terça-feira, fevereiro 23, 2010

Das weisse Band – uma outra arte

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Michael Haneke faz parte de uma trindade de cineastas que me instigam, estimulam e me convencem na estranha tarefa de fazer a “outra arte”. Juntamente com Emir Kusturica e Alexander Sokurov, Haneke não busca dar respostas, pelo contrário, o mundo pra ele é tão complexo e instável, tão maravilhoso e terrível, que ele parece não ter o domínio sobre a natureza das coisas. Assim é a violência gratuita de seu Funny games, a perversão de La pianiste e a paranóia de Cache. Não necessariamente nessa ordem e nessa divisão exata pra cada filme.

A arte que eu acredito, e que não é nem a única, nem a melhor, nem a verdadeira, mas é uma forma de arte, não encontra muitos ecos hoje em dia. Tanto no cinema, quanto no teatro ou nas formas de arte que possuam alguma dramaturgia, percebe-se uma clara preferência por roteiros mirabolantes, assuntos da moda, defesa das minorias, cores fortes e melodramas; além do riso fácil, é claro.

Haneke trata de uma pequena vila alemã à beira da Primeira Guerra Mundial. O diretor expõe o preconceito, a violência, a maldade, a perda da inocência e a perversão humana de forma fria, crua, na medida certa entre o incômodo e o distanciamento.

Talvez seja esta a pedra de toque do seu trabalho. Ele incomoda, machuca, mas nos afasta, de uma perspectiva propositalmente histórica, para percebermos o germe da maldade numa simples vila do interior da Alemanha.

O filme A fita branca é um filme alemão que é cruel com os alemães, mas sem poupar ninguém. Ao invés de colocar soldados nazistas com cara de mau torturando judeus, a opção de mostrar pessoas comuns, crianças e adultos perversos agride todo e qualquer alemão; todo e qualquer ser humano.

O que falta ao homem é a oportunidade de fazer o mal. Existindo essa possibilidade, são poucos os que se afastam dela. Abuso de poder, abuso sexual, abuso religioso, todos nós estamos propensos a atravessar essa fronteira obscura que nos leva ao encontro de nossos piores monstros. E talvez seja o que menos queremos ver.

Assistir aos americanos derrotando os malvados nazistas, assistir Kevin Costner defendendo os pobres índios, assistir aos smurfs gigantes de Avatar lutando contra a ganância de empresas que querem acabar com a natureza nos é reconfortante. O inferno são os outros, condenamos as brutalidades como se os alemães nazistas não fossem tão humanos quanto nossos pais; como se os estadunidenses que dizimaram os índios não fossem tão humanos quanto os africanos que vieram em navios negreiros. A maldade não é inerente apenas a um capacete, a um forte apache, a uma indústria poluidora; ela é inerente a boa parte – ou a toda a humanidade.

A primeira coisa que uma criança pequena faz ao ver uma planta ou o rabo de um cachorro é tentar arrancá-lo. Se isso é uma maldade inerente, eu não sei. Mas tanto seu filho quando os do seu vizinho fazem isso. Assim como as crianças do filme de Haneke.

Há esperança? O Título Das weisse band (A fita branca), se refere a uma fita que um pai, pastor protestante no filme, amarra em seus filhos para que eles não esqueçam a inocência, a pureza, a ingenuidade. Características que vemos de forma agressivamente sensível em seu filho mais novo; um menino apaixonado por animais, com olhos puros e um sorriso inocente. Como não conspurcar, imacular essa bondade? Essas respostas têm que acontecer depois que a tela se apaga. Em cada um de nós.

Bergman. Tarkovski. Vemos um pouco de vários cineastas que redimensionaram o cinema na película A fita branca. Cineastas que fizeram uma outra arte, uma arte que já não interessa muito porque o mundo já não se interessa pela arte. Ao menos não se interessa mais por essa manifestação sensível, delicada, que necessita leitura, apreensão e percepção; e nosso mundo de hoje não lê mais.

Como aprendiz desses feiticeiros, escolhi tentar fazer esse outro tipo de arte. A arte que eu acredito. E já não interessa. E aí?

Alguém me arranja um emprego na TV?


GVT.

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Gerônimo e a cor da Baía

Salvador não é negra. Nem branca. Salvador é baiana.

Assim foi confirmado quando as luzes da platéia se apagaram e os refletores iluminaram Gerônimo.

Dia 07/02, às 11hs, começava mais uma edição do projeto Domingo no TCA, iniciativa do Teatro Castro Alves de oferecer, ao público baiano, boas apresentações a R$1,00, sempre aos domingos, de forma intermitente.

Como não podia deixar de ser em nossa “terra de índio”, a apresentação começou – e vez por outra continuou – com problemas no som. Mas a imagem do imenso Pajé que Gerônimo se tornou deixou pra trás as falhas e cantou as folhas. Nas cantigas louvando orixás, os trabalhos estavam abertos.

Foi também a gravação do primeiro DVD da carreira de Gerônimo, tardíssimo e merecidíssimo. Grande intérprete dos sons da Bahia, ele compôs ao lado de Vevé Calazans a música que Dorival Caymmi, que entendia um pouquinho de música, dizia ser o hino da Bahia; É d’Oxum. Uma canção que, se vivêssemos num lugar onde se respeitasse os criadores, teria dado aos dois parceiros uma tranqüilidade financeira que, nem de longe, grandes criadores do Brasil conseguem ter (muito menos eles).

Assim como o louvável convite do TCA, feito a Gerônimo, o IRDEB, no nome de Pola Ribeiro, pôde proporcionar essa alegria a Gerônimo, eterno marginal do mercado pernicioso e selvagem da música baiana – por culpa de vários lados que não vêm ao caso agora... E uma grande alegria àquele público que acompanhou o espetáculo aplaudindo e demonstrando o quão grande estrela Gerônimo poderia ser, no nosso cenário atual.

Espero que essa iniciativa do TCA e do IRDEB não vire depois edital, pois está acima de qualquer disputa privilegiar um grande artista com a oportunidade de realizar um trabalho da qualidade do que foi apresentado ali. Edital pra gravação de DVD, edital pra Domingo no TCA, tudo agora está virando edital...

Na apresentação, dirigida por Bené Fonteles, tudo estava no lugar. Bira Marques saiu do piano pra apresentar sua Orquestra Afro-brasileira (bastava chamar-se Orquestra Baiana), a única canja do espetáculo que, subindo do fosso, mostrou boas idéias a serem amadurecidas e maturadas; mistura de música de concerto com música de rua e de terreiro.

O figurino e o cenário de Zuarte Jr também foram muito felizes. Fiquei logo entusiasmado ao ver que não havia referências àquelas cores que sempre nos remetem à África, nesta chatice atual de matriz, raiz, contrariando o que Darcy Ribeiro tão bem falou. Somos um povo brasileiro. Uma mistura que se amalgamou em características próprias, miscigenação de várias culturas que foram modificadas, melhoradas, deturpadas, e, ao fim, reinventadas. Precisamos louvar nossa identidade, forjada em dores e amores, mistura de credos e cores.

A apresentação de Gerônimo foi emocionante em vários momentos. Nem ele mesmo se agüentou, ao final, com a voz embargada pela sensação de ver 1.500 pessoas que, ao invés de pedirem bis, “mais um”, ou algo que o valha, chamaram Gerônimo de volta ao som de “Já é carnaval, cidade, acorda pra ver”, versos de uma de suas mais famosas canções.

Ver aquele artista de raça indefinida – ainda mais depois que o conceito de raça foi por terra – cantar “Eu sou negão”, na atual conjuntura sócio-política, naquelas cores de mar que Zuarte colocou no palco, me fez concluir, ou confirmar:

Salvador não é negra. Nem branca. Salvador é azul, da cor da Bahia de Todos os Santos.


GVT.

quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Muito dinheiro no bolso na terra de São Selvador


O Ministério da Cultura terá o maior orçamento de sua história. R$2,2 bilhões de reais para investir num de nossos maiores patrimônios que é a inventividade de nosso povo e a qualidade de nossa arte.

Há tempos o Ministério da Cultura tem se voltado a políticas de reparação, de acessibilidade, investindo em ações populistas/populares, deixando praticamente a cargo da FUNARTE a administração, criação de políticas e incentivo às artes pelo Brasil afora.

Penso que “Gilberto Gil fez o Ministério da Cultura existir”, como disse o saudoso Augusto Boal, e também um ex-ministro da cultura, em discurso no Minc. Várias ações importantes foram realizadas, mas o, ou um dos calcanhares de Aquiles de sua administração foi a FUNARTE, que ia por um caminho com Antonio Grassi, escorregou por outro equívoco com Celso Frateschi, e não disse pra que veio com Sérgio Mamberti. 

É até curioso que os três tenham ligação direta com minha maior área de atuação (ou ex-área de atuação, se continuar do jeito que está), que é o teatro. E nada de proveitoso, realmente, aconteceu. Editais – que não são política pública, erro que a Secult-BA comete, também – ineficazes e modificados ano a ano, falta de uma ação direta que possibilitasse uma verticalização de ações que conectassem o Brasil e difundissem obras, dramaturgias, profissionais. Enfim, a primeira reação, que seria de entusiasmo, não pôde ser sentida por mim, atento e desconfiado que sou, da útil e efetiva aplicação dessa verba em ações importantes.

*          *          *

Neste mesmo passo, de entusiasmo frustrado, estou com as notícias que leio sobre as reformas urbanísticas em Salvador.

Minha cidade é uma das mais feias que conheço. Crescimento desordenado, falta de uma idéia de conjunto, de aproveitamento geográfico, burrice, usura, tudo lastimavelmente contornado por possibilidades de uma bela cidade. Basta procurar que achamos lugares onde podemos respirar, admirar belos prédios, mas somos a cidade que derrubou a Igreja da Sé pra passar uma linha de bonde, pra não falar em belos teatros que derrubamos, abandonamos, etc.

Foi anunciado um “pacote” de modernização da cidade, atrasado em mais de 40 anos, quando um último projeto urbanístico foi feito pra uma cidade de 700 mil habitantes, contra os 3 milhões que nos colocam como terceira capital em termos populacionais do país (em termos civilizatórios e urbanos devemos estar em penúltimo ou na rabeira).

Há idéias boas, anunciadas pelo atual prefeito, mas que geram em mim desconfianças mis.

Em primeiro lugar, este é um prefeito que vem dando as costas à cultura de forma violenta, lavando as mãos em relação ao município e deixando os artistas locais à mercê da equivocada política estadual, nosso único e indevido amparo para apoio e incentivo às artes; e num governo sindicalista do PT! Imaginem que valor eles dão à arte enquanto arte, sem contrapartida, esmola, populismo, etc.

Em segundo lugar, os horríveis postes azuis que poluem a cidade, as reformas oportunistas e algumas escolhas estéticas da atual prefeitura me deixam receoso do que realmente acontecerá com as reformas futuras, a despeito de grandes profissionais, como Ivan Smarcevski (soube que Lelé está nessa, também), que estão à frente do projeto urbanístico de parte da idéia.

Em último e mais preocupante lugar, fico me tremendo todo só de imaginar o quanto os vagabundos de empreiteiras, do judiciário, do executivo e do legislativo vão se locupletar com essas obras.

Uma das maiores vergonhas que sinto em ser baiano é o caso de nosso metrô, que foi reduzido pela metade, de um projeto já nanico, e gastou muitas vezes mais do que era pretendido no orçamento inicial pra depois se fazer bem menos.

Quem manda nessa cidade são ladrões, vagabundos, pessoas que enchem o rabo de dinheiro enquanto nós, babacas, ficamos aqui torcendo por melhorias e revoluções. 99% dos que estão à frente das grandes empresas baianas são pessoas interesseiras, incultas, ignorantes e inescrupulosas. Isso está mais do que claro. Se muita gente enriqueceu na maior piada urbana que foi o metrô de Salvador, imaginem como será com o plano urbanístico da cidade. O que foi planejado pra cinco será feito em quinze, com orçamento final cem vezes maior, com um monte de gente ficando rica, a cidade ficando um caos, pra, ao fim e ao cabo, o projeto ser terminado num momento onde a cidade – já tendo exaurido todos os recursos possíveis da união, da iniciativa privada e do governo estadual e municipal – esteja precisando de uma nova reforma em seu planejamento urbano.

Esse é o governo que aprovou o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano na calada da noite, com vereadores brigando, pra atender a uma elite que quer levantar arranha-céus, destruir o pouco que resta de mata atlântica, botar sombra na praia porque essa elite é predadora e o interesse imobiliário e o bolso de poucos interessa mais do que uma cidade aprazível pra muitos.

Predadora porque usa a cidade pra roubar, pra levar vantagem, e vai gastar seu dinheiro longe daqui. A elite de Salvador não faz o dinheiro circular, não faz programas culturais diversificados, são antas intelectuais que compram carros caríssimos, coberturas, e cagam pra cidade. E os políticos estão a serviço deles, o que no fundo significa deles mesmos, é algo endógeno do qual nós, idiotas, não fazemos parte.

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É isso. Nem eu me agüento mais com tanto pessimismo e desespero. Mas não consigo enxergar nada diferente do que está dito acima.

Adoro Salvador. Mas estou precisando talvez dar um tempo, um longo tempo, dela. Alguém quer me adotar?

2010 talvez seja uma repetição de 2007, primeiro ano do governo Wagner, único ano, depois que me tornei profissional, onde não consegui estrear nada. Vou começar e terminar minha relação com esse governo frustrado, sem criar, sem fazer o que, mal e porcamente, sei fazer de menos ruim.

Mas têm aqueles que estão comprando apartamentos bons. Têm aqueles que vão ficar ricos com reformas e projetos na cidade. Têm aqueles que passam por cima de tudo pra beneficiar amigos e perseguir inimigos, repetindo a sanha carlista de coronelismo e fascismo.

E sabe o que eles têm mais?

Têm mais é que se f...