terça-feira, setembro 30, 2008

arte contemporânea II (ou como diria Noel; com que roupa eu vou?)


Pequeno diálogo ao fim de outro espetáculo:

- Super contemporâneos aqueles figurinos de época...

- A onda agora é montar peças históricas com figurino contemporâneo! Montar peças históricas com figurino de época é coisa do século XIX, início do século XX...

- E antes do século XIX?

- Montava-se a peça histórica com figurinos contemporâneos.

- Ah, tá. (Pausa reflexiva). Ih, perdi o bonde...

quinta-feira, setembro 18, 2008

Em tempos de eleição...

O ANALFABETO POLÍTICO

O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
Nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo da vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
Do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
É tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo
Que odeia a política.
Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política
Nasce a prostituta, o menor abandonado,
E o pior de todos os bandidos,
Que é o político vigarista,
Pilantra, corrupto e lacaio
Das empresas nacionais e multinacionais.

Bertolt Brecht.

quarta-feira, setembro 10, 2008

Esclarecimento

Devido a alguns emails que recebi e perguntas feitas por algumas pessoas próximas, sempre com as perguntas “vocês botaram projeto no edital da FUNCEB” ou “por que o Teatro NU não botou projeto no edital da FUNCEB”, resolvi esclarecer publicamente o ocorrido.

O Teatro NU colocou, sim, um projeto no edital da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Tratava-se da montagem de Animais noturnos, peça de Juan Mayorga, autor renomado e premiado na Europa. Seria a primeira montagem de um texto dele no Brasil, bem como – através da chancela e apoio do Instituto Cervantes – proporcionaríamos a primeira vinda dele ao Brasil, para falar de sua obra aqui em Salvador. Sob minha direção, o projeto contava com o seguinte elenco: Carlos Betão, Evelin Buchegger, Marcelo Praddo e Jussilene Santana.

Concorremos na categoria de 60mil, e não ficamos entre os três aprovados e nem, tampouco, entre os quatro suplentes.

Meu nome estava em outro projeto que também não interessou à comissão do edital. Tratava-se da comemoração de 20 anos de carreira de Carlos Betão. A convite do próprio, que resolveu encampar um projeto pessoal. A idéia seria transpor, pela primeira vez, a obra de João Ubaldo Ribeiro Sargento Getúlio, para o palco. Esta obra foi significativa da literatura brasileira e projetou o autor baiano, tendo sido publicada em vários países e sido filmada com Lima Duarte no papel principal.

O projeto concorreu na categoria de 30mil e não ficou entre os quatro aprovados e nem, tampouco, entre os oito suplentes também.

A comissão de seleção foi composta por Ana Lúcia Oliveira Paolilo, Cláudio Cajaiba e Jorge Vermelho, com o acompanhamento de Ney Wendell, diretor de Teatro da FUNCEB.

Vale ressaltar, também, que inscrevemos o espetáculo Os javalis no Festival Latino-Americano de Teatro da Bahia e no Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, e também não fomos selecionados pra nenhum dos dois.

É isso.

GVT.

sábado, setembro 06, 2008

TRÊS CENAS BAIANAS

Essas três cenas abaixo, escritas para um espetáculo comemorativo dos dez anos do CEDECA (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente), ficaram esquecidas no meu computador, tendo servido apenas ao espetáculo que dirigi no Teatro Vila Velha.
Na atual conjuntura soteropolitana, onde a violência se faz mais presente do que nunca e cresce junto com a desenfreada população, acabei por sentir a vontade de "ressuscitar" essas cenas, numa tentativa de dialogar com o momento estranho que nossa cidade vive.
Vale lembrar que as duas histórias, entrecruzadas nos diálogos, foram fruto de uma pesquisa nos arquivos do CEDECA, relatos de uma guerra do homem com homem, que não acaba nunca - parodiando o título de um espetáculo do Bando de Teatro Olodum...

CENA I

I - CENA DAS MÃES

M1- E ele só estava voltando pra casa...

M2- Sempre confiei nele, afinal, era meu marido...

M1- Eu juro que ele nunca teve entrada na polícia...

M2- Não esperava entrar em casa e ver o que eu vi...

M1- Nunca vi fazer desordem...

M2- A cama toda desarrumada...

M1- Calma moço, foi assim...

M2- Comecei a me tremer toda...

M1- Era um domingo, e ele sempre saía de casa com os amiguinhos dele... era bom rapaz, isso eu posso garantir... foi pra uma festa lá no clube...

M2- Ele bebia demais, eu admito, mas sempre tratou a gente com muito carinho... eu não ia ouvir o que as vizinhas estavam dizendo, sabe como é esse povo... eu sei que eu confiei demais...

M1- Nunca foi de arruaça, eu posso garantir pro senhor, ele queria ser advogado, trabalhava vendendo cuscuz na rua, mas sempre estava cedo em casa. Olha, eu juro pro senhor que ele nunca foi de ficar até tarde na rua, pelo contrário, voltava cedo pra trazer o pão. Isso quando ele vendia alguma coisa, claro né, o senhor sabe como tá difícil vender qualquer negócio hoje em dia, o povo não tem dinheiro pra comprar e a gente fica sem dinheiro pra comer... ah!, mas digo ao senhor que ele nunca roubou, nem ele nem os coleguinhas...

M2- Era motorista de ônibus, o desgraçado. A gente se juntou faz dois anos e ele até brincava que os peitinhos dela estavam crescendo e eu achando que era carinho de pai, sei lá, ele dizia que se sentia pai, comprava queimado pra ela, muita roupinha... ah!, engraçado que as roupas que ele comprava eram sempre curtinhas, sainha, topizinho, e eu nem me apercebia... até achava bonito quando ele botava a menina no colo...

M1- Nesse dia ele até me disse: “ó, mainha, esse trocado que eu peguei não é muito não, se der eu até trago o pão pra senhora”. Os meninos até esculhambavam com ele, nesse dia mesmo, ficaram dizendo que iam tomar tudo de cerveja, mas assim na minha frente, sabe, moço, foi coisa de perturbação, eles não eram dessas coisas não, meu menino sempre foi respeitador... o outro lá, que deus me perdoe, é que estava endiabrado... homem com arma se acha homem duas vezes, ainda mais quando é da polícia, você sabe, né!? Eles abusam mesmo...

M2- Mas nunca imaginei que ele abusasse dela... quando bebia, ele sumia de casa, só voltava no outro dia, chegou até a ir pro trabalho direto. Ele às vezes trocava turno, dizia que era pedido do chefe e a gente não se encontrava em casa, acho que eram nessas horas que ele, sei lá, prefiro não falar... desculpa moço...

M1- E foi assim, o menino voltava da rua, só bateu boca com o motorista, coisa de parar fora do ponto, menino o senhor sabe, né?, tudo perturbado, estava com os coleguinhas, parece que os policias não gostaram...

M2- Eu entrei em casa e vi tudo escuro, já era hora da minha menina ter chegado...

M1- O polícia desceu junto com os meninos, o motorista parou...

M2- Eu entrei no quarto ouvindo aquele chorinho...

M1- Eu soube que teve até gritaria...

M2- E os dois lá...

M1- Foi um tiro só...

M2- Tinha que ser com ela!?

M1- E foi isso...

M2- E foi...

M1- E...

M2- Desculpa, moço...

CENA II

II - CENA DOS AGRESSORES

H1- O senhor antes de tudo me respeite...

H2- Sim, calma, eu só quero saber a verdade...

H1- Moleque, rapaz, uns vagabundo...

H2- Me fale da história, meu senhor!

H1- Era feriado, eu já disse...

H2- O senhor tinha bebido...

H1- Porra, deixa eu contar!

H2- Desculpa.

H1- Tomei umas cervejas, sim, era feriado, porra, eu tava folgando...

H2- Se o senhor estava folgando, por que a arma?

H1- Sei lá, a gente é polícia, tem que tá preparado pra qualquer coisa!

H2- Pra matar um menino!?

H1- Já disse pro senhor que eu não queria matar, foi só pra dar um susto!

H2- E mirou no menino!?

H1- O senhor que ouvir a porra da história ou quer contar a sua!? Eles estavam perturbando o motorista, queriam que parasse fora do ponto, vinham cantando um pagode alto no fundo do carro, eu e meu colega ficamos logo perturbados, aquela zuada, final de noite... e aí os meninos, de repente, estavam batendo boca com o motorista. Aí desceram, xingaram o motorista e rumaram uma pedra no ônibus...

H2- Pegou?

H1- No ônibus?

H2- Sim!?

H1- Eu sei que eu desci do ônibus, o motor mesmo pediu, parou o carro e atirei...

H2- Em direção ao menino...

H1- Só pra assustar, porra!

H2- E a pedra, pegou no ônibus?

H1- Foi só pra assustar!

H2- Pegou no ônibus? Eu te fiz uma pergunta!

H1- Porra, não pegou não...

H2- Então por que?

H1- Tinha que manter a ordem...

H2- Atirando...

H1- O senhor está me deixando nervoso...

H2- Eu só quero entender...

H1- Porra, vá se lenhar!

H2- O senhor, antes de tudo, me respeite!

H1- Mas eu só queria entender...

H2- O senhor me deixe em paz...

H1- Mas sua mulher nunca desconfiou?

H2- Minha mulher trabalhava muito...

H1- Sim, vocês raramente se encontravam em casa, o senhor já disse... o senhor gostava de beber, não?

H2- Gosto.

H1- O senhor batia nela?

H2- Porra, mulher chata, você sabe, né...

H1- Ela dizia que o senhor tratava a menina muito bem... bem até demais, não acha?

H2- A patroa liberou ela mais cedo...

H1- Sim, é isso mesmo que eu preciso que o senhor conte...

H2- Porra, a desgraçada sempre se atrasava, eu até desconfiava da demora, brigava com ela e tudo... porra, a menina dando sopa... ela era vagabunda, isso eu garanto ao senhor!

H1- Sua enteada?

H2- Ela mesmo, nigrinha... botava uns shorts curtos só pra me tentar...

H1- O senhor acha então que a culpa é dela?

H2- Eu era cuidadoso, porra...

H1- E o choro?

H2- Era medo da mãe, dengo... eu sou inocente, meu senhor...

H1- 12 anos, não é isso?

H2- Fez treze agora...

H1- Durante quanto tempo?

H2- Os peitinhos dela começaram a crescer... essas meninas se desenvolvem cedo... a menina lá, dando sopa...

H1- O senhor confirma?

H2- Porra, minha mulher não...

H1- O senhor pode confirmar tudo?

H2- O senhor quer calar a boca!

H1- Basta.

CENA III

III - CENA DAS CRIANÇAS

C1- Não vou dizer nada não...

C2- Mas eu até tentei gritar!

C1- Não teve nada não, moço...

C2- Era só uma dorzinha...

C1- Eu tentei reagir...

C2- Lembrei de minha mãe...

C1- Aquela coisa estranha na gente...

C2- Depois ficou tudo escuro...

Pausa.

C1 e C2- Era um pouco cedo ainda...

C1- Tinha sido liberada do colégio e não tinha pra onde ir...

C2- Tava com meus colegas, todos prontos, era Domingo, uma animação retada...

C1- Eu preferia não voltar pra casa, mas minhas colegas tavam tudo ocupadas, uma tinha que ajudar a mãe, a outra queria fazer a tarefa sozinha e também, meu padrasto, àquela hora, não tinha voltado pra casa, eu tinha certeza... ah? Sei lá, preferia não encontrar com ele...

C2- A gente se encontrou cedo pra dar tempo de pegar um buzu vazio, mainha até achou melhor, “evitava confusão!”. O clube também ia ficar entupido, já tava até imaginando...

C1- O jeito foi voltar pra casa. Eu juro que eu só pensava em fazer logo a tarefa... poxa, eu não queria nada... quer dizer não tava querendo nada além do dever...

C1 e C2- O problema foi a volta...

C2- A porra do carro tava cheio, mesmo assim a gente disfarçou a agonia, cantamos um pagodinho e tava até seguro, na volta, tinha policial e as porra no ônibus, pensei logo. Sei lá, Domingo de noite fica um bocado de vagabundo por aí, tirando onda, sei lá...

C1- A casa vazia, pensei logo. Fiquei menos tensa... ah!, sei lá, sozinha eu podia estudar, não imaginava que ele... é isso... pudesse ter voltado do trabalho, ou não tivesse ido trabalhar, sei lá, ele não me disse nada – e nem precisava...

C2- Pô, eu só pedi pro motor parar fora do ponto e ele já veio logo me xingando...

C1- ...me pegando... não... aquela maldita cachaça! Bem que minha mãe já tinha dito que ia jogar esse negócio fora...

C2- Quem tinha bebido era ele... tá, eu só tomei uns goles... o trocado nem sobrou pro pão. Também, era tão pouco...

C1- Tão pouco pra minha mãe chegar... mas dava tempo...

C2- Desci do ônibus, o buzu andou um pouco e parou de novo. Eu estranhei, mas continuei andando. Meus colegas de repente gritaram e eu olhei pra trás pra ver o que era, vi os policiais, achei que era bandido e corri, ouvi uma zoada e...

C1- Ele me pegou, eu não queria, não entendo porquê...

C2- Passou isso tudo pela minha cabeça...

C1- E aquela coisa estranha acontecendo...

C2- Fechei os olhos...

C1- Uma voz bem longe...

Pausa.

C2- Não vou dizer nada não...

C1- Mas eu até tentei gritar!

C2- Não teve nada não, moço...

C1- Era só uma dorzinha...

C2- Eu tentei reagir...

C1- Lembrei de minha mãe...

C2- Aquela coisa estranha na gente...

C1- Depois ficou tudo escuro...