domingo, outubro 31, 2010

Meu pai subiu no telhado


Meu pai subiu no telhado. Sim, isso é uma paródia da famosa piada de português, povo que ele amava e que publicou seu último livro em vida. E parodio a piada porque a coisa que meu pai mais gostava no mundo era fazer piada e sei que ele riria muito (deve estar rindo, talvez) de um artigo sobre seu falecimento iniciado assim.

Meu pai subiu num telhado, mas num telhado bem alto de um palácio, de um zigurate, de uma sinagoga, de um barracão. Ele subiu em todos esses telhados e tantos outros da vasta cultura de um homem especial, talvez o único próximo a mim cujo título de gênio coubesse como a nenhum outro.

Ildásio Tavares nunca esteve nos holofotes como alguns de sua geração. Mas iluminou a cultura brasileira. Se eu fosse desfilar o currículo de meu pai, precisaria escrever uns dez artigos. Livros, jornais, revistas, TV e google dão conta do recado. Entrementes, falar um pouco do quanto meu pai iluminou minha vida talvez seja uma metonímia do homem que ele tentou ser e em muitos momentos foi pro mundo.

Desde pequeno, bastava eu aparecer entusiasmado com alguma música, algum escritor, que ele logo me mostrava os defeitos. Foi um crítico feroz de todas as obras, a começar pela minha e, principalmente, pela dele. Como todo grande intelectual, via os defeitos e rachaduras, as falhas e fraquezas que o senso comum aplaudia e ignorava. E sofreu muito por isso. A grandeza oprime e a verdade dói. E era um grande que defendia verdades. Nem sempre as verdades, mas as suas verdades, e era muito íntegro com elas.

Dificilmente temos o que merecemos. Muitos são louvados em demasia, outros sofrem pela escassez de reconhecimento. Mas meu pai foi um lutador e um vencedor porque, a despeito da mediocridade opressora que tentava lhe anular, ele conseguiu galgar degraus que, se não o levaram ao merecido altar de gênio que era, ao menos lhe trouxeram momentos de alegria, como ao desfilar homenageado pela Nenê da Vila Matilde, em São Paulo, ou na comemoração de seus 70 anos, com momentos lindos como o de Gerônimo e Vevé cantando É d’Oxum em francês, na versão dele, ou o belo discurso de Jorge Portugal na entrega da Medalha Zumbi dos Palmares, etc, etc...

Tive o prazer de cochilar a manhã inteira no colégio depois de virar a noite vendo meu pai compor com Baden Powell. Tive a honra de, já exaurido, ter um poema em redondilha todo refeito ao lado dele quando eu tinha 7 anos de idade. Aprendi a fazer poesia, a reconhecer a beleza de muita coisa no mundo graças a meu pai. E o que levamos da vida é a beleza das coisas, a poesia dos momentos, das palavras, das cores e melodias.

Meu pai subiu num telhado, mas diferentemente da piada, ele não morreu. Ele está ali, em cima do telhado, olhando pra mim e pro mundo com olhos críticos. Eu sei que ele está lá olhando e pensando o quanto o mundo perdeu ao não reconhecer sua poesia e seu pensamento, e, nós poucos, de cá, pensando o quanto parte do mundo e eu ganhamos ao reconhecer sua poesia e seu pensamento.

Alguns poucos olharão pro telhado, em busca de meu pai. Ele vai estar lá, como todo mestre. Pois um mestre só se torna mestre mesmo quando o que ele pode oferecer deixa de ser ele e passa a ser a gente. E meu pai está mais em mim do que em qualquer outro momento esteve.

Agora é o momento de começar a aprender quem eu sou. Aos poucos, por toda vida. Tentando buscar em mim a poesia e sabedoria do pai e do mestre. A tristeza aparece no momento em que não olhamos as coisas belas.

E não tem nada mais lindo, agora, do que ver meu pai de cima do telhado, olhando pra mim e torcendo pra eu seja um grande homem. Para que eu não deixe que a pobreza do mundo invada nossa alma.

Foi isso que ele me ensinou. E será isso que eu tentarei fazer minha vida inteira, porque agora a responsabilidade aumentou; meu pai subiu no telhado e estará de lá, olhando pra mim, e dizendo; “agora é com você. Já fiz minha parte e fiz muito bem”.

quinta-feira, outubro 28, 2010

Dilma, Serra, e a traição de Beethoven


Assisti ao debate entre Dilma Rousseff e José Serra na Record, no mesmo dia em que resolvi reouvir a sétima sinfonia de Beethoven, em lá maior, opus 92, que há tempos não ouvia.

A sétima sinfonia de Beethoven é considerada, por muitos, a melhor sinfonia do compositor alemão. Para alguns, como Otto Maria Carpeaux, a melhor sinfonia já escrita.

Pouco conhecida do público comum, acostumado à grandiosidade da nona, o tchan tchan tchan tchan da quinta e, para os mais chegados, a terceira, Eróica – com sua marcha fúnebre – e a sexta, Pastoral, precursora da música programática, a sinfonia em lá maior, opus 92, tem particularidades provocantes que me levam sempre a refletir sobre arte, criação e recepção (não falo aqui de Teoria da Recepção, sobra a qual sei quase nada).

No primeiro movimento, Beethoven trai o ouvinte. Ele começa com uma ideia de melodia, com uma construção harmônica e rítmica que vai nos conduzindo a uma atmosfera. De repente, ele pisa no freio e muda a direção da sinfonia. Há uma sensação, contudo, não de estranheza, mas de surpresa, deleite com a rasteira que levamos. Beethoven é tão vagabundo que abre a possibilidade de compor uma grande sinfonia, mas deixa pra trás e compõe outra coisa.

O segundo movimento trás outra rasteira. Mas essa é para os músicos, regente e quem se interesse em saber o andamento escolhido por Beethoven. A estrutura das sinfonias, até aquele momento, era um movimento rápido, um lento, uma dança (pra acordar o povo) e um final rápido, grandioso. Quando lemos o programa da sinfonia percebemos que o compositor alemão abdicou do movimento lento, compondo um alegretto.

Ora, o próprio nome em si nos traz uma ideia de algo leve, singelo, mas por trás desse alegretto se encontra um dos movimentos sinfônicos mais pesados, tristes, fúnebres e melancólicos da música ocidental. Outra traição, outra rasteira e mais um encanto.

No presto, que vem logo em seguida, uma cadência ritmada é interrompida, na versão de Karajan, ao menos, por um momento de suspensão, como se a orquestra respirasse numa dança lenta, uma valsa de fim de noite. Mas o ritmo é retomado e esse jogo lento rápido dá um volume a esse movimento que, noutras versões que conheço, não é tão evidente. Os regentes parecem obedecer à indicação de que seja presto, rápido, e ignoram o que Karajan, controverso e nem sempre elogiado pelos críticos em suas versões, parece ter percebido. Há certos elementos na obra de arte que estão além da compreensão do criador, ou além da leitura simples e objetiva.

O allegro con brio surge como quarto movimento e é inevitável, pra mim, perceber o quanto de frevo há nesse movimento final. Sim, frevo. A dança frenética do movimento final – sim, ele deixou a dança pro final – poderia muito bem ser acompanhada por uma caixa ritmando um frevo, ou um galope.

Já achei um alujá pra Xangô num quarteto. A última sonata do compositor alemão, a opus 111, tem um movimento que é jazz puro. Se não for tocado assim, soa estranho aos nossos ouvidos. Nas Variações Diabelli, uma das variações chega a uma complexidade harmônica, desconstruindo a boba valsa do editor, que soa contemporânea e eterna. Podemos citar a melodia infinita do quarteto n.14, dele, e tantas outras revoluções, traições, rasteiras e ideias precursoras na obra de Beethoven. E tudo surpreende. Encanta. Eleva. E se renova. Traídos pelo desejo, pelo intelecto e/ou pelo óbvio, Beethoven nos mostra o quanto uma obra pode ter a grandeza do mundo todo nela.

Assisti ao debate da TV Record entre os presidenciáveis Dilma Rousseff e José Serra. Não consegui suportar ver até o final a sucessão de ofensas, acusações e despreparos. Pude ver ali a traição, a rasteira, a surpresa.

E saí de lá com uma imensa vontade, às vésperas da eleição, de falar da traição, rasteira e surpresa na sétima sinfonia de Beethoven.

sexta-feira, outubro 22, 2010

Sobre dizer Amém - Bilhete aberto à Jean Wyllys


Jean, meu amigo, li seu último texto no blog (http://jeanwyllys5005.com.br/2%C2%BA-turno-das-eleicoes-presidenciais) e vi como está sendo árdua a batalha... Cito aqui um trecho pois faço minhas as palavras:

“Reduzir o debate eleitoral a questões que jogam com a ignorância, as paixões e os preconceitos da maioria do eleitorado, buscando uma polarização odiosa entre quem é a favor ou contra o aborto e o “casamento” gay, é buscar a vitória através do eclipse da razão. Essa escuridão foi lançada sobre a campanha eleitoral pelo candidato José Serra que buscou, a todo custo, “demonizar” essas bandeiras historicamente defendidas pelos que lutam por uma sociedade verdadeiramente democrática, libertária e igualitária. Mas também é preciso dizer que Lula, Dilma e o PT têm enorme responsabilidade nesse trágico retrocesso da consciência social que possibilitou todo esse rebaixamento programático da disputa eleitoral. Nos últimos oito anos, se jactaram de um pragmatismo vulgar e fizeram troça de qualquer apelo à mais elementar coerência programática. Hoje são vítimas do veneno que usaram, sem pudor, para desqualificar a oposição de esquerda ao governo Lula. Com a mesma coerência que combatemos a despolitização, a cooptação e a desmoralização ideológica da esquerda brasileira capitaneada por Lula e pelo PT, denunciamos o terrorismo propagandístico de estilo fascista utilizado por Serra e pelos que o apóiam”.

Está sendo uma rotina de pura-coragem-quase-suicida se fazer entender (ao menos ouvir?) em meio a tanto reducionismo deste segundo turno!

Não é apenas quando o debate se reduz a escolher entre uma bolinha de papel e uma fita crepe que ele se torna absurdo. Arrebanhar entre A e B da FORMA como fazem já é absurdo! No A o engajamento, a paz, o bem, a VERDADE, a justiça e do outro lado...

Dizem: “A hora não é de fazer crítica a Dilma, a hora é de ganhar!” Mas como!? Se foi exatamente por isso que 20 milhões pisaram no freio, porque tinham críticas?

Dizem: "Não se pode ter dúvida entre Dilma e Serra! Ficou louca?" Mas a dúvida foi sempre entre Dilma E Dilma!! Ou melhor, entre a opção de continuidade que temos AGORA e a que realmente queremos/devemos TER!

A jocosidade e o menosprezo com que Lula trata os adversários/contrários (inclusive de dentro do partido) é tão sacal...Há realmente muitas formas de se dizer amém.

Pois se tivesse a imensa habilidade do presidente em fazer analogias, diria que “subir no muro” foi a forma de enxergar mais longe.

“Pedimos” mais tempo num segundo turno para VER se ela/eles se comprometiam com esta insatisfação (de 20 milhões), para saber COMO ABRIRIAM o programa de forma mais racional e lúcida... Somos fortes, aguentamos a dor e o trabalho!

Mas não. Os 15 minutos de prorrogação deste jogo (quase clownesco: a bolinha de papel no Serra X a bexiga d’agua em Dilma) estão basicamente servindo para que os componentes mais irracionais recebam a legitimidade da luz do dia.

segunda-feira, outubro 11, 2010

SOBRE INVESTIMENTO EM TEATRO


Publico aqui uma carta-artigo em debate com Márcio Meirelles, secretário da cultura da Bahia, postada no facebook semana passada. O acesso limitado ao facebook me provocou abrir este diálogo com aqueles que não utilizam essa ferramenta social. Pois então, no Facebook há muitas intervenções de outras pessoas e, se for o caso, posso postá-las aqui também. O informativo oficial Plug Cultura trouxe várias tabelas dos investimentos FazCultura e Fundo em anexo. A minha decisão em publicar isto no blog se deve ao fato de que cada vez mais o debate substancioso tem migrado dos textos impressos para o ambiente virtual. Como acredito na necessidade deste debate ser aberto, inclusive para futura escrita da história, ele precisa estar acessível pelos instrumentos de busca on-line. É isto.

Então, tudo começou com uma postagem do Plug de Cultura SOBRE INVESTIMENTO EM TEATRO (Segue: "A respeito do que vai ser discutido no I Seminário de Comunicação e Cultura http://bit.ly/ckPxPD é falsa a informação sobre o 'baixo investimento do governo' no setor. Vale ressaltar que, desde 2007, a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia vem investindo em todo o estado, com o comprometimento de R$ 32 milhões em ações como o Programa de Apoio a Instituições Culturais, o apoio a festivais de artes cênicas, cessão de pautas gratuitas em espaços da FUNCEB, requalificação e modernização dos espaços e montagem e circulação de grupos e espetáculos. Os editais também não são as únicas formas de apoio: temos programa de apoio através de incentivo fiscal e também linhas de crédito específicas para o setor cultural").


(Primeira intervenção de Jussilene sobre o tópico)"Sobre o item "investimentos em teatro", para uma análise fazer sentido é preciso comparar com o volume de investimento dos anos anteriores (1997/2001 e 2002/2006), analisar a evoluçao desse fluxo agora apresentado...Se não "a coisa" fica so...lta.. Comparar também a relacao quantidade/qualidade de projetos contemplados com o volume da verba. Por exemplo, na tabela do FazCultura dos 3,6 milhões, quase metade foi empregado em festivais/manutençao-de-espaço/formação (digamos, na infra)...A outra "metade" ficou com circulação e montagem. Em montagem, que é, digamos assim, o que dá "visibilidade" e "sentido" à área (que dá razão 'à cena') 390 mil (1/5) foi para projetos de arte-educação/infantis/APAE. Dos 11 projetos restantes, apenas 5 receberam mais de 140 mil reais, sendo um destes um espetáculo de DANÇA e infanto-juvenil. Não é uma análise profunda. Abri e li. Quanto ao FUNDO, apresenta um movimento de verba muito semelhante, com um paroxismo: Dos 9,7 milhões totais, 8,4 milhões foram para manutenção-festivais-formação (86,8% da grana). Em montagem/apresentacao, ficamos com 646 mil em 10 "produtos/obras" (1 deles, o Teatro NU Cinema, era só leitura...). Então, dos nove "espetáculos" apenas 2 receberam mais de 100 mil, um deles era uma ópera, o outro era um Auto de Natal. Os demais acertaram as contas com suas equipes com valores de 63 mil (para os 20 anos de teatro de claudinho simoes) a 16, 10 e 5 (!) mil. Só para seguir, no item festivais do Fundo, que ficou com 2,9 milhões, 14 festivais foram realizados em 3 anos e meio. Mas a minha pergunta é: exibindo o que? Se o item "montagens" como vimos tanto no Faz, quanto no Fundo é bastante enxuto? Obras de anos anteriores? Obras de outros estados? De todo modo, no aguardo de novas leituras sobre os mesmos números.. Como disse, não é uma análise.. É um post de facebook no sábado à noite. E vamos.Ver mais
02 de outubro às 00:12"

(Resposta de Márcio a isto e muitas outras observações de Marlúcia Moraes e Roberto de Souza) Marlucia, sei quem vc é e onde vive. Eu vivo na bahia q tem 417 municípios. Vivo numa bahia q está mudando, e confirmou agora, em primeiro turno, sua vontade de continuar nessa direção onde todos podem ter acesso aos recursos públicos, em for...ma de apoio e fomento. em que a cultura é considerada eixo de desenvolvimento e precisa ser vista em todas as suas dimensões. inclusive a econômica. uma bahia q é o segundo estado do brasil em investimento estatal em culltura (veja o post abaixo aí...) só perde pra sp. e veja qto $ sp arrecada. uma bahia que coloca 3 filmes de longa metragem ao mesmo tempo num festival n temático depois de um longo período sem produzir um só. uma bahia onde quase 90% dos municípios já aderiram ao sistema estadual de cultura, o q vai ampliar o investimento na área. uma bahia onde o estado investe 4 milhões em teleteatro, para a tv iat, q vai direto para as escolas públicas, despertando o interesse dos alunos pela dramaturgia brasileira e baiana. uma bahia q tinha mais de 100 municípios sem biblioteca pública e agora faltam menos de 10, em implantação até o fim do mes. uma bahia que está investindo em sua memória, em levantamento de dados, em fortalecimento da sociedade, das organizações, dos grupos. em q o contraditório n é calado. em q as pessoas vão às ruas protestar contra um secretário pq ainda n receberam os recursos devidos - sem perceber q o mundo o brasil e a bahia estavam passando por uma forte crise econômica, da qual saímos e todos receberam. e todos depois ganharam novos editais e foram premiados por seus trabalhos em peças montadas a partir desse apoio. uma bahia q investe sim, beto, em artes visuais. e n poderíamos pensar q uma exposição de beuys, ou de sophie calle fosse de graça, mas só a última atraiu 40 mil pessoas ao museu. por isso pergunto onde vc vive, marlúcia, vivemos num mundo de redes, de cultura convergente. um artista tem a obrigação de ouvir a resposta soprada pelos novos ventos. e promover mais mudanças. mais diálogos. o teatro é a arte do diálogo. e nunca me furtei a nenhum. ao contrário, convocamos mais de 40 mil pessoas, na conferência estadual de cultura, para discutir os rumos das políticas púlicas para a cultura, isso foi 1/4 dos participantes da conferência nacional de cultura (vc estava lá?).
é preciso uma reflexão mais profunda sim, jussilene, 60 estréias num ano n é pouco. os números n são tudo, mas vc sabe tanto quanto eu q n se faz política pública sem conhecer números, indicadores, que estão sendo levantados agora, vc pode ver os investimentos comparativamente aos anos anteriores e aos anos 90 - boom mítico do teatro baiano que teve tb outros booms - a questão é o público. como é q um produtor n mantém em cartaz um espetáculo q está fazendo sucesso de público? q o público vai e paga? é um mistério baiano, né n? só mantém se o governo pagar. todos os artistas e produtores querem ser contratados pelo governo para trabalhar? podemos discutir a viabilidade dessa proposta. pode ser uma. quais serão os critérios para a contratação? o estado define? é isso mesmo a proposta?
marlúcia, gil n é vítima, n... pergunte a ele a sério. ele tem um entendimento mto preciso do q se passa. pelo menos qdo conversa ao vivo.
desculpem aí o tamanho do post. mas é mto difícil ficar ouvindo vc falar e acusar, irresponsavelmente, sem olhar pro lado. q compromisso nós artistas baianos temos com o mundo? vcs já viram as páginas de notícias internacionais de nossos periódicos? estamos ilhados em nós mesmos, queridos. esse foi o efeito mais perverso do q passamos. por isso o investimento em festivais. temos muitos agora. é uma forma de trocarmos, de vermos e sermos vistos. já o investimento em instituições, infraestrutura, como vc fala, jussilene, indiretamente beneficia também montagems, temporadas, repertório e circulação.
bjs. boa noite e boa sorte pra todos nós.

(Segunda de Jussilene)Marcio e todos, bom dia. Quero ser bem objetiva, após uma pequena abertura contextualizadora:

Estive presente em todas as primeiras setoriais da então iniciante Secretaria de Cultura em 2007 (na verdade, já no final de 2006, quando houve um ...movimento de “passagem” do poder...), nas reuniões e em todos os debates da/com a classe. Acompanhei com o máximo interesse a proposta da “cultura como um dos pilares para o desenvolvimento social” ainda acredito nisto e não só para a Bahia. Agora, vamos para a parte objetiva que é exatamente quando Marcio diz “inclusive em sua dimensão econômica”. É o que me interessa, agora: A ECONOMIA DA CULTURA. E não inclusive....Mas como centro.

O que aconteceu nestes quatro últimos anos, segundo minha análise e números que venho privadamente coletando, foi uma mudança substancial no MODELO DE FINANCIAMENTO da cultura na Bahia. E aqui, quero abandonar o substantivo coletivo CULTURA e ir para algo mais singular ARTE e especificamente TEATRO (que é ou não o tema do post? Claro que podemos discutir o geral, não é isso... mas aí a gente se perde).

Nos anos 1990, se criou na Bahia uma rede de produção teatral montada com base na renúncia fiscal. Rede de produção teatral antes, com tamanha extensão, nunca fora montada. Não estou falando de talentos individuais, que a Bahia sempre teve e terá. Uma rede é algo que envolve diferentes profissionais envolvidos, em diferentes funções, como sabemos, mas a especificidade desta para outras é que de certa forma garantiu que o valor bruto das produções e dos salários das equipes baianas se equiparasse ao que era feito no eixo Rio e São Paulo. Esta rede tinha falhas e limites gravíssimos, precisava ser repensada, a classe teatral, mesmo a favorecida, sabia disso e ansiava por mudanças. Tanto que se colocou ABERTAMENTE do lado de Wagner. Na ocasião.

Pois bem, o que aconteceu, grosso modo? Uma “demonização” do Fazcultura por parte de vertentes internas da Secretaria de Cultura, que terminaram (?) vencedoras. E o Faz, sobretudo em 2007 (tabelas gerenciadas pela própria Secult), teve um desempenho pífio. Novamente? Mudanças no Faz precisavam ser feitas!! Havia a prática abusiva do retorno dos 20% para as empresas (que na verdade era a parte que cabia a elas na produção, mas “a maioria” dava um jeito de deixar as contas só para o Estado pagar...) e acabou o disk-Gaudenzi. Era o envolvimento do antigo Secretário diretamente com as empresas e ele, apesar de não ser “um homem de teatro”, curiosamente não perdia uma estréia (!), sobretudo as subvencionadas pela Secretaria (ou não!) e estava lá sempre incentivado os atores! Na platéia. O que era isso? O velho (bom e mal, como se vê) paternalismo e favoritismo do modus operandi do Carlismo, que nos anos 1990 possibilitou, entre outras iniciativas, a criação do Teatro XVIII e a recuperação do Teatro Vila Velha.

Bom, a perseguição aos mecanismos de renúncia fiscal não se deu apenas a nível estadual....O Brasil inteiro passou pelo mesmo debate, mas com uma diferença: a produção sob renúncia fiscal não fora de todo desmantelada no “eixo” e TEVE que conviver com a (sem ironia nenhuma!) maravilhosa novidade dos fundos públicos de investimento. Então, vamos ao Fundo de Cultura da Bahia.

O Fundo nos anos Carlistas só financiavam 14 instituições público-privadas, basicamente localizadas em Salvador. Mantinha praticamente estas instituição e nada mais tinha chance. Coisa rara ganhar o Fundo. A Secretaria de Cultura na gestão ...de Marcio Meirelles centrou foco no Fundo e, ainda não compreendo se foi ou não deliberadamente, esvaziou ‘politicamente’ a opção FazCultura (tanto pior se não foi deliberado! Se, simplesmente, “aconteceu”!!). Naquelas primeiras reuniões a que me referi, lá em cima, se falava muito em economia da cultura, mas como se vê, ela foi relegada a um terceiríssimo plano. A parte assistencialista teve proeminência. Havia, sim, algo de expurgo DE ALGUNS que ‘violaram’ ganhando dinheiro na gestão passada, mas, para usar uma imagem gasta: se jogou a criança fora com a água do banho... Como já frisei, no Rio, São Paulo e Brasília a renúncia fiscal segue em paralelo, o debate com a Reforma da Lei Rouanet sofreu severos freios.

Toda esta mudança favoreceu o surgimento de vários novos atores (sociais e teatrais), mas a maioria daqueles que já haviam se capacitado e passado por uma fase, digamos, mais amadora, achava justo continuar tendo os mesmos custos e recebendo os velhos cachês (Aqui, uma abertura para o “imaginário então em voga na classe teatral”: nem todos estes eram RIQUÏSSIMOS!! A grossa maioria dos atores ganhava entre 1.500 a 2.000, reais por mês, algo JUSTO para qualquer trabalhador especializado. Existiam outros valores, é claro! Mas deveriam ser discutidos caso a caso...E, como disse, foi a época em que a produção baiana se equiparou à produção do Eixo, em termos de produção capitalista). Esta maioria brutal se recolheu nos últimos 4 anos. Houve um hiato de produção desta gente. Um grave problema para manutenção DO PUBLICO TEATAL que então se formava, um grave problema para a formação de novos atores (porque, acredito, ator não se faz, se copia “imitando” os melhores e dando um “toque de seu”). Causa e conseqüência não conseguiram reduzir orçamentos que giravam em torno de R$ 200 mil (a base, mas havia produções muuuuito maiores) para R$ 30, R$ 20 ou mesmo R$ 5 mil (!!! Vide tabela Fundo, 2007).

Bom, só para fechar o raciocínio, o Fundo de Cultura foi então bombardeado por novas propostas, abertas à participação popular, e COM A MESMA equipe de antes. Resultado? Uma pane no sistema!!! Se antes o Fundo recebia 100, 120 propostas, passou a ter quase 2 mil inscritos! Discordo do Márcio quando diz que o resultado da demora para a liberação de verbas foi a crise (crise, aliás, que os governos federal e estadual não cansaram de dizer que passamos ilesos, tal qual uma marola). A demora foi esta: a estrutura não tava preparada para a nova demanda.

Outra discordância que tenho de Márcio: os anos 1990 não foram um boom mítico. Foi fato. Foi o momento nos últimos 50 anos onde mais pessoas viveram de teatro em Salvador, onde mais peças de teatro estrearam E CONTINUARAM em cartaz (!!), onde atores e grupos baianos tiveram visibilidade nacional (no próprio teatro, cinema e TV – e recortes de jornal de fora do estado da Bahia provam muito bem esse interesse). Como conseqüência: o número de matriculados em teatro na Ufba aumentou exponencialmente, uma nova faculdade (seguindo a onda....) foi aberta e outros pequenos cursos. O interesse era social. O “teatro” não era um tema que interessava só a “gente de teatro”....Vazava para a TV aberta, para a grande mídia (que sabemos interesseira só do que “já faz sucesso” e, por isso, via o teatro como algo também com o que ‘lucrar’) e para o cinema.

E, por falar em cinema, é preciso pontuar o lançamento dos três filmes baianos neste Festival do Rio 2010. Primeiro caso, O jardim das Folhas Sagradas: em 2004, portanto ANTES deste governo, Pola Ribeiro foi contemplado com R$600 mil da Pet...robrás (1/4 do orçamento) e, ainda em 2006, também no antigo governo, pelo FazCultura recebeu verba da Chesf. Trampolim do Forte recebeu dinheiro do edital do Minc e o documentário Filhos de João, que fala sobre a influência de João Gilberto nos Novos baianos, teve um orçamento enxuto que não permitiu a negociação do cachê de Baby Consuelo (é o que informa algumas reportagens....). A atual secretaria atuou célere, como noticiou amplamente na imprensa, na etapa de finalização e, acredito, distribuição. Portanto, como já desconfiamos, CINEMA é produção complexa, produção continuada, com altíssima divisão de trabalho e que precisa de continuidade para além das mudanças de governos.

Mas não falamos de cinema, mas sim de teatro. E mais uma vez discordo do post de Márcio. Márcio, “bilheteria não manter espetáculo de teatro que ‘é sucesso de público’” não é um ENIGMA DA BAHIA!!!! A Bahia tem outros enigmas, mas não é esse, que é simplesmente a REALIDADE das artes cênicas em todo o território nacional! Para não falarmos do mundo (fora a Broadway)... O que acontece no Rio, São Paulo, BH e Curitiba??? O governo OU EMPRESAS CAPITALISTAS (via renúncia fiscal) ou instituições mecenas bancam o espetáculo, um fixo e a bilheteria é o lucro/manutenção dos artistas. E aqui voltamos ao ponto de saída: Não podemos menosprezar as redes montadas (apesar de terem sido viciadas) de renúncia fiscal do Governo anterior. É preciso RE-conquistar os empresários, ampliar as formas de COMERCIALIZAR TAMBÉM o teatro. Teatro é educação, é assistência, é transformação, é modo de vida, caminho para liberação sexual e pessoal MAS também é ‘ganha-pão’. Nem o Governo Lula desprezou os capitalistas. Como ele mesmo disse certa feita sobre os banqueiros, “eles também fazem parte da sociedade e eu governo para a sociedade”. Fazemos nossas as palavras do líder.

Para fechar, discordo também do que Plug acabou de dizer, sobre a reeleição de Wagner comprovar a aprovação da política cultural.... Infelizmente é o típico argumento que toma a parte pelo todo. Bom, não sabemos quanto da classe TEATRAL continuou, como em 2006, apoiando o governo. Ele foi re-eleito, legitima e juridicamente, em outras bases.

(O último comentário de Márcio, também em resposta a Roberto de Souza, Priscila Marques, Isabela Silveira, Gil Vicente, Gaio Mattos e Inácio Balbino, mais que a metade deles apoiando as ações da secretaria e incentivando o trabalho de Márcio). Agradeço a contribuição de todos. Realmente é um momento de reflexão e avaliação. Vamos lá.

(o último comentário de Jussilene) Pois, então, o que se configura pelo debate é justamente a necessidade de se voltar a pensar na ampliação das diferentes dinâmicas de investimento ao teatro, visto que a pluralidade de perfis e dos "agentes sociais" é imensa.

Um "mercado" s...e formou de fato nos anos 1990 e ainda pode ser resgatado. O Estado pode e deve "animar/possibilitar" a volta da participação da iniciativa privada, posto que os essenciais Fundos e Editais possuem um perfil mais generalista, liberador de verbas para produções enxutas e/ou pouco afeitas a um "comércio óbvio".

Mas se engana quem acha que "as empresas" caem "nessa da Cultura" SEM um convencimento do Estado. Os capitalistas NÃO ENTRAM nem na extração de Petróleo (!!) sem um tipo qualquer de incentivo/empurrão do Estado! NEm na extração de Minério de Ferro (!!) sem a anterior construção de estradas estaduais para o escoamento da produção... Poderia analisar todo o Diário Oficial para vermos de fato como ocorre.

Há produções teatrais com o perfil de gastos mais robusto, que precisam de outras fontes além do Estado, mas que precisam do Estado nos termos ditos no parágrafo anterior. No caso de fundos estatais, é algo justo que sejam usados para manutenção de instituições, mas visto que as instituições também precisam ir em busca de novas parcerias, etc.

Sobre as novas parcerias, vivemos questinando no Teatro NU (http://teatronu.blogspot.com/) sobre a completa inoperância da prefeitura de Salvador no quesito... Mas há uma pluralidade e iniciativas federais que estão sendo e foram usadas, como o Edital da Petrobrás, como bem utilizou o Festival de Teatro do Suburbio, que recebeu R$ 50 mil.

Realmente, com este e outros debates, acredito estar, para além da minha militância óbvia nos palcos como atriz resistente, contribuindo por nossa área.
Data desta última postagem - 06 de outubro de 2010.

domingo, outubro 10, 2010

Aborto, casamento gay, drogas e a Santa Inquisição no Brasil


O Brasil vive numa Idade Merde-a. O avanço do país ainda está na mão dos reacionários e caretas, dos teleguiados pela imprensa e os exaltados em discursos rasos. Esses são sintomas de um povo atrasado, sem cultura e educação, coisas que demoraremos ainda um bom tempo pra resolver.

O Brasil é um país laico. As decisões do Estado são soberanas e independem de credos e crenças.

Não. O Brasil não é um país laico. As decisões do Estado não são soberanas e dependem de credos e crenças.

Uma das armas sujas encontradas para se tirar votos da candidata no PT, Dilma Rousseff, foi tocar nos assuntos da legalização do aborto, descriminalização das drogas e casamento homossexual. A ideia da oposição é retirar os votos de católicos, espíritas e evangélicos, parcela grande da sociedade brasileira.

Não me interessa entrar em discussões políticas acirradas sobre a polarização do segundo turno, mas ir mais fundo num problema grave que o Brasil sofre. Vivemos cerceados pela opinião religiosa que, em hipótese alguma, deveria influenciar a condução de um país.

Lembro quando quiseram derrubar Lula com a ideia de que ele não acreditava em deus. Ora, pouco deveria importar a qualquer um se um candidato acredita em deus ou não. O que precisamos é de um presidente que administre, delegue e resolva questões do país. Seu credo pouco importa. Mussolini, Hitler, Bush e Saddam eram religiosos, e não necessariamente foram exemplos de bons líderes por conta disso.

A legalização do aborto, o casamento homossexual e a descriminalização das drogas são pautas fundamentais para o avanço do país. E as duas primeiras vão além de seu valor prático, têm uma força simbólica que ultrapassa questões de saúde pública e direitos de família.

Vamos às drogas, primeiro. Há uma descriminalização das drogas informal. Qualquer um que quiser comprar sua cocaína, sua maconha ou crack sabe aonde ir, ou liga pedindo em casa, e não há efetivo policial, por falta de estrutura, honestidade ou disponibilidade, que dê conta disso. A única diferença é que sendo as drogas ilegais, apenas o tráfico domina esse comércio, e assim ele é alimentado. Claro que teríamos que entrar numa política sul-americana de descriminalização aos poucos, pensando fronteiras, leis, e estabelecendo um plano que compreenda a venda com receita das drogas, cadastro do consumidor computadorizado e impostos que recaiam violentamente – como no caso do cigarro – sobre a venda autorizada. Ao invés de se gastar com a contenção do tráfico, o governo passaria a ganhar com impostos. E o tratamento do viciado já recai, em muitos casos, nas costas do governo. Não há hospital que recuse tratar uma overdose por conta de ter sido com produto ilegal, nem tampouco se rejeita viciados em clínicas por conta disso.

Ninguém deixa de ser homossexual porque é proibido o casamento. E a regulamentação do casamento gay seria um avanço significativo em várias frentes. Antes de tudo, precisa-se defender os direitos do parceiro, independente de sua opção sexual. Duas pessoas do mesmo sexo que moram juntas, constroem uma vida juntas, merecem ter direitos sobre as propriedades de seus parceiros, pra que não aconteça, como em muitos casos, de um parceiro ficar na mão porque não tem direitos e a família do outro, que muitas vezes o abandonou por sua opção sexual, acabe herdando tudo.

Além disso, seria um tapa de luva nas religiões, que insistem no preconceito com a opção sexual de cada um, a regulamentação da união homossexual. O Estado legitimaria a união gay como um direito civil e com isso trataria a questão do homossexualismo como uma conduta normal. Isso seria um conquista, uma derrubada de tabus e preconceitos religiosos, e seria um avanço significativo no respeito às diferenças.

Quanto ao aborto, é um assunto que me irrita muito. Ninguém deixa de abortar ou tentar abortar nesse país. A única diferença é que quem tem dinheiro paga R$1.500,00 pra ir numa clínica especializada. Quem não tem, toma citotec, vai a clínicas sem higiene e se submete a métodos selvagens de retirada do feto; risco de morte certo. Só que as religiões criticam o aborto porque é uma vida que se esta retirando, e deus blablabla, e pepepê caixa de fósforo.

Se sua religião não permite; não faça. Mas sua opinião religiosa, mas a opinião de bispos, pastores, doutrinadores não importa ao país. Ao país importa resolver uma questão de saúde pública, independente dos credos, valores pessoais, éticas e morais religiosas. E a legalização do aborto, para além de uma necessidade prática, seria uma afirmação disso.

A legalização do aborto deve vir sucedida por algumas ações. A pessoa é cadastrada, deverá regularmente visitar um médico, ser informada sobre todos os meios contraceptivos e – sendo o caso – ter a cirurgia de ligamento de trompas oferecida gratuitamente. Faz-se filhos demais, neste país. Por ignorância, falta de informação, irresponsabilidade. “E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto e nenhum no marginal”, diria Caetano. Há que se fazer um planejamento familiar, e neste ponto o bolsa-família deveria ser ao contrário. A família só ganharia o direito até o segundo filho. A partir do terceiro, mais nada. Temos um problema de superpopulação pior que o Japão, pois lá é falta de espaço, aqui é falta de educação, saneamento, cultura, saúde, direitos básicos que, com o inchaço histérico da população, jamais serão sanados.

A campanha de Dilma Rousseff está retirando qualquer referência ao aborto, às drogas e ao casamento homossexual de seu projeto de governo para não perder os votos dos católicos, evangélicos, espíritas, e sei lá quem mais. Essa ditadura religiosa atravanca o país. Precisamos atualizar a agenda do país sem preocupação com opiniões religiosas, questão de foro íntimo e pessoal de cada um para consigo e para com sua religião.

Eu tenho vergonha de viver num país onde assuntos importantes são abandonados por conta da mentalidade tacanha, atrasada, careta e reacionária dos dogmas religiosos.

Sofremos uma santa inquisição, digna da Idade Média.

Precisamos sair da Idade Merde-a.

segunda-feira, outubro 04, 2010

Não stopem, não stopem!!!

Acabei de voltar do enterro de Haydil Linhares. Aos poucos, uma geração de personalidades da cena baiana vai se despedindo dessa vida. Jurema Penna, Nilda Spencer, Wilson Mello, Álvaro Guimarães, Maria Manuela, e mais alguns que eu possa ter me esquecido; todos provenientes de um momento de euforia no teatro baiano, com o surgimento da Escola de Teatro da UFBA, a dissidência do Teatro dos Novos, inauguração do Vila Velha, as grandes montagens de Martim Gonçalves, década de 50, 60...

Haydil foi dramaturga e atriz. Conseguiu, ao menos, em vida, ter suas peças publicadas pela editora P55 em parceria com uma iniciativa do Teatro Vila Velha; que detém um bom acervo de fotos e peças de Haydil e da nossa história, mas que por questões que não sei e não vem ao caso, agora – estrutura, grana, organização, falta de tempo – não podem ainda ser disponibilizadas.

Foi atriz de grandes espetáculos, de momentos marcantes da nossa história, e veio dela a frase que deu título a um espetáculo dirigido por João Augusto, que, segundo Glauber Rocha – na altura – foi mais tropicalista, entusiasmante e marcante até que O rei da vela, de Zé Celso; marco do teatro nacional. Em determinado momento, ia haver alguma invasão, confusão, não lembro bem, e de improviso Haydil entrou gritando “stopem, stopem”, subvertendo o inglês, pluralizando antropofagicamente a palavra.

Durante o enterro, fui vendo meus mestres, minhas referências, todos juntos, cabeças grisalhas, conversando, e aquilo foi me dando uma emoção diferente. Venho me dando conta que um dos grandes problemas do nosso teatro é que, ao invés de se passear pelos terrenos férteis da nossa história e fazer nascer dali frutos novos provenientes de raízes saudáveis, seguidamente sepulta-se o passado.

Qual não é meu entusiasmo ao percorrer a história do teatro em Salvador (não a Selvador a que sempre me refiro) e ir descobrindo cada vez mais coisa, mais nomes, mais montagens, mais feitos históricos. É bom se saber parte de uma tradição, construída por muitos que ainda estão aí, lutando pra serem reconhecidos, tendo que escrever projeto pra editais e leis que privilegiam um discurso pseudo-novo, mas que no fundo é mais velho que eles mesmos. E vi, ali, muita gente que parou, que desistiu, que de tanto levar porrada jogou a toalha.

Em 2005, dirigi O despertar da primavera, de Wedekind. Seis anos depois de formado, trabalhei com gente mais nova que eu. Até aquele momento, eu fazia questão de ser uma rêmora comendo os restos dos tubarões que estavam à minha frente. Trabalhei com os grandes atores de Salvador pra aprender com eles e amadurecer como diretor. Teatro se aprende vendo e fazendo, e, principalmente, vendo e fazendo com gente mais velha. Era essa a proposta de Martim Gonçalves, expulso pela província por querer profissionalizar o amadorismo confortável dos que preferem ganhar seu pouco e fazer qualquer coisa, a ter que enfrentar o mercado e uma profissionalização que traz, consigo, apuro técnico, escolhas certeiras, dedicação e seriedade.

Não há maior burrice do que renegar o velho e se auto-intitular “o novo”. O imperador da língua portuguesa, Antonio Vieira, dizia; “o novo é o velho revisitado”. Haydil se foi sem ser reconhecida pelas novas gerações que, aos poucos, vão desconhecendo cada vez mais de perto seus pares. Profissionais recentes, atuantes, são ignorados pelos alunos de teatro, as referências são cada vez mais pobres e limitadas.

A despeito das discussões sobre antes e agora (e recomendo dar uma lida nos meus artigos; http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-i.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-ii.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-iii.html), pude aprender muito com esses todos que se foram e muitos que ficaram e estão num limbo por culpa própria, por culpa das circunstâncias, por culpa de gestões, de “grupos políticos”, seja lá porque culpa for.

Aos gestores, empresários, diretores, administradores, novos artistas, eu peço; stopem, stopem com o anulamento de pessoas que solidificaram nosso teatro. Precisamos aprender com nosso passado e é preciso viabilizar esse acesso, esse diálogo, estimular essa “velharada” a compartilhar seu conhecimento, seus erros e acertos, sua experiência.

Não posso dizer à “velharada”; stopem, stopem de morrer. Mas ao menos peço que não stopem, stopem de produzir, de dialogar. Eu, de minha parte, tenho muito, ainda, o que aprender com eles, com vocês. Como aprendi com Alvinho, Jurema, Nilda, Melão e Haydil; que devem estar fazendo um rebucetê em algum canto por aí, porque esse povo não valia nada. E viva o Teatro.