sexta-feira, março 22, 2013

O Silêncio dos Inocentes




Aquele que desconhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, esse é um criminoso. Bertolt Brecht

Boa parte dos leitores desse blog sabe que eu defendi, no início do ano,  uma tese de doutorado sobre a administração Martim Gonçalves, a mítica diretoria da primeira escola de teatro do Brasil ligada a uma instituição universitária, a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia. Pois bem. Não vou aqui falar da tese em si. Não agora. Mas tratar da recepção que ela vem tendo nos auto-proclamados “meios culturais” ou “meios intelectuais” baianos.   
E vou ser bem direta: a tese que simplesmente desmascara uma das maiores mentiras sociais já produzidas em solo baiano (em solo brasileiro?) nos últimos 50 anos, a tese que apesar de ter sido matéria de veículos de grande circulação local e nacional (A Tarde,  Terra Magazine, Jornal do Brasil Wiki) não provocou nenhuma, absolutamente nenhuma resposta da classe artística, sobretudo a teatral baiana, a sua principal interessada! O que se ouve é um estrondoso silêncio!!! Ou como eu mesma prefiro dizer: “Faça-se luz na cozinha e o máximo que se escuta são os passinhos das baratas”.
Mas como é que é? Quer dizer que ninguém vem mais a público propagar que o pernambucano Martim Gonçalves era “apenas um estrangeiro colonizador?” Aquele “lord inglês” que queria empurrar goela abaixo “um gosto estrangeiro à Bahia?” Que a Escola de Teatro em sua época só pensava em montar – como se isso fosse um problema – “clássicos estrangeiros para o público local”?
E sabe por que ninguém tem mais a coragem de dizer isso em público? Porque a minha tese mostrou – para a minha própria surpresa, pois fui nesse caminho procurando outros horizontes – o quanto a Escola de Teatro de Martim Gonçalves, entre os anos de 1956 e 1961, foi uma instituição central para dar FORMA à cara que a CULTURA BAIANA ainda hoje possui, inclusive ajudando política e economicamente na CRIAÇÃO das cinco GRANDES instituições culturais ainda hoje atuantes no estado. A saber:

1)          O Museu de Arte Sacra – Em 1956, o Convento de Santa Teresa estava desativado e abandonado há mais de 100 anos e abriu as portas ao público não-religioso pela primeira vez na história quando lá Martim Gonçalves conseguiu, após uma tremenda batalha de bastidores entre a Cúria Metropolitana, a Prefeitura e a Universidade,  encenar o Auto da Cananéia, a primeira montagem da ET, escola que ainda não possuía sede e muito menos um teatro. Martim Gonçalves quis então ocupar o convento desativado com a escola de teatro. Mas a resistência católica conservadora deve ter sido grande, afinal, seria demais ocupar um “local sagrado” com algo tão profano como atores... Contudo, Martim/ET ajuda na recuperação do Convento, lança pelos jornais, ainda em 1956, a ideia para ali funcionar um museu de arte sacra e provavelmente ganha pontos políticos na administração universitária, o que explicaria como a Escola de Teatro pode ser a primeira entre as escolas de arte da reitoria Edgar Santos a possuir uma sede, que inclusive deveria ser provisória (mas não foi): O Casarão Santo Antônio. Mais um detalhe: a direção do Museu de Arte Sacra (afinal, inaugurado em 1959) ficou a cargo de um monge beneditino, ordem com a qual Martim Gonçalves tinha profundas relações, tendo inclusive um tio, Dom Gerardo Martins, especialista em... arte sacra!
2)          O Centro de Estudos Afro-Orientais – Em 1959, Agostinho da Silva, o futuro criador do CEAO, pede explicitamente em carta ao professor português Eduardo Lourenço a ajuda de Martim Gonçalves. Pede para que o diretor de teatro interceda por ele junto ao reitor Edgar Santos. Agostinho e Martim se conheciam de muito antes. Agostinho era casado com Judith Cortesão, irmã de Saudade Cortesão, tradutora de vários textos para Martim. Se esse pedido de intermediação já não fosse algo importantíssimo, também é preciso LEMBRAR que será na Escola de Teatro que Agostinho ficará no seu primeiro ano na Bahia, dando aulas, e segundo suas próprias palavras, “sob um disfarce”, enquanto arquitetava o CEAO. Como se esse notório apoio de Martim ao diretor do CEAO também não fosse suficiente, basta olhar as cartas entre Martim Gonçalves e Pierre Verger e saber o quanto os próprios planos de Martim/Verger para a África em 1958/1959 serão executados apenas dois anos depois pelo primeiro funcionário do CEAO a visitar a África: Vivaldo da Costa Lima, em 1960/1961. Outro dado notável: Verger, que ainda era apenas um viajante, que não tinha se fixado na Bahia e não possuía nenhuma base institucional para suas pesquisas em solo africano, pediu o apoio institucional de Martim Gonçalves (“preciso de cartas, Martim, de preferência em inglês”), para, via Ufba, continuar se articulando com instituições africanas. Martim que iria para o Senegal/Nigéria  em 1959, não vai porque ocorre um desentendimento interno com alunos na Escola de Teatro. Mas, ainda assim, Martim financiou,  deu dinheiro, provavelmente americano, ainda em dezembro de 1958, para a gravação de uma roda de Candomblé completa NO PALCO do Teatro Santo Antônio, com o terreiro articulado por Verger.
3)          Museu de Arte Moderna da Bahia – Vamos por partes, porque as relações de Martim Gonçalves e Lina Bo Bardi na Bahia realmente tomaram um bom pedaço da minha tese. E ainda vão tomar muito mais. E tudo começou quando achei POR ACASO uma carta de Lina Bo Bardi, publicada no jornal A Tarde, em que ela defendia Martim, dizendo que a famosa exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo, em 1959, foi “pensada, planejada e realizada pelo diretor da ET”, e não por ela, como havia dito dias antes uma nota maldosa publicada no mesmo jornal. Segundo ela, sua “colaboração foi especialmente na parte arquitetônica, estreitamente ligada ao conteúdo da exposição”. Foi a partir dessa descoberta ocasional que todo um mundo de relações se descortinou. Depois da Bienal de 1959, o Mamb – ainda sem sede – realiza em outubro do mesmo ano sua PRIMEIRA exposição NA BIBLIOTECA DA ESCOLA DE TEATRO, retomando a série de atividades organizadas por Martim que aí se realizavam DESDE 1956, de exposições com artefatos populares, chamado de MUSEU DE TEATRO. Martim TAMBÉM já havia realizado ao longo de 1957 e 1958, na França, Itália, Áustria e Bélgica, uma exposição denominada Danças e Teatro Popular no Brasil, onde mostrara ao público estrangeiro, através de fotografias, séries de expressões populares AVANÇADAMENTE consideradas para a época como folclore dramático popular, como os jogos da Capoeira e a Procissão do Bom Jesus dos Navegantes. Repito: isso em 1957. Mais de 50 anos antes da onda etnocenológica que invadiu a pós-graduação da própria Escola de Teatro da Ufba. Para não ter que listar TODO o envolvimento de Martim com a pesquisa de técnicas e formatos populares trabalhados NO INTERIOR da Escola de Teatro, vou citar o título de apenas um dos seus textos, publicado na revista da Música Popular Brasileira, em 1954: “A Indumentária Sagrada do Candomblé da Bahia”. E tem mais: boa parte das atividades do Mamb era executada em parceria com a ET. Afinal, como sustentar o estorvo político que causou a ocupação do Teatro Castro Alves (TCA)? TODOS os “baianos” queriam o TCA para si!! Lina ocupa o foyer e, com Martim, aos poucos começa a penetrar nas entranhas do teatro. A Escola da Criança do Mamb e todos os seus cursos eram dirigidos por Martim! Ele indicou os funcionários – ex-alunos da ET – para trabalhar lá. O pesquisador que enveredar pelo tema PRECISA se perguntar COMO Lina pagava as contas das atividades do Mamb! Não. Não pense que o governo do Estado na época tinha uma polpuda verba para cultura. NÃO HAVIA SECRETARIA DE CULTURA!!! Não me faça dizer com todas as letras qual a instituição forte, financeiramente bancada com dinheiro americano, que transferiu verba para GRANDE PARTE DAS ATIVIDADES e IDEIAS culturais gestadas nesse famoso e inesquecível período baiano. Na minha tese eu defendo com todas as letras que a ação da Escola de Teatro de Martim Gonçalves foi similar à de um órgão geral/congregador da cultura baiana. Diante disso, a sequencia de exposições e espetáculos de teatro e filmes com atores da escola de teatro realizados no TCA vira até fichinha...
4)          O Terno de Reis da Lapinha - Esse aqui é outro assunto bastante espinhoso abarcando ações desenvolvidas pela Escola de Teatro na administração Martim Gonçalves. Por quê? Simplesmente porque hoje as festas de Ternos de Reis realizadas na Lapinha, bairro central de Salvador, são uma tradição da cidade. Mas sendo fiel à minha pesquisa não posso deixar de relatar a sequência de informações que recolhi sobre o assunto, diga-se de passagem, sem o menor interesse em coletá-las; um material que foi surgindo colado/associado às atividades da Escola de Teatro no período estudado. Para entender a questão, em primeiro lugar, é preciso saber que as festas de Reis – com presépios e bailes pastoris – eram uma realidade em diversas localidades de Salvador pelo menos até o início do século XX. O assunto está reunido em livros clássicos sobre o folclore brasileiro como Festas e Tradições Populares do Brasil, de Melo Morais Filho e A Bahia de Outrora, de Manoel Querino. Querino chega a falar da importância que a Igreja da Lapinha possuía no ciclo dessas festas. De um modo geral, tal tradição cristã chegou ao Brasil por conta da sua matriz ibérica, possuindo uma antiga linhagem. Acontece que em 1957, a Livraria Progresso Editora (re) publica três livros sobre o assunto: o Bailes Pastoris, de Manoel Querino, Baile Pastoril no Sertão da Bahia, de José Nascimento de Almeida Prado e Os Bailes Pastoris da Bahia, de Carlos Ott. Todos eles trazendo o texto de apresentação do próprio dono da Progresso, Pinto de Aguiar, sendo publicados conjuntamente com o título “Bailes Pastoris”. Pinto de Aguiar fez vários lançamentos da Progresso nos jardins da ET e era próximo de Martim. Pouco depois desse lançamento, a Escola de Teatro coloca explicitamente entre suas montagens as peças de Arthur Azevedo, uma delas retomando entre suas cenas os bailes pastoris presentes no ciclo de festas de reis na Bahia. No ano letivo de 1958, estuda-se Arthur Azevedo na Escola de Teatro por conta da montagem de A Almanjarra. No final desse mesmo ano, em 09 de dezembro de 1958, a Escola de Teatro exibe em seus jardins uma apresentação do ‘Rancho da Lua’, um grupo de Reis que “há cerca de 46 anos não se apresenta de público”. A matéria Rancho da Lua Ressurge após 46 anos Sem Função ganha destaque na edição do Diário de Notícias, no dia seguinte. Assim abre a matéria:

“Constituiu um espetáculo de beleza poética e musical, dentro de uma atração folclórica simples e brejeira, a exibição, ontem à noite, na Escola de Teatro, do ‘Rancho da Lua’, que há cerca de 46 anos não se apresenta de público. Por iniciativa da Escola de Teatro e com a decidida ajuda do magnífico reitor Edgard Santos que imprime à universidade um sentido dinâmico e democrático, foi fomentado o ressurgimento do ‘Rancho da Lua’, uma vez que as suas principais figuras ainda vivem entre nós, inclusive o mestre Hilário das Virgens, um dos chefes do Rancho”.

A ampla reportagem segue explicando “O que é o Rancho da Lua”, informa a diferença entre o Terno de Reis (“mais sério e aristocrático”) e o Rancho (“mais pandego e democrático”), ressalta que Nina Rodrigues já estudou sobre o assunto em Os Africanos no Brasil, reproduz as cantigas do Rancho da Lua e, sobretudo, destaca ainda que outras “exibições na rua serão patrocinadas pela Rádio Sociedade”. A Rádio Sociedade pertencia à rede Diários Associados na Bahia, rede de Assis Chateaubriand, governada no estado por Odorico Tavares, homem que apoia Martim e em seguida, depois que o diretor teatral alcança um verdadeiro supra-poder nas instituições baianas, rivaliza com ele. Para encerrar, o texto informa que as apresentações ocorrerão pelo programa ‘Sociedade nas Praças’ e que a próxima execução será no domingo, na Praça da Piedade, as 19h30. Dia seguinte, 11 de dezembro de 1958, o mesmo jornal, o Diário de Notícias, publica um foto-legenda onde se vê um boi e cantadores do Rancho sob o título Rancho da Lua na Piedade, domingo. Segue outra nota na íntegra:

A exibição, na Escola de Teatro da Reitoria (sic), do ‘Rancho da Lua’, se constituiu um espetáculo de rara beleza poética e musical, despertando por essa razão, grande interesse. Completando este sucesso, conforme já foi divulgado, a Rádio Sociedade da Bahia possibilitará ao público tomar conhecimento com este ‘rancho’ que reaparece após 46 anos sem função. Em entendimentos com mestre Hilário das Virgens, ficou acertado ser a primeira destas apresentações no próximo domingo, as 19h30, na Praça da Piedade. Nesta ocasião, o Rancho da Lua dará uma exibição completa de suas danças e cantigas, num palanque que será armado pela Diretoria de Turismo.

A minha pesquisa não seguiu acompanhando pelos jornais as apresentações do ‘Rancho da Lua’ pelas praças de Salvador em 1958. Em 1960, a Escola de Teatro volta ao tema, encenando, agora com alunos, um terno de reis na peça Uma Véspera de Reis na Bahia, outro texto de Arthur Azevedo, que fica em cartaz entre junho e julho de 1960, no Teatro Santo Antonio. Acontece que já no início de 1961, o Departamento de Turismo da Prefeitura Municipal, órgão dirigido por Carlos Vasconcelos Maia, homem próximo a Odorico Tavares, promove apresentações de ternos de reis pela cidade, como se pode ver pela matéria Prefeitura Liberou Verbas e Desfile está Assegurado – Ternos Reviverão o Antigo Esplendor: Festa de Reis, publicada no Jornal da Bahia, em 03 de janeiro de 1961. Contudo, no texto as festas de reis AGORA são assim apresentadas:

 “As festividades dos ternos de Reis e dos bailes pastoris que estavam quase desaparecidas, renasceram ano passado graças ao interesse do Departamento de Turismo da Prefeitura, que é responsável ainda este ano pela organização do desfile”.

Gente, não há a menor lembrança/citação da Escola de Teatro ou do evento e peças de Reis capitaneados por ela um/dois anos antes!! Os eventos que tinham trazido dos mortos as festas de Reis!
Na dissertação de mestrado Abertura Para Outra Cena – Uma História do Teatro na Bahia a Partir da Criação da Escola de Teatro (1946-1966), de Raimundo Matos de Leão, aprovada pelo PPGAC/UFBA, em 2003, o Rancho da Lua é associado a uma atividade oriunda da Escola de Teatro, como já o fizera 12 anos antes o professor Nelson de Araújo. Contudo, Leão não relaciona (e nem Araújo)  o conjunto das atividades de reis promovidas pela ET entre 1958 e 1960 com a posterior realização das Festas de Reis promovidas pelo Departamento de Turismo da Prefeitura Municipal de Salvador, a partir de 1961 e ATÉ OS DIAS DE HOJE. Tais atividades continuam de forma ininterrupta a partir de 1961? Sempre na Lapinha? O que ocorreu com o Rancho da Lua? Por que nessa matéria de 1961, ao menos, não se fez referência à promoção de eventos e peças recém-realizados pela ET dois anos antes???? Por causa da campanha anti-Martim já iniciada pelos jornais de Odorico!!!! Por isso que Vasconcelos Maia, homem de Odorico, não reconhece também essa autoria de um trabalho de Martim/ET??????

5)      Teatro Vila VelhaVamos na jugular? Todo o imaginário popular, de pesquisa do popular mais tarde acionado como sendo ‘coisa do TVV’, a marca mesma do Vila, era algo que pertencera de origem à série de múltiplas atividades realizadas por Martim e a ET. O primeiro espetáculo de cordel da Bahia foi obra da ET (Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra, uma adaptação de Francisco Pereira da Silva, para o folheto de Manoel Camilo dos Santos, e não me importa que DEPOIS os Novos montem ‘cordéis MESMO’ e não textos adaptados. A verdade é que a pesquisa sobre cordéis já estava e muito manifesta desde a ET e nos próprios textos de Martim de 1951!); E quanto à busca do Teatro dos Novos pelo teatro na rua e pelo medieval, com autos católicos, enquanto não arranjavam um teatro...? A mesmíssima solução poética de Martim, antes da construção do Teatro Santo Antônio. É preciso estudar a sério a história dos Novos entre 1959 e 1964, ano de inauguração do Teatro Vila Velha, para ver como isso acontece. João Augusto só se torna uma figura pública reconhecível pelos jornais baianos beeem depois DA SAÍDA/EXPULSÃO de Martim Gonçalves de Salvador, por causa das campanhas jornalísticas (do A Tarde e da rede inteirinha dos Diários Associados = jornais + TV Itapoan; da instituição universitária que tinha dificuldades políticas em manter Martim e dos seus desafetos pessoais). Martim e João Augusto nem se equivaliam em força, gente. O verdadeiro embate entre cabeças que ocorre intra-muros da ET, ocorre entre Martim e Gianni Ratto! Por algo escraboso que apenas as histórias mal-contadas tornam possível, com o tempo Martim virou “o oponente” de João Augusto no imaginário artístico baiano! Que eles se desentenderam é fato, mas Martim não ficou ‘rivalizando com João Augusto’... Martim Gonçalves simplesmente o demitiu. E, segundo documentação oficial coletada até o momento, foi o único professor demitido da ET daqueles anos! Os outros simplesmente acabaram seus contratos temporários de um ano e não quiseram continuar ou NÃO foram renovados.

O que mais dizer após essa listagem? Como vocês acham que eu, uma atriz que vivi minha vida artística inteira na Bahia ouvindo verdadeiras BALELAS sobre Martim Gonçalves, me senti? Sabendo que a melhor defesa pública que existia sobre ele era que: “Não... Martim também montou autores brasileiros!”? Sinceramente? Eu tive vontade de vomitar, eu tive horror e tive vergonha. Sim. VERGONHA de nós, mentalidade baiana: irresponsável, canalha e hipócrita. Será que é esse o mesmo sentimento que agora cala tão profundamente todos aqueles que sabiam de, se não de toda essa história escabrosa, de boas partes dela? Vamos ouvir os inocentes.


segunda-feira, novembro 12, 2012

HABEMUS SITE!

Caros,

Gostaria de registrar que este blog não será apagado, com sua memória, comentários e postagens, mas que estamos agora com um site, que pode ser acessado tanto pelo www.teatronu.com quanto pelo www.teatronu.com.br. Fui procurar um artigo antigo, aqui, pois criamos uma coluna "Memória do blog" no site para republicar alguns artigos, e dei-me conta de alguns seguidores, pessoas que ainda podem, vez por outra, passar por aqui para checar atualizações.
Portanto, caso queiram ler artigos de Jussilene Santana e meus - bem como novos colunistas, e ver notícias sobre o grupo, resta dizer que em nosso site, além desse conteúdo, temos, também, uma página dedicada à dramaturgia baiana, com pequena biografia e peças de dramaturgos do estado.

um abraço em todos,

GVT.

quinta-feira, março 08, 2012

O artista e o anti-Oscar: sombra e arte fresca em Rembrandt e Greenaway


Dedicado a Eduardo Tudella

Rembrandt tenta desenhar sua mulher moribunda, Saskia, na cama. Ele diz que quando ela não estiver mais por lá, que ele terá que se olhar com mais frequencia no espelho. Em seguida, fala: “digamos que eu ceda e concorde que você está morta. Este desenho diz que você ainda respira”. Em seguida, comenta que é curioso, pois o desenho “para todo o sempre continuará dizendo que você está dormindo”. E (se) pergunta se dá pra distinguir num desenho se um corpo está dormindo ou morto.

Essa é a cena central do filme Nightwatching, de Peter Greenaway; o ponto de virada. A belíssima música do polonês Wlodzimierz Pawlik colore a escura cena criada pela fotografia de Reinier van Brummelen. Uma cena teatral, mas que é puro cinema. Uma cena seca, uma interpretação de Martin Freeman afetada o suficiente para ser muito mais real e viva para o comportamento da época, com palavrões e poesia: como nosso dia-a-dia.

Peter Greenaway, um dos poucos cineastas a quem podemos chamar de artista, (e, talvez, por isso, pouco conhecido) vem construindo uma filmografia que, nalguns momentos, atinge o que de melhor se fez no cinema até hoje. Sua biografia de Rembrandt é de uma delicadeza e ousadia, de uma precisão e loucura, ao mesmo tempo artesanal e extremamente técnica.

O cineasta britânico faz seu filme todo em estúdio, mas deixando claro ser um estúdio. Um grande palco com iluminação artificial, marcações teatrais, excetuando uma cena no campo que se repete sempre sob a mesma perspectiva. Greenaway chega ao ponto de fazer mais de uma cena onde Rembrandt e sua esposa, depois a amante, olham pra câmera e dialogam contando histórias, numa brincadeira clara com o “à parte”, com o distanciamento da cena, fazendo da narração seu momento – paradoxalmente – mais teatral.

A fotografia de Reinier van Brummelen, aliada a uma precisa direção de arte, surpreende em cada pausa que damos no filme: sentimo-nos diante de uma pintura de Rembrandt. O cuidado com a cena e a transgressão que ele faz na forma de criar a cena e os diálogos servem claramente como analogia da própria obra do pintor flamengo.

No projeto Verão cênico, fizemos uma apresentação de Sargento Getúlio no Espaço Xisto e, na pressa, com refletores e mesa diferente, acabamos programando uma luz muito escura. Fiquei tenso o espetáculo inteiro e, depois? Nenhum comentário da plateia. Estranhei, mas ao ver Nightwatching percebi o que Eduardo Tudella fala sobre as sombras que tornam a cena real. E percebi, ainda mais, que nem sempre precisamos ver tudo tão claro para sentir e entender. O filme de Greenaway é propositalmente escuro e cheio de sombras como a pintura de Rembrandt, mas é também um filme que mostra como um quadro pode bagunçar uma sociedade.

Rembrandt van Rijn recebe a encomenda para pintar um grupo de homens que tramaram um assassinato. Na forma como ele trata a cena, há a denúncia de uma filha bastarda, a covardia, a malvadeza, tudo numa pintura que aparenta retratar apenas alguns homens. No filme, logo após o pintor flamengo sofrer com a morte de sua esposa, o quadro é mostrado e, num golpe de mestre, Greenaway põe na boca dos homens retratados a leitura precisa do quadro. Eles percebem a denúncia e crítica do pintor ao passo que decidem manter o quadro. Rembrandt já havia adquirido certa fama e depois de um tempo as pessoas olhariam aquele quadro como um simples quadro. Eles passariam para eternidade nas tintas de um pintor renomado, e a vileza deles seria apagada e borrada pelo tempo.

Engano deles e de muitos. A obra pode ser menosprezada, escondida, renegada e boicotada pelo seu tempo, mas a arte ainda vai respirar, para todo o sempre, como a Saskia do desenho do artista Rembrandt, filme do artista Greenaway.

GVT.

sexta-feira, março 02, 2012

Jussilene Santana na MUITO - fevereiro de 2012



Jornal A Tarde, Revista MUITO

05 de fevereiro de 2012

Abre Aspas - JUSSILENE SANTANA, Atriz e pesquisadora


“Salvador é cheia de mistérios a decifrar”

Texto Cássia Candra; Foto Raul Spinassé


Quem vê a moça simpática de gestos simples não a imagina brava em cena. Com a mesma garra com que defendeu Bastos, personagem de Budro, que lhe rendeu o prêmio Braskem de Teatro 2004 de Melhor Atriz,[1] a intérprete, jornalista e professora Jussilene Santana, 35, estava de volta à arena, na última terça-feira (31/01). Desta vez, em defesa de sua tese de doutorado em artes cênicas, Martim Gonçalves: Uma Escola de Teatro contra A Província, que mostra o porquê do afastamento do diretor da Escola de Teatro da Ufba, instituição que criou e administrou entre 1956 e 1961. Orientada pelo professor Ewald Hackler – que a dirigiu em Senhorita Júlia, de August Strindberg –, ela esquadrinha o imaginário da intelectualidade da época e bebe em fontes que vão do Centro de Estudos Afro-Orientais à Fundação Rockefeller, em Nova York. No caminho, Jussilene se depara com outros mistérios, que a levam a conclusões contundentes. “Foi como destampar a porta do inferno”, diz. A pesquisa é só parte da rotina incomum desta moça, que ainda inclui os projetos do Teatro Nu, do qual é cofundadora, da Universidade Veiga de Almeida (Rio de Janeiro), onde ensina, e de intervenções no teatro e cinema.

O teatro arrebatou a pesquisadora?

Desde que entrei no ambiente cultural baiano, fiz as duas coisas, jornalismo e teatro. Venho de uma família muito humilde. Meu pai saiu do interior para vender farinha, frutas e verduras em um pequeno comércio em São Caetano. Sempre estive nessa posição de ter que trabalhar, mas minha mãe me incentivava a estudar. Eu tinha sonhos, sonhos impossíveis para uma menina de São Caetano. A Escola Técnica (atual IFBA) foi um atalho, abriu meus olhos para a cidade. Depois, veio a escolha pelo jornalismo e, simultaneamente, o teatro.

E o interesse por Martim Gonçalves?

Sempre ouvi falar em Martim Gonçalves. Extremamente mal e extremamente bem. Era o herói que havia trazido a vanguarda para a Bahia ou o vilão, um reacionário que trabalhava apenas com teatro clássico ocidental e queria empurrar um gosto colonizador a Salvador. Nunca consegui entender o meio-termo.

Foi isso que a levou à pesquisa?

Sim. Ouvi muita gente que viveu, estudou, trabalhou ou assistiu Martim Gonçalves e fui colhendo informações. Quando entrei no mestrado, sobre a cobertura do jornalismo baiano, orientada por Albino Rubim, hoje secretário da Cultura, vi a campanha contra Martim ser executada pelos jornais baianos. Quando veio para a Bahia, ele foi acolhido por uma elite cultural – e veio por conta dessa elite –, mas, por uma série de motivos que estudo, ele se desentende com essa elite, que depois faz uma campanha política para afastá-lo.

Em suas andanças pelos arquivos, o que mais chamou sua atenção?

Para um pesquisador, Salvador é cheia de mistérios a decifrar. Há possibilidades de pesquisas com as quais me deparei e que não pude dar conta. Por exemplo, a influência de Odorico Tavares, diretor dos Diários Associados na Bahia, entre 1942 e 1980, na formação da mentalidade e da figura política de ACM. Também chama a atenção o fato de não haver uma pesquisa que decifre as contas da Ufba na administração Edgard Santos. Esse reitor caiu, em grande medida, por seus apoios financeiros, que a intelectualidade baiana não entendia ou não queria aceitar. Até hoje, isso não foi investigado. Nas pesquisas que fiz, vi os jornais baianos se constituindo como atores sociais, determinando a direção das instituições, apoiando, ou não, seus líderes e promovendo muita mentira, inverdades que, pelo ambiente da época, não foram checadas, mas que determinaram o que somos hoje.

Essas informações vão permitir reconstruir aquele panorama.

Sim, e reconstruir o panorama cultural dos anos 1950 e 1960 é crucial para entender a Bahia de hoje. A Ufba foi criada em 1946, mas a relação dela com as artes, aclamada e reconhecida, foi estabelecida entre 1954 e 1956, (com a criação das escolas de arte), com a criação do Museu de Arte Sacra, (em 1959), com a criação do MAM, em 1960, e do MAP, 1963. Minha pesquisa revela que a Escola de Teatro comanda (apoia/direciona) a criação das maiores instituições culturais baianas ainda hoje em ação, (sobretudo através da transferência de verbas e serviços), quebrando a ideia de que Martim Gonçalves, o seu primeiro diretor, era alienado, alheio ao que se passava em Salvador.

Ele orquestrou uma revolução?

Sem dúvida. Apoiado por muitos outros atores sociais, como Lina Bo Bardi, Agostinho da Silva e Pierre Verger. Mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma carta de Lina dizendo que a famosa exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo, de 1959, não tinha sido organizada por ela, como os jornais baianos estavam dizendo. Ela veio a público – no meio da campanha contra o diretor da Escola de Teatro – com essa carta, onde dizia: “Essa exposição foi pensada, planejada e organizada por Martim Gonçalves”. E explicava que sua participação foi mais no aspecto arquitetural, de disposição das peças. Não corrigir isso, segundo ela, poderia ocasionar um grave equívoco para a formação da memória do Estado (e foi o que infelizmente acabou acontecendo).

Até onde poderemos chegar investigando esta história?

Eu aponto mais ou menos 18 novos estudos que precisam ser realizados a partir das questões que levanto, da documentação que apresento. A Bahia que conhecemos hoje foi criada nesse período. E essas instituições, todas, em seus primórdios, tem relação com a Escola de Teatro.

O que poucos sabem sobre Martim Gonçalves e a Escola de Teatro?

Eu tinha a ideia do Martim Gonçalves adepto de estrangeirismo. Mas descobri um homem que tinha uma relação ampla com a cultura autóctone, baiana, brasileira. A grande novidade trazida pela minha tese, porém, é que há fortes indícios, documentos e declarações de que Martim, embora tivesse o apoio de Edgard Santos, tenha ido longe demais em sua independência com a Escola de Teatro. Nos anos 1960, os anos áureos da escola, ele fez um projeto e recebeu 28 mil dólares da Fundação Rockefeller – na época, um milhão e seiscentos mil cruzeiros (uma geladeira custava 100 cruzeiros).

Como era a cena na época?

Antes da chegada de Martim, existiam alguns grupos amadores (os números são muito divergentes e, até hoje, não foi feita uma pesquisa específica sobre isso). Eram amadores, e isso não é um demérito. E é isso que é preciso esclarecer, no que depois vai se construir sobre Martim. Porque muito se disse que Martim disse, exatamente depois do caos informativo realizado pelas campanhas. No fim da administração Martim Gonçalves, ele pediu que a reitoria abrisse uma comissão de investigação sobre sua administração e foi inocentado.

E o resultado dessa Comissão de Investigação nunca foi divulgado?

Nunca.

Qual a herança desse período para a cena teatral baiana?

Ficou toda a obra, só que a autoria jamais foi associada a Martim Gonçalves ou a ideia ou o apoio. Não estou falando de intelectuais de pouco fôlego. Eles não eram marionetes de Martim. Uma pessoa como Lina Bo Bardi, uma arquiteta, pensadora, ou como Pierre Verger... Eles dialogaram, foram acolhidos, foram incentivados. Pesquisadores de Agostinho da Silva, criador do Ceao, me mandaram cartas (e eu também descobri), em que ele pede apoio a Martim Gonçalves para interceder junto ao reitor Edgard Santos. Isso foi na virada de 1958 para 1959, antes da criação do Ceao. A obra continuou, mas os bastidores do processo, por conta da campanha e das rixas políticas, jamais foram associados a Martim Gonçalves.

Sua pesquisa aponta para vários caminhos. Você pensa em dar continuidade ao trabalho com Martim Gonçalves?

Tenho um acervo doado pela família, uma responsabilidade absurda. Esse acervo deve ter ficado fechado por 50 anos e, agora, ter sido aberto por mim é menos um mérito meu que um demérito a qualquer outro pesquisador. Preferimos, como sociedade organizada, ficar no disse me disse, não só com relação à história de Martim Gonçalves na Bahia, como a outras tantas em outras áreas. Quem vai ser o pesquisador, jornalista ou quem quer que seja que vai investigar as 238 escutas ilegais realizadas pelo carlismo? Eu passo a bola para outro pesquisador, porque tenho que continuar meu destino.

E qual é o seu destino?

Vou com Martim Gonçalves por onde ele for. Ele foi para São Paulo, Olinda, Recife, Nova York, Paris, e eu quero ir atrás dele, porque ele é um homem muito corajoso. Depois dessas descobertas, ele não pode voltar a receber a pecha simplória de que era um alienado. Ele era um homem independente. A Bahia tem o costume de confundir a alienação com a independência, a autoridade com o autoritarismo. E de confundir a relação mestre-aprendiz com a relação protetor-afilhado. São coisas bem diferentes. Que loucura é essa colocada dentro do imaginário do teatro baiano de que o Teatro não tem técnica? Isso é um desserviço! E se hoje me perguntam por que a cidade virou um caos, por que a cultura baiana virou um caos, só posso responder que é uma questão histórica. Se parássemos agora para reconstruir o futuro, precisaríamos antes esgotar esse lixão sobre o qual construímos a nossa memória. Não dá para construir o imaginário de Salvador em cima de um lixão. Não dá para construir em cima da desgraça, da velhacaria, da politicagem da pior espécie. Todas essas práticas continuaram numa relação política de comunicação que vem do carlismo, puxando do odoriquismo (Odorico Tavares). Eles eram coligados. Um passou suas técnicas para o outro (e minha tese defende que as técnicas são as mesmas que ainda são empregadas hoje, é a nossa “cultura política”).

Você mergulhou na pesquisa, mas é uma atriz premiada, no teatro. Como está a carreira de atriz no meio disso tudo?

Entre 2007 e 2008, quando eu estava escrevendo menos a tese, consegui participar de três filmes lançados só agora.

O que te leva por esses caminhos?

São os convites. Sempre me considerei uma comunicadora, uma pessoa que se comunica por meio da arte, do discurso objetivo ou da dramaturgia. E tenho muita sede, muitos projetos guardados. Gosto de escolher os meus convites.

Você falou desta “sede”, não dá para imaginar como concilia carreira acadêmica, arte e maternidade.

Há dias em que praticamente não durmo. Por exemplo, 2010 e 2011 foram uma selvageria. Com esta tese de doutorado tão grande, nem sei como não esqueci meu nome.



[1] No impresso saiu com uma pequena imprecisão de datas, agora corrigida. Outros comentários eventuais seguem entre parênteses.

domingo, outubro 23, 2011

Uma mensagem para Getúlio ou a poesia deslizando pelo rosto

Depois de momentos de emoção à porta do camarim de Sargento Getúlio,  com artistas como Nilson Mendes, Margareth Menezes e Geraldo Cohen, fomos eu, Carlos Betão, Cristina Vilanova e Alba Cristina beber uma cerveja e papear.

O assunto, claro, girava em torno da peça, Alba tinha visto pela primeira vez e sempre temos o que falar sobre arte. Mas num momento em que Alba levantou e Betão foi falar algo com Cristina, acessei despretenciosamente meu facebook pelo celular e me deparei com esse texto. Resolvi lê-lo em voz alta para os dois, antes mesmo de saber tudo que estava ali.


A voz embargou, em certo ponto. Olhei pros dois e Betão enxugava uma lágrima que insistia em querer descer, junto com a minha. Cecília Accioly, pernambucana, baiana e do mundo, havia me (nos) mandado essa mensagem que resolvi compartilhar. 


Nessas horas me vem a compreensão profunda do que é fazer arte. Um "ainda vela a pena" me soa na alma. As lágrimas de Geraldo Cohen e Nilson Mendes no camarim eram as mesmas no caminho de Cecília, que eram as minhas e as de Betão. 

Getúlio fala da "morte deslizando pelo rio". Eu mostro aqui embaixo um texto que fez a poesia deslizar pelo rosto:

Fiquei sem palavras e sem ação no momento em que as luzes se apagaram. De uma delicadeza que só sente quem tem nos pés a terra do chão amarelo (e tão poucas vezes verde) de que se fala! Posso passar horas falando da parte técnica, do trabalho de corpo, do ritmo e entonação das falas, dos tons, das texturas... mas eu prefiro falar do espelho que a peça foi pra mim. Me vi, vi minha família, de machos que preferem uma vida curta, de mulheres que se chamam "Justa", e enxerguei - mesmo caecilia que sou - as histórias que existem em mim, através de mim, tudo o que me põe de pé e me faz viva! Getúlio fala pra todos e pra cada um. Ele fala com a força e o estalar dos pés e da bexiga do boi na coxa do Mateus, do cavalo-marinho que brincava nos natais de minha infância no Sítio da Trindade em Casa Amarela. Ele fala pra mim, comigo, me conta a história dele que também é minha...e entendo porque tenho tanta dificuldade de viver nesse mundo de velhos frouxos. Sou de um mundo de velhos machos, sou uma! Minha alma o é! E vim do Itaigara até os Barris rindo, chorando, lembrando e vendo uma beleza nas pessoas que há muito eu não via. Pode ser piegas, pode ser qualquer coisa, mas escrevo com uma sinceridade de me desnudar quase que completamente.
E, ao final, quis te dar um abraço, e te agradecer, e agradecer àquele homem belíssimo de cima do palco, pela experiência de um re-olhar...pra mim mesma!

Cecília Accioly

sexta-feira, outubro 21, 2011

HOJE, dia 21/10/2011, excepcionalmente, o espetáculo "Sargento Getúlio", da obra de João Ubaldo Ribeiro será às 19hs. Por favor, se estiverem pensando em ir ou souberem de alguém que vai ou pensou em ir, compartilhem essa notícia para evitar constrangimentos e viagens perdidas!!! Dias 22,10, 27, 28 e 29 seguem normais, às 20hs. ÚLTIMAS APRESENTAÇÕES!!!

sábado, outubro 15, 2011

Carta aberta a Luiz Marfuz


Caro Luiz Marfuz,

Surpreendeu-me, hoje, ler nas redes sociais um artigo seu publicado no jornal A Tarde de 14/10/2011 (abaixo na íntegra). Intitulado “Mais respeito aos artistas baianos”, vi seu incômodo em relação aos critérios na seleção de espetáculos baianos para o Festival Internacional de Artes Cênicas.

Os dois pontos que você toca também foram questionados internamente pelo meu grupo, o Teatro NU, quando da publicação do artigo de Eduarda Uzeda, em 06/10/2011, no mesmo jornal A Tarde. O primeiro deles, de que “os artistas locais sabiam como participar” soou estranho, pois também não vimos divulgação alguma em nenhum lugar. Absolutamente nenhum indicativo de prazos, seleção, critérios, qual e para onde enviar material do(s) espetáculo(s).

O segundo, como você cita, é “que a linha editorial era ‘questionar o lugar do espectador’”. Sobre esse, que nos causou confusão, vale a pena discorrer um pouco mais.

Acostumados a não nos encaixarmos em linhas editorias e critérios de seleção de festivais e editais – talvez pela baixa qualidade do que apresentamos como proposta e resultado, tal qual você cita em relação a As velhas – nunca fizemos, nós do Teatro NU, muito barulho pela nossa não seleção. Apenas pontuamos seguidamente nossa infelicidade em perder sucessivos editais e não poder participar de eventos que pudessem projetar o grupo de alguma forma.

O Teatro NU surge de uma ideia minha e de Jussilene Santana de privilegiar o trabalho do ator e sua relação com e texto, e buscar uma dramaturgia que possa, sem oba-oba e modismos, questionar certos limites da cena: seja no trabalho do ator, seja na estrutura do texto, seja na temática e na abordagem da cena, da ação, do conflito, da ideia.

Sendo um grupo praticamente autoral – demorei anos para “obedecer” Ewald Hackler e passar a dirigir minha própria dramaturgia –, montamos com nosso grupo duas peças minhas, na sequencia, Os amantes II (2006) e Os javalis (2008), após a boa repercussão que tive em Roma, na Itália, com os dois textos.

Em seguida, tive uma súbita ideia. Percebendo um pequeno palco na Sala de arte da UFBA, pensei em fazer peças curtas antes de sessões de cinema. Levar teatro às salas de projeção. De imediato, pensei nas deliciosas peças curtas de Anton Tchekhov. Aprovados pelo Fundo de Cultura do Estado, montamos, com nossos atores Carlos Betão e Marcelo Praddo, e a participação mais que especial de Fafá Menezes, O pedido de casamento, O urso e Dos males do tabaco.

Depois disso, repetimos o projeto que foi chamado Teatro NU Cinema, mas já nos interessava um diálogo com a dramaturgia contemporânea e selecionamos duas peças curtas de autores baianos para a segunda edição e, depois de umas dez derrotas em editais, a VIVO resolveu patrocinar Sargento Getúlio, monólogo a partir da obra de João Ubaldo Ribeiro, com dramaturgia minha, novamente.

Vale ressaltar que as peças curtas de Anton Tchekhov estão tendo vida longa. Foram apresentadas, a convite de Rose Lima, diretora artística do Teatro Castro Alves, para abrir o projeto Domingo no TCA, para mais de seis mil pessoas, durante seis meses, e resolvemos juntar duas delas, O pedido de casamento e O urso e fazer o espetáculo “Dos males dos casamentos: Tchekhov em dois tempos”, que teve curta temporada de sucesso no Theatro XVIII e no Cine Cena Unijorge.

Todo esse blablablá foi para retornar à questão da linha editorial que era “questionar o lugar do espectador”. Já acostumados à nossa não seleção, reservei-me o papel de anônimo espectador do FIAC, esse ano, até que a produtora do Teatro NU, Fernanda Bezerra, me liga dizendo que o espetáculo “Dos males dos casamentos...” havia sido convidado para o festival, sem que ao menos tivéssemos sondado, enviado material ou coisa parecida.

Depois do primeiro susto, e satisfação pela lembrança e escolha, pensamos: um festival é uma vitrine, para onde se leva o que de mais representativo da estética de um grupo se pode ter, e resolvemos fazer uma contraproposta. Ao invés de dois dias de “Dos males...”, faríamos pelo mesmo preço um dia dessa peça e outro com Sargento Getúlio, por ser nossa obra mais recente e nos interessar difundi-la por ser representativa da nossa estética enquanto grupo.

O festival recusou.

Entendendo que ter o Teatro NU representado por um espetáculo que não é um “cartão de visita” do grupo, a despeito da qualidade das peças de Tchekhov, da excelente atuação dos três atores e do satisfatório resultado final, preferimos então declinar do convite. Interessa-nos muito participar do FIAC, e ainda queremos vida longa a “Dos males...”, mas não como estética representativa do grupo para um festival que parece privilegiar as diferentes abordagens estéticas da cena contemporânea.

Causa-nos surpresa saber desse critério de “questionar o lugar do espectador”. As peças curtas de Anton Tchekhov questionam a sociedade, da qual o espectador faz parte. Mas se o convite havia sido por isso, penso que Sargento Getúlio, assim como As velhas e toda e qualquer obra de arte, digo, de arte, também o faz. E, pensando sob a ótica do FIAC, me parece que essas duas últimas têm mais “cara de festival”, ou o que se pode entender por isso.

Há um festival imcompreensível de abordagens e critérios para o Teatro NU. E, pelo visto, para você também.

Um abraço,

Gil Vicente Tavares
Diretor artístico do Teatro NU.

Jornal A Tarde, 14 de outubro de 2010.
MAIS RESPEITO AOS ARTISTAS BAIANOS
Luiz Marfuz

Deboche é pouco para definir as declarações de Felipe Assis, porta-voz da curadoria do Festival Internacional de Artes Cênicas- FIAC-BA, sobre a seleção das peças baianas, ao dizer que a linha editorial era “questionar o lugar do espectador” e que os artistas locais sabiam como participar. Ora, senhor Felipe, acha que a classe teatral é idiota? Em que veículo público isto foi divulgado? Pergunto: quem soube de inscrições, seleção e conceito do FIAC? Só agora a curadoria se pronuncia forçada por A Tarde, em 06/10/11.
Sem referências, e em atenção ao elenco de As Velhas, procurei o FIAC, há dois meses. Lá me foi dito que a curadoria, composta também por Ricardo Libório e Nehle Franke - informação dada por Felipe Assis – veria as peças locais. Um mês depois, ele anuncia que a peça estava fora da programação, apesar dele não ter visto o espetáculo. Não sei quem foi selecionado, mas respeito os trabalhos de meus colegas. Devo dizer que as peças que dirigi nunca passaram pelo crivo do FIAC. Policarpo Quaresma foi caso à parte: era parceria do Festival com TCA. Núcleo. Critérios de seleção? Um deles, certo ano, – em teatro tudo se sabe – era checar se a peça tinha “cara de festival”. Alguém sabe o que é isso?
Ou talvez a questão não seja esta; no caso de As velhas, a curadoria deve ter achado o espetáculo sem qualidade, atores ruins ou mal dirigidos, tema sertanejo anacrônico, direção medíocre. Agora, com a declaração de Felipe, concluo que a peça As velhas - apesar de ocupar espaço de modo não convencional, aberto a olhar múltiplo - não “questiona o lugar do espectador”. Urgente se faz questionar “o lugar do curador”!
FIAC é evento internacional, mas deve trazer resultados para a Bahia. Fazer investimento deste porte só para dizer que estamos na rota do primeiro mundo seria outro deboche. Há incentivos governamentais, inclusive da SECULT. O Festival deve gerar ações que instiguem e insiram no cenário nacional a produção local, que nunca deveu nada aos espetáculos de fora selecionados pelo FIAC. Senhores curadores, mais respeito aos artistas baianos!

Luiz Marfuz é diretor teatral, jornalista, Doutor em Artes Cênicas, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e professor da Escola de Teatro-UFBA