quarta-feira, janeiro 14, 2009

poesia e música nas escolas já!


Passando por cinco recuperações de matemática na minha vida, olhava praquelas equações cheias de números, logaritmos, esôfagos, ornitorrincos e panturrilhas, enfim, um monte de coisa que eu não sabia o que significava – e tinha imensa preguiça de estudar – e me perguntava; pra que ser obrigado a estudar tudo isso?

Meu primeiro zero foi em química, primeiro ano do segundo grau. Não sabia a diferença de uma ligação de elétrons pra uma ligação de trompas. Mas eu tinha que passar no vestibular. Nós começamos, hoje em dia, a ser alfabetizados para passar no vestibular. O colégio que estudei no Rio de Janeiro, Senador Corrêa, fechou porque preparava os alunos pra vida, e não para o vestibular. Ora, a vida passa pelo vestibular, caros utopistas como eu.

É impossível lutar contra o sistema. A história provou isso. O ideal é entrar nele e demoli-lo por dentro, ou aceitá-lo; como a maioria faz. Principalmente numa sociedade capitalista, mecanicista, tecnocrata e conservadora. Como diria o velho ditado: já que não pode lutar contra eles, junte-se a eles.

É justamente indo nesse caminho que faço uma proposta que abarcaria o ensino de todas as escolas do país, desaguando no vestibular.

A primeira proposta seria que desde a quinta série primária o aluno tivesse aulas sobre métricas, versos, rimas e afins ligados à poesia. Ao final de cada unidade, esse aluno seria obrigado – sim, obrigado como ele é a fazer qualquer tarefa de qualquer disciplina – a escrever um soneto. Esse soneto valeria como nota, seria analisado em termos de métrica, originalidade, ritmo, etc. E teria o mesmo peso que uma prova de matemática.

Isso seguiria ao longo do ensino médio, talvez aprimorando no primeiro e segundo ano do segundo grau para algo mais complexo, uma glosa, décimas, um conjunto de sonetos interligados por um tema, enfim, a cada unidade o aluno seria cobrado e comparado em seu avanço.

No vestibular, o soneto, ou conjunto de sonetos – essa parte eu teria que me aprofundar, caros Fernando Haddad e Adeum Sauer, dentre tantos outros – valeria o mesmo peso que a redação. Depois de seis anos em contato com a poesia, esse estudante poderia fazer faculdade de ciências contábeis, assim como alguém que se virou nos problemas matemáticos a vida inteira pode fazer belas artes.

Muitos podem ter torcido o nariz para a palavra “obrigação” no que se refere à minha proposta. Mas esse papo de que a arte é o espaço do lúdico faz essa disciplina ser uma confusão e uma enrolação que não ensina nada a ninguém, e o adolescente cresce na esculhambação, pesando que fazer arte é recreio. Não. Obrigar o aluno a fazer soneto, sim.

E por que soneto? Bem, depois que o genial Walt Whitman (antes dele Rimbaud, etc) abriu de vez o caminho para o verso livre, tivemos, na poesia, gênios como Pessoa, que se utilizaram do verso livre pra fazer uma obra genial, mas também um monte de coisa ruim, sem critério. Hoje em dia, basta a pessoa fazer um jogo de palavras, criar umas frases de efeito e dizer o que o leitor quer ouvir e já é um poeta. A prisão do soneto dava e dá menos espaço, porque quanto mais limite a arte dá ao artista, mais genial ele tem que ser, e mais desafiado ele se sente. E Pessoa só escreveu o que escreveu em versos livres porque era um excelente versador, com grandes sonetos. Sabia tudo de ritmo, de métrica, e o verso livre, por incrível que pareça, tem também sua métrica e seu ritmo, não são sentimentos jogados no papel.

A outra proposta seria que o aluno, desde cedo, entrasse em contato com a música erudita, clássica, chamem como quiser. Já na quinta série, ele experimentaria – cobrado e com nota – compor suas primeiras peças simples, na partitura, pra piano. Depois, iria evoluindo pra escrever para piano e flauta, fagote e oboé.

Pra não me delongar muito nisso – e peço perdão ao ministro, aos secretários todos de educação por não ter elaborado um plano concreto e efetivo – o fato é que esse aluno teria que compor uma sonata no vestibular, sendo analisado por sua escrita, arregimentação, harmonia, contrapontos, etc, valendo igual nota a uma prova de química, por exemplo.

De alguma forma, esse adolescente teria contato com grandes obras, saberia lê-las. Aos que me dirão que a obrigatoriedade faria muitos detestarem poesia e música clássica, eu respondo com um simples; a maioria dos adolescentes já odeia e nunca vai ter oportunidade clara de contato com essas artes. Se ele vai tomar outro rumo, isso é problema dele. Mas teríamos – assim como temos músicos que sabem fazer cálculos (e música e matemática estão muito perto) – matemáticos que sabem o que é uma sonata, químicos que sabem o que é um soneto – tendo passado pela experiência de ter feito um. E se isso não abrir a cabeça e a sensibilidade dessa pessoa, aí, nem com marreta. O exercício da escrita e a necessidade da inspiração nos obriga a ler, conhecer, tentar imitar e se reconhecer no que fazemos. Ao invés do menino ir pra todos os ensaios de tal grupo de pagode, ou ensaios de bloco, ou perder tardes na frente de uma televisão ou videogueime, esse menino teria que estar elaborando um soneto, contando as sílabas, pensando um tema, buscando inspiração para uma melodia ou contraponto.

Caro ministro e caros secretários de educação, essa idéia precisaria ser implementada com urgência, garanto que geraria bons frutos. Mas, por favor, não façam milhões de reuniões inúteis nem entrem com assuntos ligados a democratização, interiorização, cultura popular e raça. É muito tempo perdido e muita gente que não sabe onde põe a cabeça, mas tem opinião formada sobre qualquer assunto, da microfísica do poder das abelhas à energia quântica do peido das baleias.

Chamem profissionais competentes, experientes (sou um dos excluídos, que isso fique claro), que possam elaborar um plano efetivo e concreto a respeito disso.

Só mais um adendo. Frente a tanta inoperância, corrupção e incompetência do poder legislativo, poderia se pensar um piso salarial equitativo para parlamentares e professores. Pra mim, os segundos são muito mais importantes do que os primeiros. Mas por enquanto, caro Fernando Haddad, torço com você, ao menos, pelo piso de R$950,00; que é uma miséria para um profissional fundamental na nossa vida.


GVT.

uma pequena entrevista...

Como seria cabotino demais reproduzi-la aqui no blog, segue abaixo o link para uma entrevista concedida ao sítio Itapoan on line:

http://www.itapoanonline.com/main/teatrobaiano/default.aspx


GVT.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Meia-entrada, públicos, políticos, todos estes em estados críticos...

Atendendo ao pedido de um leitor do blog, vou tentar me pronunciar sobre a nova lei da meia-entrada, aprovada no congresso. Mas, como sempre, terei que ampliar o debate para dois conceitos que já queria discutir aqui no blog; o público-massa e o público-espontâneo (com todos os hífens anti-reforma hortográphika possíveis). Para definir um, estarei inevitavelmente caracterizando o outro.

Ir ao teatro deixou de ser lazer depois que a televisão, o cinema e a preguiça mental tomaram conta do público comum. Poucos são os que vão espontaneamente ao teatro. Quando digo espontaneamente, me refiro a uma pessoa que – por vontade pessoal e desejo particular – pega um jornal, acessa um sítio na rede ou pergunta a algum amigo pra saber sobre espetáculos que possam estar passando na cidade (gerundismo anti-telemárquetim).

Conseqüentemente, esse “público”, a partir de suas referências culturais (hum...) vai analisar a ficha técnica daquele espetáculo, de quem é o texto, se ele dialoga com algum tema, linguagem, estética ou literatura que lhe interesse, e decidirá sair de casa para ter uma noite de apreciação artística, deleite – ou não, mas na vida tudo é experimento – num determinado teatro de sua cidade onde ele já conhece e acompanha, vez por outra, a programação, e já foi recentemente ver algo que lhe agradou ou decepcionou profundamente.

Esse público espontâneo sabe que um mesmo artista – se for um artista (e está difícil achá-los cada vez mais) – pode acertar ou errar, o elenco pode brilhar ou se equivocar, mas ele vai procurar ver o que, daquela equipe, pode surgir de novo, ou repetidamente acertado ou errado, e com isso chegar à sua própria avaliação, seu próprio sentimento. Aquilo ali vai ajudá-lo a ver, por qualquer via que seja, o mundo que está à sua volta, dentro de si, num lugar que ele não imagina ou que desejaria mudar.

Esse público deve existir, mas está tão escasso quanto o verdadeiro artista, a arte que valha a pena, e chego a me perguntar certos momentos sobre as várias culpas e a história do ovo, da galinha, da granja e do galo vão se interligando, se misturando, e no fim tem culpa eu, tem culpa tu, tem culpa o rabo do tatu.

O público-massa é aquele que vai para o espetáculo por indicação, porque aquele espetáculo o diverte com piadas preconceituosas e lugares-comuns melodramáticos ou políticos que o levarão às suas referências da TV, do cinema comercial e das músicas velozes, já que nem as ligeiras (procurem algo sobre Adorno, quem não conhece e se interessar) servem mais. Esse público vai ao teatro ver o ator da novela, e liga de lá dizendo que está vendo fulano. A encenação, o texto, as atuações dos coadjuvantes – que, em sua maioria, superam a da estrela – não interessam, ali está o status social de se sentir na Ilha de Caras (não das cabras; conferir postagem abaixo...).

A lei da meia-entrada propõe que o produtor só tenha a obrigação de vender 40% da lotação da casa para estudantes, maiores de 65 anos e, principalmente, os falsificadores que – em sua maioria – pagam contas (inteiras) em xópins e bares, mas só vão ao teatro por se sentirem levando vantagem em roubar dos artistas a bilheteria que muitas vezes nem paga o transporte destes.

O público-massa se acotovela para ver o sucesso da temporada, a peça com ator de novela, a baixaria feita por artistas duvidosos. Pra estes, será um imenso lucro essa lei. Quem quer assistir, acaba pagando a inteira pra poder realizar seu fetiche – e não apreciar a obra artística – e a equipe do espetáculo sai lucrando, pois 75% da platéia sempre são de meias-entradas e isso diminuiria sensivelmente, aumentando a renda da produção.

Agora vamos pensar nas produções que não se ancoram em estrelas, em apelações, em sucessos fáceis e na sorte – de uma em mil – de agradar ao público com algo diferente, experimental e novo. Pensemos num teatro de 200 lugares. 40% disso são 80 lugares. Ter 80 pessoas por dia – em média – numa casa de 200 lugares, durante uma temporada, já seria um bom público. Mas imaginemos metade da casa. 100 pessoas. Se 75% são de meias-entradas, significa que 75 pessoas pagarão meia. Não se chega nem às 80 pessoas previstas pela lei.

Ao fim e ao cabo, a meia-entrada – que não é coberta por nenhum órgão, portanto é tirar metade do cachê de um artista que não paga metade do lanche que ele faz no teatro, não paga metade da passagem de ônibus que ele pega pra ir e voltar ou metade da gasolina que ele põe no carro, enfim, essa lei acaba enchendo mais o bolso de quem já ganha e quase não interfere na produção mais alternativa; que é a grande produção deste país e que geralmente produz coisas bem melhores que o que vemos com preços altíssimos e filas imensas (salvo honrosas e desastrosas exceções para os dois lados, é claro).

Gilberto Gil passou seis anos pedindo mais dinheiro pra cultura. E o máximo que a imprensa fez foi caricaturá-lo como chorão, e os parlamentares deram as costas como algo insignificante, bem como o executivo deu um jeitinho, mas nada de muito expressivo aconteceu. No Estado, vemos a pouca verba ser mais ainda pulverizada e democratizada entre profissionais, amadores e aventureiros, sem distinção de formação, valor artístico ou relevância cultural, na maioria das vezes. Municipalmente, vereadores não sabem nem discutir cultura e arte, e a prefeitura ignora tudo isso há anos (me aterei mais à Prefeitura da cidade de Salvador na próxima postagem, aguardem).

Enfim, não há interesse de criar e aprovar leis que beneficiem as artes. Políticos de todas as esferas são tremendos analfabetos artísticos, não tiveram nem querem ter uma formação cultural sólida, e parecem não querer o mesmo para a população, pois um povo com cultura vasta se torna um grande povo, e não vai aceitar políticos de merda.

Quem sabe se os governantes e parlamentares, com suas plataformas de campanha, consigam mudar esse panorama, educando e dando cultura ao seu povo? Se isso foi uma piada apelativa? Bem...

Tendo salas de espetáculo sempre cheias de um público-espontâneo, talvez essa lei possa ser repensada. Aposto que 95% dos artistas brasileiros adorariam ter suas casas lotadas de meia-entrada, ou quem sabe, como dizem alguns que vai acontecer, com preços mais reais, únicos, que não pesem nem no bolso do estudante e nem esvaziem ainda mais o do artista.


GVT.

quinta-feira, janeiro 08, 2009

teatro e ritual; uma diáspora necessária...


Acabei de vir de um enterro. Não um enterro qualquer. Ultimamente, tenho acompanhado alguns enterros de gente de candomblé, e é um ritual à parte que se faz no cemitério.

Ao retirar o caixão do velório, começa-se a entoar cânticos da nação correspondente à pessoa que faleceu, e os ogãs, ou tatas, vão levando o caixão até o lugar de seu sepultamento. No caminho até lá, pessoas incorporam, ou viram no santo – como comumente se diz – e vão dando seu ilá (grito característico de cada entidade) até o final. Outra cântico é entoado enquanto vedam a sepultura e, ao final, todas as pessoas incorporadas dão um último ilá como forma de adeus àquela pessoa falecida.

É um ritual emocionante, puro, sincero e desapegado de qualquer sentido de mostrar, aparecer, ser visto, é um rito – talvez mais forte até que a própria festa no barracão, onde egos se inflam – de passagem, de despedida, manifestação primeva que nos remete aos ancestrais dos ancestrais dos ancestrais...

Hoje, num lapso de desatenção, passando ao lado de jazigos monumentais, ao lado de Castro Alves e de tantos desconhecidos importantes para alguém, pensei sobre a grande bobagem que me parece esse resgate (seqüestraram?) que querem fazer do ritual no teatro.

Mais do que natural, foi necessária a separação do rito para que o teatro chegasse aos nossos dias como o conhecemos; jogo, apresentação, ludicidade. A seriedade do ritual não pertence ao teatro. O sagrado palco que pisamos é espaço de profanação. Pelo seu próprio caráter transgressor e revolucionário o teatro se desvincula do ritual por este ser o lugar da tradição, da conservação, enquanto o teatro rompe e questiona, critica e transcende o padrão.

Vem-me logo à cabeça o trabalho de Zé Celso, à frente do Teatro Oficina. Diz-se ali que eles procuram uma volta do teatro ligado ao sagrado, mas qualquer um mais atento vai perceber na transgressão de Zé Celso que ele reinventa o mito, portanto desconstrói o rito. Logo, não há ritual, há o jogo, inadmissível para quem cultua suas obrigações e liturgias, todas elas seriamente ligadas às divindades e, portanto, rito, não jogo.

O teatro está muito distante daquele enterro que eu fui. Não são aquelas pessoas naquela crença e naquele momento que podem trazer uma imagem teatral na minha mente. Nem tampouco passa pela minha cabeça que aquele momento possa ser vampirizado por mim, como fazem aqueles que se promovem vendendo o exótico. Aquela “procissão” acaba ali. Pode até me inspirar uma imagem cênica, mas aí já é teatro, não é ritual.

Acho engraçado aqueles atores que acham que entram num certo transe pra fazer teatro. Respeito o processo de cada um, mas a incorporação, por mais que venha de ações físicas, é um processo que envolve a criação artística, e não um processo litúrgico sedimentado por qualquer religião (e, no fundo, todas as liturgias se parecem...). E há fiéis seguidores que parecem vindos da Universal do Reino de Deus, acreditando que aquela incorporação quase mágica, quase mítica, enleva-os aos píncaros do fazer teatral, píncaros estes que a platéia, geralmente, não percebe, só quem está fazendo e levando a sério aquilo.

É óbvio que – parodiando Pessoa – há um pouco de tudo em cada coisa. Estamos constantemente contaminados pelo que vem de fora, pelo que nos inspira, pelo que vemos, ouvimos, sentimos e imitamos. No teatro não é diferente; seja ele físico ou metafísico, visceral ou cerebral – e no fundo todos eles se contaminam entre si e não há pureza.

A etnocenologia estuda a espetacularidade de manifestações folclóricas e religiosas, e, há, sim, o que estudar. O teatro bebe de várias fontes, inclusive daquelas donde, enquanto nascente, ele surgiu. Mas o teatro existe quando se separa do rito, vira jogo, representação e se distancia do sagrado.

Apesar de o teatro ser mais sagrado pra mim do que qualquer religião.





GVT.