No outro dia de manhã, após um belo café típico da região, um passeio guiado, numa van oficializada pela secretaria de turismo, te leva às cachoeiras próximas, para tirar fotografias, tomar um banho gelado ou simplesmente contemplar a natureza. No retorno, outra maniçoba, ou um prato típico, ou algo leve pra não derrubar o estômago te prepara para atravessar a restaurada ponte de ferro do trem, indo a São Félix, cidade geminada a Cachoeira. Lá, você visita a Fazenda Santa Bárbara, local onde Hansen Bahia viveu, vê mais obras, belíssimas, adquire uma xilogravura sua, compra uma camisa, compra um excelente catálogo com suas obras, sua vida. Visita a biblioteca municipal, vê um espaço reservado ao acervo histórico, e depois a casa de cultura, onde uma exposição permanente ajuda você ainda mais a conhecer a história da região.
Na volta, um samba de roda típico te espera, daqueles não para turistas, mas manifestação incentivada e parte das diversões de duas cidades ricas em atrações. Você termina seu final de semana pegando suas coisas na pousada, fazendo o caminho inverso de trem, e vendo um final de tarde belíssimo na mata, entre gorjeios de pássaros e sons da natureza. Chega em Salvador voltando de uma pequena viagem de riqueza cultural e artística sem igual.
Desculpem o tamanho da aventura, mas da forma como coloquei, fica claro que 90% do que disse, da forma como foi apresentada, é fantasia. Mas uma fantasia realizável, muita próxima de ser possível.
Estive em Cachoeira pra curtir uma noite de São João, e mais uma vez confirmei seu potencial turístico e cultural. Uma cidade próxima, com atributos muito sedutores para turistas e gringos. Que vão à cidade, muitos deles, mesmo sem tudo isso que falei.
Há um ranço na Bahia que me incomoda profundamente. Negamos nossas possibilidades, não entramos na trilha do desenvolvimento e ficamos pra trás em termos de modernidade, diálogo com o futuro, preservação e valorização de nossos bens. Por mais contraditório que isso seja, tudo está interligado. As cidades mais modernas do mundo dialogam com seu passado e fazem desse diálogo a mola mestra pra alimentar seu turismo, sua economia, sua cultura e – consequentemente – o bem-estar de sua população.
Há uma preocupação aparente em valorizar o interior, vinda do atual governo estadual. Cheguei a ficar temporariamente excitado ao ver serem instalados aparelhos de ar-condicionado no convento de Cachoeira, onde está exposta temporariamente parte da obra de Hansen Bahia. Imaginei que estava sendo criado um museu climatizado, pra conservar a obra e deixar o museu mais agradável, pensei que o governo estava investindo na possibilidade de transformar Cachoeira numa referência turística e cultural pra Bahia. Ledo engano. O ar-condicionado será temporário, apenas pra refrescar o governador e sua comitiva, na fundamental e importantíssima (não sei pra quem) transferência do governo baiano como gesto simbólico, no dia 25 de junho. Sai o governo, sai o ar-condicionado. E isso é mais simbólico do que se imagina.
Vivemos de governos para quem a metáfora acima serve muito bem. Eles chegam, fazem estardalhaço, dizem que vão mudar, melhorar, revolucionar, e depois saem levando seus ares de empáfia, demagogia e oportunismo.
Cachoeira poderia ter um teatro, sim. Com bons espetáculos, sim, como falei acima. A estupidez dos gestores da cultura, que incentivam o tosco, o naïve, um amadorismo que nada tem a ver com o amador, impede que coisas boas sejam realizadas, incentivadas. Tem-se que se ter um processo de cima pra baixo, sim. Contaminar positivamente certos pólos para um desenvolvimento cultural. Esse negócio de deixar a cultura local intacta, com suas tradições, é bobagem. Chega ao paroxismo do samba de roda de assisti, de Cachoeira, com um bando de gente desafinada, os instrumentos atravessados, uma coisa horrorosa. Por que essas pessoas não podem estudar, aprimorar sua arte? Tem-se que ter sempre o tosco, o malfeito, como exemplo de que a Bahia será eternamente o estado primitivo, genuíno, ingênuo e exótico?
Cachoeira possui um conjunto arquitetônico que faz muitos cineastas irem lá filmar o “Pelourinho”. Possui a obra e a memória de Hansen Bahia, artista fenomenal que só pude conhecer melhor nessa viagem que fiz agora. Possui uma estrada de ferro que, no Brasil, só não é pior do que a inteligência, não funciona, não tem ligações, talvez sejamos um dos poucos países do mundo querendo ser desenvolvidos e sem uma estrada de ferro decente, que interligue o país, que estimule um melhor escoamento de produtos, que permita uma melhor ligação entre cidades incentivando a economia, o turismo, a cultura das diferentes regiões dos estados e do país.
Cachoeira poderia ser um exemplo para esse governo, para esse país, de um turismo cultural que tirasse os soteropolitanos dos xópins centers, único programa dos soteropolitanos de classe média e cultura curta. Poderia ser uma referência e uma alternativa barata para um final de semana diferente para as famílias daqui e do resto do Brasil, do resto do mundo. As cidades que mais recebem turistas e vivem quase que somente disso, têm na valorização de seu patrimônio e no incentivo de sua arte seus grandes chamarizes.
Em Cachoeira e São Félix, cidades onde podemos ver Hansen Bahia, é onde podemos ver bem representado também esse “Ranço Bahia”, que atravanca nosso progresso, nossa cultura, dá as costas à modernidade, ao futuro, ao desenvolvimento sustentável que tanto os governos de esquerda gostam de falar.
Uma lástima.GVT.