bem dançado e realizado. No final das contas, o público quer ver um trabalho bem realizado, acabado dançado e que toque ele (das várias formas que a arte pode tocar).

Numa terra onde se paga 50 pro outro não ganhar 20 e a competência é imperdoável aos olhos dos invejosos, talvez seja mais difícil ainda se conseguir ações como essa. Mas se não se tentar, se os governos não ficarem atentos, a desconexão entre arte e cidade continuará violenta, os profissionais e um projeto de profissionalização sem perspectivas e a Areia de Matias vai ser apenas deserto.

sábado, agosto 20, 2011

Inscrições para oficina de dramaturgia!

Em 2011, a Fundação Casa de Jorge Amado completa 25 anos. Para comemorar, organizou uma série de eventos e cursos, inclusive uma Oficina de Elaboração de Dramaturgia a partir de texto em prosa da obra de Jorge Amado. leia mais:

domingo, julho 31, 2011

Pausas, plateias e preconceitos

10:15hs da manhã de domingo.

Acordei às 07:30hs. Às 08:30hs estava na portaria do Teatro Castro Alves me encontrando com Marcelo Praddo para ajustarmos os detalhes finais de nossa apresentação.

Às 10:30hs Marcelo adentraria o palco principal para fazer a abertura de mais um Domingo no TCA. Esta foi a quinta vez que o Teatro NU teve a honra de participar desse projeto que populariza as artes, diversifica o domingo da TV, caranguejo e sono. Fizemos em março e abril O pedido de casamento e em maio e junho O urso.

A receptividade foi tão boa que juntamos as duas peças curtas de Anton Tchekhov e criamos o espetáculo “Dos males dos casamentos: Tchekhov em dois tempos”, com temporada de duas semanas no Theatro XVIII: temporada que pela receptividade nos fez resolver continuar a ideia do espetáculo e vamos fazer mais três apresentações no Cine Cena Unijorge. Vamos dividir pauta com outro espetáculo do Teatro NU, Sargento Getúlio, primeiro monólogo de Carlos Betão.

O projeto Teatro NU TCA surgiu de um convite de Rose Lima. Ela conhecia nossas peças curtas, que apresentamos no âmbito do projeto Teatro NU Cinema, e nos convidou para entreter a plateia enquanto não chegava a atração principal, das 11hs da manhã. As pessoas costumam chegar cedo para conseguir bons lugares e, em muitos casos, conseguir entrar, visto que o sucesso do projeto vem quase sempre enchendo e muitas vezes lotando os milequinhentos lugares desse teatro que está deixando de assustar as pessoas, trazendo a comunidade pra dentro de um espaço que é dela mais do que de ninguém.

Pois eram 10:15hs dessa manhã ensolarada de domingo e Rose Lima liga pra meu celular. Um ônibus, vindo de Candeias, tinha trazido várias crianças e pré-adolescentes para ver o filme das 11hs: Eu me lembro, de Edgar Navarro, filme que pelas fixações do cineasta era impróprio para aqueles meninos.

Rose liga e pergunta se a peça da gente conseguiria prender a atenção daqueles meninos.

Volta a fita.

Marcelo Praddo, Rose Lima, Fernanda Bezerra, nossa produtora, a torcida do Bahia, do Vitória e da Catuense desconfiavam da eficácia de Dos males do tabaco para uma gigante plateia do TCA. Depois da ótima receptividade que tivemos com as duas comédias de Tchekhov – que nos estimulou a dar continuidade e criar um espetáculo com as duas – parecia que Dos males do tabaco ia ser o primo pobre, a raspa do tacho, um enchimento de linguiça.

Voltamos às 10:15hs. Digo a Rose que esse monólogo de Tchekhov não tinha o apelo das duas comédias deliciosas dele. Digo que não era o espetáculo ideal, mesmo curto, para apresentar a meninos de, sabe-se lá (e o pior é que sabemos), que formação cultural (do mais miserável ao bilionário, as referências culturais têm sido muito limitadas e preocupantes).

Logo depois eu digo que, justamente por não ser o lugar comum, por não vender barato, por não imitar uma estética televisiva, ou uma comédia rasgada, ou um funk apelativo, seria interessante para a formação daqueles meninos passar pela curta experiência de ver um Tchekhov não tão cômico e não tão fácil.

Rose me chama ao palco às 10:25hs para falar um pouco da peça, do Teatro NU, do convite, do projeto. Uma forma de preparar aquelas crianças para quase 20 minutos de TEATRO.
Logo ao começar, lembro que tinha de estar na mesa de luz, para dar a indicação do único movimento que toda a peça teria. Fui correndo pra cabine e fiquei de lá, vendo o espetáculo.

A cada pausa de Marcelo, a cada momento menos risível do texto, meu coração vinha à mão, minha alma vinha às vistas, minha respiração quase não vinha. Mas a atenção do público, os risos inteligentes da plateia e a genialidade de Anton Tchekhov junto à maestria de Marcelo Praddo me faziam relaxar. E ver que o público pode, sim, gostar de TEATRO.

Às vésperas de mais uma estreia na minha vida – Sargento Getúlio, outro monólogo – esta manhã de domingo foi muito especial.

Respeito todo tipo de arte, até aquelas que preconceituosamente resisto à chamar de ARTE. Tenho que me recolher à minha insignificância e perceber que mundo gira à minha revelia: sou só um grão na infinitude de formas e possibilidades de um mundo que muda, que gira e se modifica pra voltar a ser o mesmo.

A despeito disso, penso que não podemos subestimar o público, nem tampouco ignorá-lo. Fazemos arte para ser vista, apreciada e, em muitos casos, como tento eu, para mexer, incomodar, provocar e bagunçar o coreto.

Não me apraz aquela arte ensimesmada, feita do artista para ele mesmo, muitas vezes uma arte hermética, sonolenta, incompreensível. “Todo artista tem de ir aonde o povo está” não é só citação de agenda. A arte tem que comunicar.

Mas também me incomoda muito quando os que vendem fácil, ou apenas buscam o sucesso – uma opção válida e que não é da minha conta – subestimam a plateia, o público, a galera.

“O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”, já diria Gilberto Gil. Preocupar-se em fazer de tal modo porque é assim que o povo gosta, pra mim, é tão inválido quanto arrotar que o povo não está preparado para “este tipo de arte”. Rotular tal espetáculo como ideal para tal bairro, tal público, tal classe social, é tão preconceituoso quanto avaliar classes sociais, cor de pele, opção sexual e política de acordo com princípios específicos.

Se você tem o que dizer e sabe como dizer, o público vai te ouvir. Acredito nisso como uma convicção. Pode ser comédia, drama, tragédia, musical ou experimental.

Ouvir o silêncio da plateia, ouvir os silêncios de Marcelo, e apreciar a poesia de Tchekhov tanto quanto a plateia de hoje foram um cartão de visita para eu ainda acreditar que a arte move, comove e promove uma revolução íntima: a maioria das vezes invisível, mas que faz valer o fato de eu ter optado por essa carreira numa terra onde, como dizia Otávio Mangabeira, se paga 50 pra você não ganhar 20.

 Espero continuar sendo coadjuvante de artistas como Anton Tchekhov, Marcelo Praddo, Ivan Bastos, Eduardo Tudella, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Betão, Fafá Menezes, Rodrigo Frota, Manuela Rodrigues, Mário Soares, Sante Scaldaferri e tantos outros que me comprovam, a cada dia, que vale a pena continuar. Agradeço a Fernanda Bezerra, a Rose Lima, Renata Hasselman, Petrus Pires, Clarissa Rebouças, e tantos outros, por sustentarem essa loucura que é ir contra a mesquinhez, a mediocridade e a inveja que corroem o belo palco deste grande teatro do mundo que é o pequeno palco dos nossos teatros.

A apresentação de hoje foi linda. E me ensinou muito. A arte continua me modificando, me acrescendo e mexendo comigo. Se algum desses sentimentos chegou a alguém da plateia, já valeu ter acordado às 07:30hs da madrugada de um domingo ensolarado e perder/ganhar os próximos dias ajeitando Sargento Getúlio para mais uma batalha contra a descrença, a desconfiança e a ignorância dos incautos e descompreendidos.


GVT.

quinta-feira, julho 21, 2011

A Copa do Mundo, a cultura da Bahia e a arte de Salvador...

Certo dia, uma amiga andava com o filho no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador. De repente, o adolescente viu uma mulher vestida de baiana, se requebrando sozinha. Num primeiro instante, ele achou que ela dançava com algum fone de ouvido. Depois, ele percebeu o motivo da dança: um gringo se aproximava.

Salvador vai ser uma das sedes da Copa do Mundo, que acontecerá no Brasil em 2014. Ano interessantíssimo na política brasileira e baiana. Já sabendo quem os soteropolitanos escolherão para seu prefeito em 2012 – não há mais chance de João Henrique fazer obra pra alegrar a massa ignara que o reelegeu –, 2014 será ano de Copa do Mundo no Brasil e eleição pra governador e presidente da república.

Lula já estará mais distante no imaginário popular. Aqui na Bahia, Jaques Wagner já terá cumprido seu segundo mandato e nenhum grande nome até agora despontou na situação e na oposição. Eleição interessantíssima. Dilma se candidata e se reelege? A direita volta a tomar o poder na Bahia na esteira de uma provável prefeitura mais pra direita que esquerda?

O recente escândalo que não quer cessar, relacionado ao Ministério dos Transportes, é um assunto que não me interessa discutir. Não da maneira como poderia, agora. Falar da impunidade, da corrupção, dos conchavos, isso tudo até a mangueira que plantei no fundo de meu quintal está cansada de discutir. A questão é: como Salvador, sendo mais província e, portanto, mais fácil de haver corrupção, impunidade e conchavos, será forjada pra 2014.

Levando em conta que apenas 30% da verba vai ser utilizada, pois provavelmente o resto fique entre superfaturamentos, molhadas de mão, comissões e subornos, qual Salvador vai chegar à Copa do Mundo e qual Salvador sairá dela?

A cidade esburacada, mal iluminada, com um sistema de transporte falido, violenta, abandonada, suja e que parece não ter gestão, é a cidade também onde a cultura é escandalosamente rechaçada. Já não sei o que fazer para pressionar a prefeitura para que tenhamos um teatro municipal, uma secretaria de cultura, orçamento digno para gestão das artes, etc.

No âmbito estadual, a cultura também é um problema. O atual secretário de cultura pegou uma pasta atolada em dívidas. Resolveu pagá-las e, por conta disso, adiou a possibilidade de implementação de uma política cultural para a Bahia. Manifestei-me publicamente a favor da alternativa da demanda espontânea este ano, mas na esteira disso há um problema grave. O secretário terá apenas dois anos para realizar algo de interessante, visto que 2014, para além da Copa, traz todo esse quadro político e a guerra do caixa dois, da verba pra área de comunicação, o contingenciamento do orçamento, tudo isso vai emperrar algo de efetivo para a cultura da cidade, a não ser que...

A não ser que se pense um PAC, um Plano de Aceleração da Cultura, para os próximos anos da cidade. Já devíamos estar pensando qual Salvador queremos mostrar pro mundo, que alternativas, que urbanização queremos revelar neste evento que é um holofote fantástico e que pode dar uma guinada sensacional no turismo, na cultura e no comércio local. Ou não.

A palhaçada vergonhosa do nosso metrô serve de exemplo. Não levo a menor fé de que haverá menos corrupção, menos superfaturamento, desvio, propina nas verbas da Copa. Um pequeno grupo, aqui, vai se locupletar e ficar ainda mais rico, vai construir várias coisas em benefício de poucos, vai descaradamente anunciar melhorias que renderão votos, admiração e aplausos.

Mas e a nossa cultura? O atual secretário diz que quer incentivar o teatro profissional. Atualmente, temos duas orquestras sinfônicas, a da Bahia e a YOBA, ligada ao projeto NEOJIBÁ. As artes plásticas andam abafadas, mas conheço vários artistas plásticos que rodam o mundo. Salvador tem toda capacidade de se tornar um balneário cultural. Um local onde passado e presente dialogam, onde arte e diversão sejam chamarizes importantes, podemos dar saltos arquitetônicos nas propostas de obras futuras – temos gente qualificada pra isso. A reforma do TCA, pra mim mais urgente que a da Fonte Nova, se bem gerida pode mudar a perspectiva das artes em Salvador.

Urge que o governo estadual pense um plano para a cultura e para as artes que possa fazer crescer, em três anos, o potencial profissional, técnico e de relação com a população local, como um atrativo que os soteropolitanos curtam. A arte, na maioria das vezes, fica fechada em guetos e nossa música, tão rica, nossas artes cênicas, audiovisuais, ficam à margem da sociedade.  O governo pode ajudar nessa ponta.

Do prefeito atual não espero nem que tape os buracos que estão estragando meu carro, e se tapar, vai ser malfeito, para alguém ser convocado de novo e encher o bolso com seguidos recapeamentos de péssima qualidade. Mas urge que o próximo repense o papel de uma prefeitura, tão ou mais atuante que o governo estadual em outras capitais, nas artes e na cultura local. E isso precisa ser uma demanda do cidadão de Salvador. É preciso pressão, interesse, que esse assunto tome as folhas de jornal.

Que Salvador mostraremos a quem vem de fora? Uma cidade conectada com o futuro, mas que sempre valoriza seu passado? Uma cidade que não tenha ilhas de excelência que possam enganar o estrangeiro, mas que funcione como um organismo pulsante de produção, recepção e distribuição de qualidade? Uma cidade que possa encantar e trazer turistas, movimentar a economia? Um lugar onde comece a ter um turismo cultural, gente que venha de fora para ver nossas produções artísticas de qualidade, nossos eventos, festivais, espaços culturais e museus?

Ou insistiremos na imagem preconceituosa, opressora, preguiçosa e que, em seu folclore, ajuda a manter alguns poucos que se valem da nossa imagem estereotipada, e que é a imagem de uma negra vestida de baiana se requebrando sem música para o turista?

“Nessa terra a dor é grande
A ambição pequena
Carnaval e futebol...”