terça-feira, novembro 21, 2006

Lendo Ortega y Gasset...

Ortega y Gasset me chegou pelo mesmo interesse que me fez chegar a Canetti; a análise do homem-massa, este imenso vácuo intelectual que domina os gostos, as razões, as finanças. Sem a piedade e o politicamente correto que inunda de babaquice o pensamento atual, Ortega y Gasset analisa a fundo o homem médio, o homem massa que teve sua ascensão com a burguesia, com o capitalismo, este homem que, segundo Arnaldo Hauser - em seu História social da arte e da literatura - passou a exigir uma arte mais palatável, mais acessível, que falasse de si.
Abaixo, alguns trechos que me remetem à peça, aos personagens, e por conseguinte à indústria cultural, à universidade, aos meios de comunicação, etc.:

"A característica do momento é que a alma vulgar, sabendo que é vulgar, tem a coragem de afirmar o direito da vulgaridade e o impõem em toda parte. Como se diz nos Estados Unidos: ser diferente é indecente. A massa faz sucumbir tudo o que é diferente, egrégio, individual, qualificado e especial. Quem não for como todo mundo, correrá o risco de ser eliminado. E é claro que esse "todo mundo" não é "todo mundo". "Todo mundo" era, normalmente, a unidade complexa de massa e minorias discrepantes, especiais. Agora, todo mundo é apenas massa.
Este é o fato formidável de nosso tempo, descrito sem se ocultar a brutalidade de sua aparência."

"... pensar é, queira-se ou não, exagerar. Quem prefere não exagerar tem que se calar; mais ainda: tem que paralisar seu intelecto e encontrar um modo de se imbecilizar."

"... tentei adotar um novo tipo de homem que hoje predomina no mundo: chamei-o de homem-massa, e ressaltei que sua principal característica consiste em que, sentindo-se vulgar, proclama o direito à vulgaridade e nega-se a reconhecer instâncias superiores a ele."

"Ter uma idéia é crer que se possui as razões dela e é, portanto, crer que existe uma razão, um mundo de verdades inteligíveis. Idear, opinar, é a mesma coisa que apelar para essa instância, submeter-se a ela, aceitar seu código e sua sentença, crer, portanto, que a forma superior de convivência é o diálogo em que se discutem as razões de nossas idéias. Mas o homem-massa setir-se-ia perdido se aceitasse a discussão, e instintivamente rejeita a obrigação de acatar essa instãncia suprema que se acha fora dele."

Trechos extraídos de A rebelião das massas, de José Ortega y Gasset (tradução de Marylene Pinto Michael, Martins Fontes - 2002).

Lendo Canetti...

"A repugnância ao matar coletivamente é de origem assaz moderna. Não se deve superestimá-la. Ainda hoje, pelos jornais, todos participam das execuções públicas. Como tudo, também isso fez-se apenas mais confortável. Sentado tranquilamente em casa, o home pode, dentre centenas de detalhes, deter-se naqueles que mais o excitam. A aclamação só se dá depois de tudo terminado; nem o mais leve vestígio de culpa turva o prazer. Não se é responsável por coisa alguma: nem pela sentença, nem pelo jornalista que testemunhou-lhe a execução, nem por seu relato, nem pelo jornal que publicou tal relato. Mas sabe-se mais a respeito do ocorrido do que em tempos passados, quando se tinha de caminhar e permanecer de pé durante horas para, por fim, ver apenas muito pouco. No público formado pelos leitores de jornal conservou-se viva uma massa de acossamento abrandada, mas, em função de sua distância dos acontecimentos, ainda menos responsável; conservou-se aí, é-se tentado a dizê-lo, a sua forma ao mesmo tempo mais desprezível e estável. Como sequer precise reunir-se, ela evita também sua desagregação; a repetição cotidiana do jornal a provê de varieadade."

Trecho de Massa e Poder (Tradução de Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras - 2005), obra seminal de Elias Canetti, escritor búlgaro vencedor do prêmio Nobel em 1981. O trecho escolhido me fez lembrar muito de algumas questões concernentes à peça Os Amantes II.