terça-feira, junho 30, 2009

O RANÇO BAHIA (texto originalmente publicado na coluna Teatro & Cidade do site www.noticiacapital.com.br)

Você pega um trem em Salvador no sábado de manhã, bem cedo. Passeia por uma vista que mistura mata atlântica virgem com canaviais. Vê rios, morros, animais silvestres. Chega em pouco tempo na cidade de Cachoeira, patrimônio histórico, e faz um passeio pela cidade, deixando seus apetrechos numa pousada local. Vê a igreja da matriz, onde há um mosaico importante, visita o Convento do Carmo, onde existe um Bom Jesus dos Passos expressivo, uma bela capela folhada a ouro. Em seguida, ao lado do convento, você conhece o Paço Municipal, onde, dia 25 de junho de 1822, estabeleceu-se o Governo Provisório da Bahia, e de onde os insurgentes sairiam para expulsar os portugueses de Salvador e, no dia 2 de julho de 1823, finalmente tornar o Brasil independente de Portugal. Lá, uma bela exposição, contemplando a história de forma moderna e com documentos e imagens conservados, faz você viajar pela história do país e conhecer figuras históricas da cidade e do Brasil, como Maria Quitéria e Ana Néri. Já avançando pela tarde, você resolve provar um prato típico, a maniçoba, e vai descansar na pousada. Depois da sesta, visita o museu Hansen Bahia, onde há uma obra-prima em doze pinturas a óleo, a Via crucis, estilizada com experiências próprias do pintor relacionadas à segunda guerra e à cultura alternativa. Chega a noite, e após um lanche, uma festa de candomblé bem típica da região, diferente da maioria que acontece em Salvador, te espera. Algum candomblé da nação gêge toca seus tambores de forma diferente e você entra em contato com a forte cultura da região. Alternativas não faltam. Algum espaço especializado em reggae, ritmo forte da região, ou alguma apresentação da Filarmônica Minerva no coreto da praça, ou algum espetáculo teatral realizado pela companhia local, algo experimental, ou um Ibsen, ou um Claudio Simões bem-feito te espera.

No outro dia de manhã, após um belo café típico da região, um passeio guiado, numa van oficializada pela secretaria de turismo, te leva às cachoeiras próximas, para tirar fotografias, tomar um banho gelado ou simplesmente contemplar a natureza. No retorno, outra maniçoba, ou um prato típico, ou algo leve pra não derrubar o estômago te prepara para atravessar a restaurada ponte de ferro do trem, indo a São Félix, cidade geminada a Cachoeira. Lá, você visita a Fazenda Santa Bárbara, local onde Hansen Bahia viveu, vê mais obras, belíssimas, adquire uma xilogravura sua, compra uma camisa, compra um excelente catálogo com suas obras, sua vida. Visita a biblioteca municipal, vê um espaço reservado ao acervo histórico, e depois a casa de cultura, onde uma exposição permanente ajuda você ainda mais a conhecer a história da região.
Na volta, um samba de roda típico te espera, daqueles não para turistas, mas manifestação incentivada e parte das diversões de duas cidades ricas em atrações. Você termina seu final de semana pegando suas coisas na pousada, fazendo o caminho inverso de trem, e vendo um final de tarde belíssimo na mata, entre gorjeios de pássaros e sons da natureza. Chega em Salvador voltando de uma pequena viagem de riqueza cultural e artística sem igual.

Desculpem o tamanho da aventura, mas da forma como coloquei, fica claro que 90% do que disse, da forma como foi apresentada, é fantasia. Mas uma fantasia realizável, muita próxima de ser possível.

Estive em Cachoeira pra curtir uma noite de São João, e mais uma vez confirmei seu potencial turístico e cultural. Uma cidade próxima, com atributos muito sedutores para turistas e gringos. Que vão à cidade, muitos deles, mesmo sem tudo isso que falei.

Há um ranço na Bahia que me incomoda profundamente. Negamos nossas possibilidades, não entramos na trilha do desenvolvimento e ficamos pra trás em termos de modernidade, diálogo com o futuro, preservação e valorização de nossos bens. Por mais contraditório que isso seja, tudo está interligado. As cidades mais modernas do mundo dialogam com seu passado e fazem desse diálogo a mola mestra pra alimentar seu turismo, sua economia, sua cultura e – consequentemente – o bem-estar de sua população.

Há uma preocupação aparente em valorizar o interior, vinda do atual governo estadual. Cheguei a ficar temporariamente excitado ao ver serem instalados aparelhos de ar-condicionado no convento de Cachoeira, onde está exposta temporariamente parte da obra de Hansen Bahia. Imaginei que estava sendo criado um museu climatizado, pra conservar a obra e deixar o museu mais agradável, pensei que o governo estava investindo na possibilidade de transformar Cachoeira numa referência turística e cultural pra Bahia. Ledo engano. O ar-condicionado será temporário, apenas pra refrescar o governador e sua comitiva, na fundamental e importantíssima (não sei pra quem) transferência do governo baiano como gesto simbólico, no dia 25 de junho. Sai o governo, sai o ar-condicionado. E isso é mais simbólico do que se imagina.

Vivemos de governos para quem a metáfora acima serve muito bem. Eles chegam, fazem estardalhaço, dizem que vão mudar, melhorar, revolucionar, e depois saem levando seus ares de empáfia, demagogia e oportunismo.

Cachoeira poderia ter um teatro, sim. Com bons espetáculos, sim, como falei acima. A estupidez dos gestores da cultura, que incentivam o tosco, o naïve, um amadorismo que nada tem a ver com o amador, impede que coisas boas sejam realizadas, incentivadas. Tem-se que se ter um processo de cima pra baixo, sim. Contaminar positivamente certos pólos para um desenvolvimento cultural. Esse negócio de deixar a cultura local intacta, com suas tradições, é bobagem. Chega ao paroxismo do samba de roda de assisti, de Cachoeira, com um bando de gente desafinada, os instrumentos atravessados, uma coisa horrorosa. Por que essas pessoas não podem estudar, aprimorar sua arte? Tem-se que ter sempre o tosco, o malfeito, como exemplo de que a Bahia será eternamente o estado primitivo, genuíno, ingênuo e exótico?

Cachoeira possui um conjunto arquitetônico que faz muitos cineastas irem lá filmar o “Pelourinho”. Possui a obra e a memória de Hansen Bahia, artista fenomenal que só pude conhecer melhor nessa viagem que fiz agora. Possui uma estrada de ferro que, no Brasil, só não é pior do que a inteligência, não funciona, não tem ligações, talvez sejamos um dos poucos países do mundo querendo ser desenvolvidos e sem uma estrada de ferro decente, que interligue o país, que estimule um melhor escoamento de produtos, que permita uma melhor ligação entre cidades incentivando a economia, o turismo, a cultura das diferentes regiões dos estados e do país.

Cachoeira poderia ser um exemplo para esse governo, para esse país, de um turismo cultural que tirasse os soteropolitanos dos xópins centers, único programa dos soteropolitanos de classe média e cultura curta. Poderia ser uma referência e uma alternativa barata para um final de semana diferente para as famílias daqui e do resto do Brasil, do resto do mundo. As cidades que mais recebem turistas e vivem quase que somente disso, têm na valorização de seu patrimônio e no incentivo de sua arte seus grandes chamarizes.

Em Cachoeira e São Félix, cidades onde podemos ver Hansen Bahia, é onde podemos ver bem representado também esse “Ranço Bahia”, que atravanca nosso progresso, nossa cultura, dá as costas à modernidade, ao futuro, ao desenvolvimento sustentável que tanto os governos de esquerda gostam de falar.

Uma lástima.



GVT.

quarta-feira, junho 24, 2009

Conversa Nua II

No país onde a educação e a cultura são produtos de luxo, que faltam nas prateleiras dos mercados, o teatro NU comemora e reflete sobre seus 3 anos conversando com o professor de redação, e formador de opinião, Israel Mendonça.

Formado em Letras pela Universidade Federal da Bahia, Israel ensina a alunos do ensino médio e pré-vestibulandos, preparando-os para o ingresso na Universidade. Nessa conversa ele fala sobre o que observa do teatro na Bahia, o trabalho do Teatro NU e a função da arte na formação de seus alunos.

Confira!

terça-feira, junho 09, 2009

Há exatos 3 anos...


Há exatos 3 anos, dia 10/06/06, Jussilene publicava uma matéria sobre os 50 anos da Escola de Teatro no recém-criado teatronu.blogspot.com. (Matérias um, dois e três) Já em 2006 montávamos Os Amantes II. E depois veio o ciclo Memória do Teatro na Bahia, o ano zero do Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, Os Javalis, Teatro NU Cinema; mostra Tchekhov, e centenas de postagens, discussões no blog.

É muito difícil dar continuidade a um trabalho de pesquisa, coerente, fundamentado, profissional. A classe teatral dá as costas, a imprensa dá as costas, temos pouco espaço para divulgação e vamos nos esforçando pra legitimar um trabalho na cidade de forma quase quixotesca. Cansa. As portas que se fecham a todo momento, o boicote velado - mas tão explícito -, tudo nos empurra a parar, desistir.

Acho que é por isso mesmo que continuamos. Quando tudo conspira contra, nos lembramos da burrice da maioria, da ditadura de mediocridade, da conivência dos covardes e percebemos que não podemos parar, pois é mais um foco de resistência que cai. E Salvador está correndo o sério risco de ter sua inteligência sepultada.

Somos um grupo cheio de projetos, não queremos parar, mas dificilmente conseguimos apoios para trabalhar; mesmo de graça, contrariando nosso foco profissional. Abriríamos na mesa de qualquer um ao menos uns 5 ou 6 projetos pensados e estruturados. Se já é quase impossível fazer um teatro profisionalmente estruturado, está difícil até mesmo fazer amadoristicamente. Pautas caras, instituições alegando pobreza, governos contrários a qualquer apoio direto...

Talvez o Teatro NU morra, fuzilado, ignorado, boicotado. Mas vamos morrer de pé. É melhor morrer de pé do que viver de joelhos, já dizia uma revolucionária. Ao menos 3 anos conseguimos sobreviver. Meu sonho é chegar aos 30. Sabe-se lá se chegaremos aos 4...

O que nos alivia é que temos a primeira edição do Diálogos sobre dramaturgia contemporânea e a viagem pelo interior de Os Javalis esperando sair a verba do governo estadual. Temos uma empresa que vai apoiar a volta de Os Javalis em Salvador. E outra que parece estar interessada em Animais noturnos, projeto que já tomou porrada em todos os editais possíveis.

Ionesco escrevia, certa época, para uma revista chamada NU. Em romeno quer dizer não.

Mas, por mais absurdo que possa parecer, nós ainda queremos fazer teatro, SIM.

domingo, junho 07, 2009

Teatro NU faz 3 anos!!!


No mês em que o Teatro NU faz 3 anos, estaremos selecionando alguns textos de leitores do blog, artistas e espectadores de nossas peças e eventos. Envie seu texto para gvtavares@teatronu.com com impressões sobre o Teatro NU, o blog, os artistas do grupo, os projetos, sugestões, provocações, desejos...

O espaço agora é de vocês!