terça-feira, setembro 04, 2007

Que cultura para todos? ou: a raiz da questão...


A cultura brasileira é uma invenção.
Foi inventada, primeiro, a partir do contato dos portugueses com os índios, Anchieta, etc. Depois, com a vinda dos africanos, através do tráfico negreiro. Aí, depois, veio holandês, alemão, italiano, e desse caldeirão cultural foram inventadas nossas “raízes”, termo contraditório por não ser uma coisa enraizada, e, sim, trazida de fora.
Poucos sabem, mas a manga veio da Índia, não é típica, e todos pensam ser uma das frutas mais brasileiras que existem.
Com nossa cultura acontece o mesmo. Principalmente tratando-se de periferias e interior da Bahia, mais especificamente, tenta-se resgatar (como se alguém tivesse seqüestrado) tradições populares que não são nada mais do que manifestações – em sua grande parte religiosas ou diretamente relacionadas ao culto de santos e divindades estrangeiras – trazidas, em sua esmagadora maioria, da península ibérica; mas com decisivas influências também do estrangeiro, do africano.
Sim, África e Europa são continentes diferentes do nosso. Com exceção de algumas colônias mais ao sul, ninguém tem sangue puro nessa terra, quase ninguém pode se gabar meramente de afro-brasileiro, ou luso-brasileiro. Muito menos trazer características de fora como de raiz.
A cultura brasileira tem que ser repensada como uma releitura das tradições estrangeiras. Nas capitais, estas releituras se estabeleceram de forma mais consistente por conta dos recursos e concentração de capital e educação. O interior, bem como as periferias – o interior da capital – sofreram com um esquecimento, com uma falta de cuidado, com uma falta de investimento. Naturalmente, ficaram com suas tradições mais desguarnecidas, amparadas pela manifestação popular.
Mas pensamos sobre as filarmônicas do interior. Instrumentos, melodias, harmonias e técnica européia. Traduzidas para o país. E me pergunto por que um músico de uma filarmônica do interior não tem o direito de tocar tão bem quanto um músico da orquestra sinfônica.
Pensamos no teatro feito no interior. Resistente de forma desarticulada, sem um espaço adequado, sem uma formação adequada. E me pergunto por que que o teatro feito no interior tem que ser tosco, mal-feito, sem técnica.
Se algum incauto me responder que é por conta das tradições, que são diferentes, eu prefiro que esta pessoa vá estudar história um pouco mais. As manifestações do interior e da periferia são tão arte quanto a da capital, só que desamparadas de recursos. Ao longo de séculos, isto acabou se tornando tradição. Mas tradição por carência, deficiência, falta de oportunidade.
Quando se procura estimular a periferia e o interior a buscar suas “raízes” – leia-se, a falta de oportunidades, recursos, técnicas e amparo – através de oficinas, apoios pontuais, incentivos, toma-se uma atitude totalmente violenta, arrogante e separatista. Nossas raízes são as mesmas.
Não está na raiz de nenhum dos dois a forma primitiva, folclórica, amadora e “tradicional” de suas manifestações. E sim na falta de oportunidades. Quando se incentiva o carente (seja ele financeiro, cultural, social, educacional) a bater tambor (africano, muçulmano, europeu?), a dançar “danças típicas” (típicas da África, Europa, Oriente Médio?), a fazer teatro amador, a tocar desafinado em sua filarmônica, está-se automaticamente excluindo esta pessoa das oportunidades que ela poderia e, na maioria das vezes, gostaria de ter. Cria-se, automaticamente, um fosso imenso que separa os carentes; numa atitude assistencialista onde eles não têm perspectiva de crescimento, conhecimento, para além do discurso equivocado de “raízes e tradições” – como se eles não fossem capazes e merecessem mais e além do que têm, e apenas poucos têm por conta da má-distribuição de recursos e meios para melhorar.
A periferia e o interior estão cheios de gente talentosa, e não podemos usar exceções como exemplo, como alguns mestres que criaram sua própria técnica. A capital também tem seus autodidatas, mas são exceções que confirmam a regra, já que são casos que se enquadram em questões subjetivas; e ações, políticas e estímulos não podem contar com o inefável, o imperceptível, o incompreensível – senão vira religião.
É claro que não se trata de acabar com manifestações populares e profissionalizar todo mundo. Mas sim de estimular uma possibilidade de conhecimento, de apuro técnico, de qualidade; potencializar talentos. O jazz, Shakespeare, a dança contemporânea não são propriedades dos grandes centros. Assim como o popular não está só nas periferias e no interior. Todos deveriam ter acesso ao que quisessem, sem limitações por questões econômicas, territoriais e políticas. Essa é a grande democratização da cultura. As opções são de cada um, depende de cada um o que fazer com as possibilidades que se tem na mão, mas é preciso que se tenha as ferramentas (e é bom lembrar que hoje em dia é mais vantagem você saber menos, pois é mais fácil ganhar prêmios e editais. A cultura se transformou no referencial das esmolas públicas e das comissões).
Levar conhecimento, portanto, não é “colonizar”, e sim abrir um leque dentro das possibilidades “colonizadas” de cada um. Nada se cria, tudo se copia. Resta saber quem tem mimeógrafo e quem tem impressora a laser.

GVT.

Coca Cola é isso aí!

segunda-feira, setembro 03, 2007

DEU NO JORNAL - Ciclo de encontros resgata memória do teatro na Bahia


Projeto vencedor do Prêmio Carlos Petrovich acontece em outubro


O Teatro NU, através da atriz e jornalista Jussilene Santana, realiza em outubro próximo, em data ainda a ser confirmada, o projeto Memória do Teatro na Bahia, um dos nove contemplados na 1ª. edição do Prêmio Carlos Petrovich, promovido pela Fundação Cultural do Estado (Funceb). O evento reúne a primeira turma de atores e atrizes profissionais do estado, artistas atuantes na área há mais de 50 anos.

Os encontros ocorrem em três dias consecutivos, com entrevistas mediadas pela pesquisadora que investiga a história do teatro baiano em doutorado no Programa Pós-Graduação em Artes Cênicas da Ufba (PPGAC). Nomes como Sonia Robatto, Yumara Rodrigues, Carmen Bittencourt e Mario Gadelha, entre outros, falarão sobre suas respectivas carreiras, formação e questões artísticas.

Durante a conversa, serão exibidas fotos e matérias de jornal contando a vida e a obra dos entrevistados. As fotos pertencem ao arquivo pessoal dos convidados e ao acervo de Jussilene, levantado em pesquisa aos jornais A Tarde e Diário de Notícias, entre os anos de 1956 e 1961. O evento será gratuito.
(Na foto Sonia Robatto e Nevolanda Amorim ensaiam para O Boi e o Burro a caminho de Belém, de 1958. Diário de Notícias)
Agora, olha só quem já tá trabalhando nesta idéia:
Gil Vicente (claro), Fernanda Bezerra, Mariana Machado, Manuela Furtado e Danilo Moraes. Quer participar? Mande e-mail para junesantana@gmail.com