terça-feira, abril 24, 2007

Robert Hughes, famoso crítico de arte, falando sobre Duchamp...

"A influência de Duchamp* sobre a arte contemporânea foi liberadora, mas também catastrófica. (...) Porque ser o pai dessa bobagem chamada arte conceitual não é uma distinção de que se orgulhar. Para compreender o tamanho do estrago, basta dizer que sem ele hoje não haveria as chamadas instalações, aquelas obras tolas em que o espectador é convidado a passar por túneis e outros recursos infantis. Ou precisa ler uma bula para entender o que o artista quer dizer."

In: Revista Veja, edição 2005 - ano 40 - nº16, p.11, 14 e 15.

*Pra quem não sabe, ou não lembra, Marcel Duchamp foi um artista do século XX que colocou um urinol exposto numa galeria e o intitulou "A fonte". Iniciativa que provocou um intenso debate posterior sobre o que é arte, artista e obra.

segunda-feira, abril 23, 2007

O politicamente correto

Sempre entendi o teatro – a arte, em geral – como uma manifestação de discussão da realidade. Uma expressão de embate, de crítica contra a sociedade.
Através da negação, do questionamento, o teatro – para mim – era uma tribuna onde se instalava um problema. Se a sociedade era azul, perguntava-se: por que azul? Por que não vermelha? Se a sociedade caminhasse para a direita, perguntava-se: por que não para a esquerda, por que para a direita e não apenas ficar parada?
Através de metáforas, metonímias, hipérboles, alegorias e tantos outros recursos estilísticos, o teatro funcionaria então, como um local aonde o espectador iria para procurar se entender, se questionar, e até quem sabe, num laivo de romantismo extremo, se transformar.
Por outro lado, sempre coexistiu o teatro como primeira prostituta artística do sistema. De Péricles a Hitler, o teatro foi também o local da idéia oficial a ser divulgada, numa “goebbelsiana” tática de coerção.
Entrementes, o teatro que me chegou – fosse através de meus mestres na Escola de Teatro –, fosse através de profissionais e amadores do teatro, foi sempre o teatro não-oficial, esse teatro que – através do incômodo – tinha o intuito de se diferenciar do corriqueiro, do comum, do demasiado humano e real.
Atualmente, a bola da vez é o social. Discutir o social e vincular seu projeto a uma iniciativa social é a pedra de toque para patrocínios, prêmios, estímulos e aplausos entusiasmados. Tudo dentro de uma perspectiva politicamente correta e paternalista.
Ao invés de questionar, o teatro se tornou um espaço de denúncia, tentou virar um mero repetidor de jornais, revistas, estatísticas e fatos. Não somente isso como a questão da inclusão social veio a “agregar valor” – como dizem todos os que querem se manter nas expressões da moda – e transformar o palco num imenso centro de assistência social (falarei mais a respeito disso no próximo artigo, sobre paternalismo).
A inclusão e a discussão são necessárias. Acho que a arte transforma. Mas confunde-se o profissional e o social, o artístico e o meramente político, ideológico.
A arte presa a uma ideologia, é como bem diz Ionesco, natimorta. A arte existe, justamente, para – através da relativização – ser um espaço de reflexão. Qualquer periódico me dará mais informações do que um espetáculo. Mas parece que a classe média, no fundo com sentimento de culpa ou de revolta, se compraz com a manifestação de pessoas no palco denunciando a violência, o preconceito, a desigualdade, o abandono, a miséria. Seremos órgãos informativos e demonstrativos, agora? Reproduzir no palco a chacina da TV adianta em quê? Denunciar a violência do Rio de Janeiro modifica em quê o cidadão? Ele já não sabe daquilo tudo? Já não se questiona sobre isso? Não precisaria, ele, de uma outra provocação? Recentemente, li de um filósofo contemporâneo, que não me recordo o nome, que a única alternativa para a arte, hoje em dia, seria ela ser politicamente incorreta.
Talvez este teatro “social” sirva apenas de regozijo para que o espectador se sinta em um ambiente onde pessoas pensam como ele, se incomodam como ele. E daí? Se é pra chover no molhado, que leiamos notícias no palco, reproduzamos imagens de TV. A dramaturgia servirá apenas de moralizadora, de catalisadora de tragédias e denúncias? E a subjetivação da arte? E a relativização? O social tomou conta do artístico, pois mais uma vez estamos numa realidade que o teatro entrou, no século XVIII, quando precisou agradar à burguesia em ascensão. O teatro, agora, deve se contentar em deixar o espectador satisfeito por ter visto no palco o que ele leu na revista, no jornal, na discussão de sábado num bar da moda, onde todos se sentem profundos entendedores de qualquer assunto mundial por terem lido notícias de duas páginas. É a rebelião das massas, como bem diz Ortega y Gasset*.

GVT.

*Conferir trechos, mais abaixo, no blog.

sábado, abril 14, 2007

Crítica da razão teatral

Inspirado pela expressão cunhada pela minha parceira, no texto abaixo, resolvi estender a discussão para uma questão mais ampla. Na verdade, o que falta é um diálogo da própria classe teatral com ela mesma.
Não passam dos dedos das mãos as pessoas que me parecem capazes de criticar ou analisar um espetáculo, uma peça, um texto, uma atuação, aqui em Salvador. Mas estas poucas pessoas calam-se diante de um debate que só tem a acrescentar aos poucos que pretendem se enraizar numa tradição que morre mais a cada dia. A tradição teatral que durante séculos fez da atuação, do drama, da direção e da concepção estética de um espetáculo, componentes inseridos em técnicas, discussões, éticas e estruturas.
Destaco este teatro em detrimento daquele que se diz intuitivo, visceral, espontâneo, que tanto pode ter como resultado uma curiosa obra do acaso ou um equívoco, sem traços vinculados a uma corrente que pôde muito bem açambarcar de Beckett a Brecht, de Büchner a Shaw.
É uma pena que as queixas, os comentários e as críticas sejam feitos pelos corredores, pelos botecos, pelas coxias. Existem pessoas gabaritadas para pôr em questão o fazer teatral soteropolitano, mas preferem ficar caladas, na fofoca e no desabafo.
Talvez o medo de causar antipatia, já que em Salvador se você não gosta de uma peça, você praticamente está xingando a mãe de toda a equipe envolvida. Não se tem um distanciamento necessário entre o pessoal e o profissional. E acaba-se por não se compreender críticas construtivas que podem redimensionar o palco de Salvador, numa visão mais ampla, clara e positiva.
Existe espaço. Hoje em dia, qualquer um cria um blog, manda pela internet um comentário para um jornal ou um email coletivo, existem publicações da UFBA, enfim, o que falta é a vontade de alguns de autenticar, desmistificar ou polemizar o fazer teatral.
Cadê os professores? Cadê os profissionais capazes? Será que não há ninguém disposto a debater, criticar?
É uma pena que os meios de legitimização do teatro, na cidade, fiquem nas mãos de incautos e vazios “formadores de opinião”. Deixa-se pra lá a questão que é primordial para que a arte sobreviva; sua legitimização através da crítica, da discussão, advindas de pessoas gabaritadas e preparadas.
Quantas vezes não ouvi uma excelente crítica de um espetáculo ou de um texto, feita por alguém estudado e preparado para ter uma visão mais ampla, rica e consistente da obra teatral? Por que então estas pessoas não se disponibilizam a escrever sobre isso? Artigos sobre o Theatre du Soleil, Peter Brook e Zé Celso são importantes credenciais para um postulante a teórico; tudo bem. Mas teorizar sobre o que está fora, justamente numa arte de alcance reduzido como o teatro, me parece, às vezes, um mero massageador de egos e uma vitrine para exposição de saberes.
É o que uma publicação recente chamou de “o silêncio dos intelectuais”.
Está lançada a provocação.

* * *

A respeito da crítica, em si, seja ela com qualquer finalidade, tem me saltado aos olhos certas características que transformam o ato de criticar em um equívoco estético contínuo. Nos próximos artigos falarei de algumas das características que contaminam a análise de um espetáculo, a saber:


O pensamento politicamente correto;
O paternalismo;
O etnocentrismo;
O caipirismo;
E a falta de um conhecimento satisfatório do fazer teatral.