quinta-feira, novembro 20, 2008

Ricardo Castro: uma ilha no governo da Bahia...

No man is an island entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were. Any man's death diminishes me,
because I am involved in mankind; and therefore never send to know for whom the bell tolls; it tolls for thee.

John Donne

O pianista Ricardo Castro é uma ilha no atual governo. Principalmente no que tange à cultura. Em entrevista recente à revista dominical Muito, no jornal A Tarde, Ricardo Castro expôs idéias – algumas que eu já conhecia – que reafirmaram o que eu já pensava; ele é uma nota dissonante na atual gestão – ou falta de gestão – das artes na Bahia.

Sem precisar ir pra nenhum congresso nem simpósio na FACOM-UFBA pra discutir o que é cultura, nem tampouco sem fixar a nota única que os gestores da cultura arranjaram pra dizer que fazem algo, que é descentralizar e interiorizar a cultura, Ricardo expõe idéias, utopias, conceitos, é objetivo e claro.

Se espremermos das pessoas que estão ferindo, digo, gerindo nossa arte, ouviremos questões vagas, idéias difusas, enfim, uma falta de direcionamento, de uma efetiva política cultural que contemple nossa riqueza, nossos profissionais, um pensamento que aponte para um futuro melhor, mais digno e sofisticado.

Ricardo Castro quer ter uma orquestra completa, que possa tocar Mahler. Sim, Mahler, ele não falou Maracatu. E qual o problema? Ele acha uma vergonha não termos uma orquestra completa. Ele quer contratar mais músicos, ao contrário do desmanche que tentam fazer em outras áreas, pois na atual gestão um artista ganhar dinheiro é privilégio. E mais, acha um absurdo não termos um teatro – ele até já deu o nome; João Gilberto – onde a orquestra possa tocar em dias nobres. O congestionamento do Teatro Castro Alves, pra ele, é um despautério. Ele quer que a Orquestra Sinfônica da Bahia cresça, se aprimore, tenha um programa mais efetivo, um teatro próprio (enquanto os gestores deixam os poucos que temos às moscas, basta ver o Solar Boa Vista, o Espaço Xisto, etc.).

Seu projeto Neojibá pretende profissionalizar meninos de todas as cores, cidades, crenças e castas sociais, para serem futuros excelentes músicos que possam enriquecer nossa orquestra e fazer parte do corpo estável de qualquer boa orquestra do Brasil e do mundo. As fronteiras já estão se abrindo, e bons músicos estão surgindo. Não é projeto social de inclusão pra formar um bando de desafinados, é um projeto de profissionalização. Coisa que a música erudita traz em sua organização, sua estrutura, sua formação, diferente de áreas como o teatro onde tudo pode, tudo serve e ficamos soltos num amálgama difuso de valores e princípios.

Quando Ricardo Castro fala em fundar uma escola de música, de nível internacional, na Chapada Diamantina, por exemplo, ele não enfeita seu discurso com uma comiseração e culpa, mas sim com objetividade e clareza. É um processo de abrir portas através de uma estrutura sólida, competente, baseada em técnica, estudo, eficiência. Não é dar esmola ao interior, mas ampliar o raio de ação da cultura, da arte, que pode e deve ser universal e atingir todos os cantos; mas sem perder de foco a excelência.

Ricardo Castro tem, em seu discurso, uma evidente política pública para a música clássica, de concerto, erudita, como queiram. Critica as estruturas, pensa grande, tem sonhos, quer uma profissionalização. Sua objetividade contrasta com a falta de idéias, conceitos e políticas que possam delinear algo de interessante para as artes. Passaram-se dois anos e ainda discutimos, nos reunimos, e o governo vem com a desculpa de que “nos últimos 16 anos”, blábláblá, ainda. Botem nos últimos 18, agora. E daqui a dois anos, nos últimos 20. O tempo passa e não vejo políticas públicas, não vejo um visionário que pense grande, pra frente, objetivamente e com idéias arrojadas para tirar as artes baianas do fosso que eles mesmos estão ajudando a cavar, cada vez com mais evidência.

Ricardo Castro é uma ilha. E eu já sei por quem dobram os sinos.


GVT.

sábado, novembro 08, 2008

A dança se utiliza da ação para chegar ao movimento.
O teatro se utiliza do movimento para chegar à ação.

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Mahler, OSESP e a anti-Bahia

Gustav Mahler é um dos meus compositores preferidos. Rechaçado por alguns radicais que tacham suas composições sinfônicas de irregulares, Mahler veio bagunçar o coreto restabelecido por Brahms, numa reação ao wagnerismo que assolava a Europa.

Pela via clássica, Brahms buscava as antigas estruturas, pela via filosófica, Nietzsche combatia o pessimismo, o catolicismo, o anti-semitismo e o misticismo exacerbado de Wagner, buscando antídotos a algo que se agigantava aos poucos e que culminaria, no povo germânico, em algo não muito bom para o século XX. Mas isso são outros quinhentos...

Voltemos a Mahler. Mesmo de sangue judeu, Mahler continuou sua reverência a Wagner, mas trouxe um molho especial à sua música, que misturava o popular com o cerebral, o militar com o telúrico, sua música representava a crise dos impérios, o ruir de século XIX, a dissolução de verdades que pareciam dominar o mundo e sucumbiriam com a primeira grande guerra.
Sua primeira sinfonia em ré maior, apelidada Titã, já revela o compositor que criaria algumas das mais belas, estranhas e marcantes melodias do século passado. Destaque para o terceiro movimento, onde a canção popular Bruder Martin (versão alemã do Frère Jacques) começa a levar-nos a um mundo sombrio – num solo de contrabaixo – e que vai, de forma genial, descambar para uma música de cabaré, com naipes de metal soando como numa big band. O popular como inspiração. Como princípio e meio. E a arte como fim.

A OSESP, sob a batuta de John Neschling, soube traduzir muito bem este espírito, e merece aplausos por conseguir tocar este compositor difícil e complexo, cuja obra pode sofrer de certa miopia por conta de caretices. Mahler sempre buscou o popular, buscou ser popular – em sua medida – e dialogou em seus lieds e sinfonias (a obra dele é praticamente dividida entre essas duas formas) com melodias folclóricas, com poemas folclóricos de vários continentes (ele não era um nacionalista estúpido), como também assim o fizeram quase todos os compositores eruditos, que de eruditos não tinham quase nada – boêmios, festeiros e sem aquela pompa digna dos acadêmicos que se seguram nisso para ter respeitabilidade, pois não passam de carreiristas sem talento, em sua maioria.

Penso que o artista deva transubstanciar a realidade que o cerca. A arte começa onde acaba a vida. É naquele ponto onde a criação se ilumina e transcende o real, o palpável, que vemos brotar a obra particular de um mundo fantástico, onírico, espelho retorcido de uma realidade dura, metamorfose efusiva de uma vida morna.

Por motivos que não quero perscrutar, uma histeria generalizada tomou conta da nossa terra em busca de raízes, de identidade, um desespero em se apegar ao passado, em categorizar, delimitar e dividir a sociedade. Buscamos uma legitimidade que nunca existiu, e vemos a todo instante uma segregação pensada para encher o bolso dos que organizam congressos, movimentos, associações e grupos artísticos que – ao contrário do nosso querido Mahler, se apegam sofregamente ao que de mais real existe para eles, num equívoco cultural imenso, para se fortalecer – empobrecendo a linguagem, a obra, a arte.

Pelo menos, John Neschling não precisou dizer como os aspectos de uma música estrangeira seriam incorporados ao universo da Bahia, dos artistas e dos espectadores. E nem precisou esclarecer como a sinfonia pretendia exercer impacto e diferenciação no contexto soteropolitano. E trouxe um pouco de anti-Bahia para aqueles que, como eu, ainda acreditam na arte como algo universal, sem fronteiras, e que só nos faz crescer ao nos fazer apreciar o diferente, o novo e o inusitado.

Palmas para a OSESP, que trouxe um Mahler bem executado e com o molho na medida certa. Fico até curioso em saber se a levantada dos metais, em partes pontuais da obra, era algo previsto ou invenção da orquestra. Ficou bem interessante.

Palmas aos sucessivos governos de São Paulo que legitimam a arte mais complexa, subvencionam a pesquisa – ao contrário de alguns estados que questionam a existência de núcleos de criação artística, apontam pretensos favorecidos, pulverizam verbas numa estúpida reparação não sei de quê –, e criam novas salas, novos espaços, pesquisa e dignidade, trazendo para o Brasil prêmios como os dois Diapason D´Or (um dos três maiores prêmios de música clássica do mundo) que a OSESP ganhou pelas suas gravações dos Choros de Villa-Lobos.

Um povo só cresce se avança, se olha pra frente, se estuda e se aprimora. Uma sociedade que louva seu primitivismo e faz dele a mola-propulsora de sua cultura e de sua arte, acaba por se enredar numa trágica caricatura de si mesma. O popular é o que existe, o que emana, é nossa vida, nosso dia-a-dia, nosso jeito de ser. O popular é nossa essência misturada, inautêntica e forte. E além disso, somos o que? Apontamos pra onde? Ficaremos sempre passeando entre a Casa Grande e Senzala?

Não há maior opressão do que segregar legitimando a diferença.
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pode parecer bobagem...

... Mas com um certo retardo, publico aqui o parecer da comissão do edital que participamos e não ficamos entre os três selecionados e entre os quatro suplentes:

O desenvolvimento do projeto nao esclarece as opções esteticas que farão parte da finalização do trabalho. Também omite como os aspectos de uma dramaturgia estrangeira serão incorporados ao universo da Bahia, dos artistas e dos espectadores. Não esclarece como o texto pretende exercer impacto e diferenciação no contexto soteropolitano.

Só pra lembrar, o projeto seria a montagem de Animais noturnos, peça de Juan Mayorga, autor renomado e premiado na Europa. Seria a primeira montagem de um texto dele no Brasil, bem como – através da chancela e apoio do Instituto Cervantes – proporcionaríamos a primeira vinda dele ao Brasil, para falar de sua obra aqui em Salvador. Sob minha direção, o projeto contava com o seguinte elenco: Carlos Betão, Evelin Buchegger, Marcelo Praddo e Jussilene Santana.

A comissão de seleção, como já havia dito, foi composta por Ana Lúcia Oliveira Paolilo, Cláudio Cajaiba e Jorge Vermelho, com o acompanhamento de Ney Wendell, diretor de Teatro da FUNCEB.

terça-feira, novembro 04, 2008