sexta-feira, junho 29, 2007

Radionovela - Maria Quitéria


Segunda-feira, dia 02 de julho, estréia na Rádio Metrópole (FM 101. 3) a radionovela Maria Quitéria, comigo no papel título. A novela será exibida em cinco capítulos, de segunda a sexta, com duas transmissões diárias. A primeira, às 8h, e a reprise, às 17h. No sábado 07 de julho, a Rádio Educadora transmitirá toda a sequência a partir das 8h.
Quem me conhece sabe que eu AMO trabalhar com rádio, trabalhar com a voz. E esta foi uma experiência fantástica! Os cavalos, os canhões, os tiros!! Eita... Caindo na água, correndo e lutando com espada! Só no fôlego... Adoraria que vocês ouvissem!
E quem estiver curtindo o feriadão em outro lugar, ainda assim pode curtir a novelinha pela net. Ela já está toda on-line no link aí do lado.
Aos 30 anos e noiva, Quitéria se alistou como homem (soldado Medeiros) no Batalhão dos Periquitos e lutou pela Independência do Brasil, nas batalhas baianas que culminaram com a vitória em 02 de julho de 1823.
É o TeatroNU nas festas pela Independência da Bahia!

terça-feira, junho 19, 2007

TeatroNU completa 1 ano!


Gil Vicente Tavares e Jussilene Santana.
O TeatroNU comemora um ano de várias realizações e muitos projetos.
Esperamos a participação de vocês aqui no blog!! Comentem! Critiquem!

Drama na Bahia

Por Gil Vicente Tavares
Não existe movimento, estilo, estética nem identidade no teatro que não esteja ligado à dramaturgia.
Isto não é uma tese que eu defendo, é uma realidade que nos acompanha ao longo de 2.500 anos de teatro europeu e umas poucas décadas de novas realidades ao leste e oeste do planeta.
Bem, para os incautos antiimperialistas e xenófobos de plantão, posso ter feito uma declaração duvidosa, mas me mostrem qual origem da nossa tradição teatral que não seja européia? Ah, vão ler A derrota do pensamento, de Finkielkraut, já é a terceira vez que recomendo...!!!
Mas, voltando ao foco, queria mostrar como uma pesquisa e um estilo na dramaturgia marcaram a cena e vice e versa. Basta dar uma pincelada rápida na história do teatro para vermos a forte associação da cena e do drama. Desde a tragédia grega, onde o texto era quase um evangelho recitado numa missa, numa encenação solene e ainda com ranços do ritual de onde se originou, até as peças expressionistas, onde o texto era um pretexto para expressões cênicas, quase que construído com o intuito de ser aproveitado como estopim para a encenação, a dramaturgia sempre dialogou com o momento da cena.
Vemos, então, Guarniere e Vianinha com o Arena, Tchekov com Stanislavski, Beckett com Beckett, Brecht com Brecht, seja da forma que for, uma relação sempre próxima e efetiva entre texto e cena.

* * *

O teatro profissional na Bahia surgiu buscando incentivar tudo, menos uma efetiva dramaturgia local. Lá pelos idos de 1950. Buscava-se na dramaturgia nacional e internacional a base para inovadoras encenações, numa terra ainda desacostumada a este nova realidade (infelizmente, continua assim...).
De lá pra cá, surgiram dramaturgos, mas sazonais e pontuais, ou até mesmo voltados para projetos específicos que poderiam ser a revolução dos alfaiates ou uma junção de piadas e músicas machistas.
Deste período surgem duas mulheres que batalham até hoje na área, Aninha Franco e Cleise Mendes.
Pouco depois, entra em cena Claudio Simões, e na rebarba dele mais alguns poucos. Trabalhando basicamente por encomenda, a dramaturgia baiana se via sempre requisitada para ser comercial. Ou comemorativa. Mas dificilmente experimental.
Para experimentalismos, ou buscas estéticas que não precisam deste rótulo muitas vezes maldito, os atores e encenadores buscavam fora daqui suas possibilidades, indo – muitas vezes – atrás de textos de qualidade duvidosa (mas de sucesso, o que é muitas vezes contraditório ou confirmatório).
Isso, obviamente, enfraquecia o pouco discurso que poderia se querer dizer no palco (são poucos os que pensam no discurso), enfraquecia a dramaturgia e minava a possibilidade de um diálogo mais concreto de tendências, estéticas e éticas na cena.

* * *

É com certo entusiasmo que vejo alguns basculantes (ainda não são, quiçá, janelas) serem abertos.
Alunos de direção da Escola de Teatro vêm procurando dramaturgos locais, a exemplo de Marcos Barbosa e Luis Sergio Ramos. Cacilda Povoas foi montada no Vila e está engatilhando um novo texto junto com Fernanda Paquelet. Claudia Barral escreveu uma peça para Deolindo Checcucci, este mesmo vindo sempre encenando seus textos, mais recentemente. Aninha Franco continua criando em seu reduto, o Theatro XVIII.
Outros tantos começam a aparecer ou tentar se firmar, mas a ausência de oficinas, diálogos sólidos sobre dramaturgia, pessoas minimamente capazes intelectualmente para exprimir opiniões através dos diversos veículos de comunicação, enfim, a carência de crítica no sentido mais abrangente da palavra, fazem com que surjam estrelas, mas sempre cadentes, sem solidez e possibilidade de continuidade. Dá uma impressão recorrente de fragilidade, fraqueza.
A impressão de as coisas na Bahia serem fogo de palha é muito por conta deste falta de debate e de uma efetiva associação dos criadores, artistas. Se dramaturgo não trabalha com diretor, imagine músico com artista plástico, dançarino com poeta, e tantas combinações que fizeram as artes darem claros exemplos de saltos evolutivos e estéticos?
Bem, e se a dramaturgia baiana, como um todo, fica ainda muito a desejar em alguns aspectos, lembremos que os palcos também não estão infestados de maravilhosas encenações. Ainda tem muito cego em tiroteio jurando que são fogos de artifício.

Não sei ainda que tipo de bicho é esse; a dramaturgia baiana. Mas as coisas poderiam estar piores.

GVT.

Teatro Nu faz 1 ano!

Dia 16 de junho completamos um ano de existência. A estréia do blog foi com uma longa reportagem feita por Jussilene Santana, atriz do Teatro Nu, falando sobre os 50 anos da Escola de Teatro.
Depois, participamos de uma homenagem aos 50 anos de morte de Bertold Brecht, e na volta de Roma, onde estive para a leitura de dois textos meus – Os Javalis e Os Amantes II – resolvemos montar o segundo e estrear o Teatro Nu nos palcos baianos; nossa primeira montagem.
O blog acompanhou todo o processo, com vídeo dos ensaios e discussões, fotos, notas sobre a montagem, breve currículo da equipe, enfim, um diário de bordo para dialogar com o público e nos fazer repensar, escrever e discutir nossa arte.
Tivemos ainda o prazer de ter textos de Rodolfo di Giammarco (crítico italiano responsável pela minha ida a Roma) e de Letizia Russo (talentosa dramaturga italiana que traduziu algumas peças minhas, dentre elas Os Amantes II).
Voltamos em 2007 com textos sobre teatro, críticas, ensaios e citações que provocassem o leitor. Contamos, esse ano, com a colaboração de Ildásio Tavares e novos textos de Jussilene e meus. Queríamos criar um diálogo com as pessoas para discutir sociedade, arte e cultura e assim fomentar um debate duradouro, abrindo possibilidades e alimentando nossa vontade de continuar discutindo – no palco e no blog – o mundo em que vivemos.
Recebemos muitos e-mails. Às vezes até demais. E em contrapartida tivemos muitos poucos comentários no blog. Não sei se por receio, inabilidade eletrônica ou até mesmo pelo fato de achar que um e-mail é mais efetivo, a parte dos comentários no blog – fundamental para estimular-nos a dar continuidade e botar mais o dedo na ferida – foi a mais fraca.
Esperamos que mais pessoas interajam com o blog, já que cada dia crescem mais as visitas, aumentando os números de nosso contador.
Aproveitem e dêem uma passada de olho pelo blog todo, quem não acompanhou mais assiduamente. Talvez lá atrás vocês encontrem coisas que não leram, não viram, como eu mesmo fiz, aproveitando a ocasião desse aniversário.

GVT.

sábado, junho 09, 2007

Artigo gentilmente cedido por Ildásio Tavares, publicado na Tribuna da Bahia de sábado, dia 9 de junho de 2007

A DISTRIBUIÇÃO DA CULTURA
Ildásio Tavares

Quando venho aqui, prestar minha modesta contribuição para uma cultura, da qual faço parte como criador e como gestor assíduo, não me limito a emitir palpites baseado exclusivamente no meu referencial, arvorando-me a dono da verdade. Não. Procuro discutir realidades a partir de uma longa vivência da coisa cultural, com quem lidei em épocas diversas; com diversos enfoques políticos; a partir de estratégias diferentes. Quero crer que a minha experiência e tirocínio sirvam para abrir uma janela para os que conduzem o barco cultural nesta transição Bahia. Janela onde poderão se debruçar sobre um representante de classe com a melhor das intenções e uma considerável folha de serviços prestados.
Ouço falar numa mentalidade descentralizadora que buscaria dividir melhor o apoio cultural do governo, ampliando a intervenção no interior, ou seja, despir um santo para vestir o outro. Tivéssemos uma capital pujante artisticamente, com atividades prósperas em todas as áreas, e mesmo assim haveria um esvaziamento no todo. Os fatos sociais ocorrem por capilaridade, imitação. Capital vem do latim caput que quer dizer cabeça. Antes de fortalecer um corpo, é necessário ter uma cabeça sadia e equilibrada. O interior não quer fazer arte interiorana, assim como a capital não quer fazer arte estadual. Todo projeto artístico é um caminho de crescimento.
Um estado com um movimento artístico e literário estruturado tem na capital um pólo de atração e aperfeiçoamento que depois se redistribui. Um surto cultural não virá por dirigismo nem geração espontânea no interior. Numa primeira etapa, urge que se estruture a capital e Salvador fica atrás até de Curitiba, pra não falar no Rio, São Paulo e Porto Alegre. O que ocorre é que a cultura popular da Bahia é tão forte, rica e sedutora que ela causa uma atrofia no setor erudito, mais desenvolvido nas capitais que citei, exceto aqui por alguns guetos de excelência, como o Balé do TCA, por exemplo. E o Viladança, que ganhou o Prêmio Nacional Petrobrás. É babaquice pensar a arte erudita como burguesa. No auge do stalinismo, a URSS jamais pensou em extinguir o Balé Bolshoi.
Arte de boa qualidade custa caro. Uma tentativa horizontal de democratizar a arte vai mediocrizá-la. Deve-se investir nos focos de excelência para depois distribuir o seu “know how”, socializar a sua experiência. Uma bolsa cultura seria impossível, porque a fome de arte varia de pessoa a pessoa, de lugar a lugar, e seria impossível satisfazer esta fome sem uma estrutura montada que pensasse as diversidades locais e administrasse o dinheiro, evitando a corrupção que existe até na bolsa família. Nossa arte nos representa.Vamos repensar a experiência da Bahia e não castrá-la. Em Lisboa, nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, assisti a uma récita consagradora do Balé do TCA, ovacionada de pé pelo público. Saí do teatro de peito estufado. Orgulhoso de ser baiano.

terça-feira, junho 05, 2007

Essa platéia é um espetáculo

Por Jussilene Santana
Cena 1
A platéia numerosa compra baldes de pipoca, irrequietos bombons e indiscretos refrigerantes. Sento para assistir uma sessão ininterrupta, que recomeça a cada duas horas. Um estímulo a mais, já que posso ir logo depois do trabalho, na quarta-feira, que é mais barato. Se fosse apenas sábado à noite, às 21h ficaria com uma preguiça... Como está tudo pronto, o modo como me comporto assistindo não interfere na realização do produto. No máximo, na recepção dele. Mas isso é um problema para o casal ao lado.

Cena 2
Interna. Casa. Noite. Jantar. Comento sobre o dia com minha mãe, enquanto passo a saladeira. Ouço a gargalhada da atriz e olho para a TV. Continuo conversando, comendo e observando.

Cena 3
Terceiro toque. Silêncio. Um pigarro. Outra tosse. Olhares impacientes. Silêncio ainda maior. A luz se acende e um ator aparece. Imóvel eu observo tudo, sinto até que a cadeira é bastante desconfortável. E ainda faltam 2h!...

Cena 4
Ela é Julieta. Ele é Romeu. Eles se amam. O público acompanha a narrativa como se assistisse ao final de um Ba-Vi. Gritam: fica com ela! Ou: ela é feia para você! Gargalhadas. Detalhe: quem interpreta Julieta é um belo rapagão de peruca loura. Alguns riem. A maioria está de pé. Se o público não gosta, atira frutas podres. Aplausos e assovios ansiosos não esperam as cortinas, que sequer existem. Shakespeare assistindo a tudo, sorri.

Aposto que você achou que a cena três é, se não a mais fácil de se representar, pelo menos o ideal para se escolher. Afinal, não esperamos tudo de uma platéia, apenas que ela se comporte como tal!

O engraçado é que o comportamento da platéia em relação a uma encenação passou por grandes mudanças nestes últimos dois mil anos. Às vezes mais, às vezes menos discreta. O certo é que público, e mesmo atores, já não sabem qual é o certo. Dizem: no teatro é silêncio sempre.

Contudo, por volta de 1550, Shakespeare realmente não era encenado com tanta deferência. A turba, recém saída da Idade Média, assistia ao futuro clássico com a mesma atitude que tinham frente aos autos medievais. E interferiam, zombavam, urravam. Foi a platéia aristocrática e, depois burguesa, nos dois séculos posteriores que colocou ordem na casa. Sacralizou a encenação teatral. A arte era, mais do que nunca, uma religião e deveria ser res-pei-ta-da. Silêncio. Schhiii.

A maioria das convenções teatralizantes e distanciadoras surge nesta época. A quarta parede (a linha invisível que separa a cena do público e que faz com que os atores “não vejam a platéia") nem sempre existiu. Mas, na vera, sabemos que são atores fazendo personagens ali em cima. O aplauso e as vaias são as únicas maneiras de “combater” a imobilidade proposta ao espectador (sente-se, comporte-se e assista!). É, por excelência, o momento onde platéia e atores sempre se encontram para além da ficção.

Curioso é notar porque entre as palmas e o muxoxo, ninguém vaia mais neste país! Acho que o último espetáculo vaiado no teatro brasileiro foi Dorotéia, na primeira montagem carioca, isso em 1950!! E isso com Nelson Rodrigues, um marco do modernismo teatral no Brasil, já alvo de outras polêmicas! Hoje a platéia está careta, perdida e amorfa. E pior: se achando o máximo! Só quer ser paparicada! "Me dêem o que eu nem sei que quero. Mas me satisfaça". Também, entre tudo que é possível se mostrar num palco e depois de tudo que o século XX fez, o que é mesmo teatro, ein?

Um grande ponto para a confusão de modos é a quebra de linhas rígidas de encenação. Muito se discutiu depois de Brecht sobre a opressão do espectador. Outra influência mais clara é o modo peculiar de assistir produtos pré-gravados, como o cinema comercial (que possui diversos horários à disposição da minha atribulada vida) e a TV (a grande invasora do cotidiano). “A TV, na verdade, é que me assiste”.

Um ponto para nossa reflexão é lembrarmos, por exemplo, que no Japão, o teatro burguês não fomentou em nenhum momento o rompimento entre platéia e palco. E o público, ainda hoje, tem liberdade de falar, comer e beber durante o espetáculo. Pobre dos atores...
Por Jussilene Santana, re-editado em 05 de junho de 2007
junesantana@gmail.com


segunda-feira, junho 04, 2007

Paternalismo na arte ( da série sobre a "crítica da razão teatral")

Aproveitando-me do nome do grupo (Teatro Nu, pra quem não sabe), afirmo que o palco é o lugar da nudez absoluta. Lá, atores despem-se de si, autores despem-se de ser. É o espaço onde Gideon Rosa, um mulato cor-de-burro-quando-foge, pode fazer um negro sul-africano, como é o caso de Mestre Haroldo... (Fugard/Hackler), ou Harildo Déda, um sergipano da cabeça grande, pode fazer um nazista alemão, como em Antes da reforma (Bernhard/Tavares). Porque são dois grandes atores, são duas representações; é teatro.
Portanto, não me interessa se quem está no palco é fúcsia, se está com o nome no SERASA, se tem três pernas ou se veio de uma gruta da Chapada Diamantina. No palco, ele passa a ser um ator, passa a fazer arte.
É muito comum que os desfavorecidos recebam, cada vez mais, favores. São protegidos como seres diferentes num momento onde se discute igualdade; e fazem questão disso. Não me compete aqui discutir questões para as quais não tenho formação suficiente pra discutir (sim, eu faço isso, por incrível que pareça e num momento onde qualquer um pode ser filósofo, artista, crítico e cientista político: foi-se o tempo onde nos achávamos apenas técnicos de futebol e farmacêuticos...). Contudo, na seara da arte, minha seara, penso que posso fazer certas colocações.
Ao contrário da subjetivação e da abstração que o teatro pretende, é cada vez mais comum se identificar e realçar os pobres coitados que estão no palco. Num momento onde a arte está sem esteio – pois os ignorantes viraram senhores da verdade – não se vê mais num palco um grande ator, um grande trabalho de criação de um personagem, um bom trabalho vocal, uma presença cênica marcante, uma boa técnica de contracena, um bom jogo de interpretação; vê-se se a pessoa é fúcsia, se está com o nome no SERASA, se tem três pernas ou se veio de uma gruta da Chapada Diamantina. E os aplausos vêm disso, bem como os prêmios, as verbas de editais e finaciamentos, elogios da imprensa e a comiseração da classe média recheada de sentimento de culpa.
Recentemente, o Viladança realizou o mês da dança, com um ciclo de palestras, apresentações locais e de fora. Neste mês, os espetáculos apresentados, em sua grande maioria, comprovaram a crise atual das artes, mas um espetáculo específico me chamou a atenção e pareceu ser a salvação do mês; Judith quer chorar, mas não consegue.
Um espetáculo bem realizado, com movimentos bonitos, uma música – ao vivo – bem escolhida e realizada, cenário simples, mas funcional. Mas um detalhe não poderia passar desapercebido dos paternalistas comiserados de plantão: era um espetáculo realizado por um cadeirante.
No espetáculo, o que menos importava era isso. O público estava ali assistindo arte. E arte bem-feita. O grande “senão” do espetáculo, pra mim, era o momento onde Edu O., o intérprete, fazia um monólogo que era a denúncia de um fato ocorrido com ele, onde ele, enquanto cadeirante, sofreu com a falta de estrutura da cidade para comportar deficientes e, em decorrência disso, sofreu também uma ameaça por estar sozinho, em condições desfavoráveis.
Que ele escreva pro espaço do leitor de algum jornal, ligue pra Varela – um programa de TV sensacionalista mas utilitário – faça passeata ou invada a câmara dos vereadores, tudo bem. O teatro é que não é pra isso. Até porque, através da metáfora de uma lagarta que tinha receio de voar, ele atingiu muito mais belamente e intimamente o público, utilizando-se de seu lirismo pra falar da realidade. Isso é teatro.
Pois é. Tomei pavor de qualquer espetáculo que fala do sertão, por exemplo. Agora, botar gente maltrapilha e maquiada, cantando xaxado e maracatu, é o grande barato. Eu não suporto mais. Nossos olhos parecem estar contaminados daquele sentimento de comiseração que tanto me parece ridículo e perigoso. A partir do momento que olhamos com pena, com piedade, estamos automaticamente nos sentindo superiores, estamos isolando o outro como o coitado a ser contemplado, atendido. A partir do momento que tentamos valorizar o diferente, estamos nos credenciando a sermos juizes, estamos mostrando que o outro precisa de esmola, cuidados diferenciados, maior valorização e oportunidade. Queremos incluir através da exclusão, da separação, da diferenciação.
Acredito na igualdade. Fui criado e educado – tanto em casa como segundo conceitos mais recentes da biologia – aprendendo que todos são iguais, que não existem raças, que não existe ninguém melhor do que ninguém. Tudo é uma questão de oportunidade para se chegar à igualdade. Oportunidade esta que o palco dá e as pessoas negam, enfatizando suas fraquezas e diferenças, sua exclusão, assumindo a postura de vítima, de sofrido, de diferente.
Insisto que o palco é o lugar do se desnudar. Por favor, não vistam o palco de comiseração e hipocrisia. Eu quero ver bons atores, bons textos, e isso está muito difícil... Não se precisa mais estudar, aprender, basta ser a pessoa certa, no local certo, e todos gostarão de você. Até porque, coitado, você é isso, e aquilo outro, e mais aquela coisa que faz de você alguém que precisa ser louvado pra não se sentir inferior.
É uma era populista, onde se rateia por entre os “fracos” a possibilidade extinta da excelência, como se a arte fosse o espaço da distribuição de renda, de oportunidade de aparecer.
Alain Finkielkraut, no atualmente imprescindível A derrota do pensamento[1], criticando este pensamento comiserado moderno, mostra que atualmente pensa-se que “é preciso desaprender a classificar, a privilegiar, a hierarquizar. É preciso dispersar a beleza e a verdade (...) e dissolver, assim, os dois componentes do valor na abundância das ‘sensibilidades culturais’”.
Pra quê incentivar uma elite cultural[2], como fez Edgar Santos, trazendo grandes cabeças para a UFBA? Pra que surjam Glauber Rocha, Gilberto Gil, João Ubaldo Ribeiro, Caetano Veloso? Que bobagem...
Que tenhamos milhares de coisas ruins, mal-feitas, toscas, mas que possamos dar oportunidade a qualquer um. Ficamos sem nenhum sentimento de culpa, sem nenhum peso na consciência, sem nenhum desfavorecido esmolando, e sem nenhuma arte.

GVT.

[1] FINKIELKRAUT, Alain. A derrota do pensamento. Editora Paz e Terra. São Paulo, 1988.

[2] Leiam atentamente: elite cultural. Que pode ser tanto o ambiente intelectual do Iluminismo francês que fez surgir Rousseau e Voltaire, quanto o ambiente musical do Morro da Mangueira que fez surgir Cartola e Nelson Cavaquinho.