segunda-feira, novembro 12, 2012

HABEMUS SITE!

Caros,

Gostaria de registrar que este blog não será apagado, com sua memória, comentários e postagens, mas que estamos agora com um site, que pode ser acessado tanto pelo www.teatronu.com quanto pelo www.teatronu.com.br. Fui procurar um artigo antigo, aqui, pois criamos uma coluna "Memória do blog" no site para republicar alguns artigos, e dei-me conta de alguns seguidores, pessoas que ainda podem, vez por outra, passar por aqui para checar atualizações.
Portanto, caso queiram ler artigos de Jussilene Santana e meus - bem como novos colunistas, e ver notícias sobre o grupo, resta dizer que em nosso site, além desse conteúdo, temos, também, uma página dedicada à dramaturgia baiana, com pequena biografia e peças de dramaturgos do estado.

um abraço em todos,

GVT.

quinta-feira, março 08, 2012

O artista e o anti-Oscar: sombra e arte fresca em Rembrandt e Greenaway


Dedicado a Eduardo Tudella

Rembrandt tenta desenhar sua mulher moribunda, Saskia, na cama. Ele diz que quando ela não estiver mais por lá, que ele terá que se olhar com mais frequencia no espelho. Em seguida, fala: “digamos que eu ceda e concorde que você está morta. Este desenho diz que você ainda respira”. Em seguida, comenta que é curioso, pois o desenho “para todo o sempre continuará dizendo que você está dormindo”. E (se) pergunta se dá pra distinguir num desenho se um corpo está dormindo ou morto.

Essa é a cena central do filme Nightwatching, de Peter Greenaway; o ponto de virada. A belíssima música do polonês Wlodzimierz Pawlik colore a escura cena criada pela fotografia de Reinier van Brummelen. Uma cena teatral, mas que é puro cinema. Uma cena seca, uma interpretação de Martin Freeman afetada o suficiente para ser muito mais real e viva para o comportamento da época, com palavrões e poesia: como nosso dia-a-dia.

Peter Greenaway, um dos poucos cineastas a quem podemos chamar de artista, (e, talvez, por isso, pouco conhecido) vem construindo uma filmografia que, nalguns momentos, atinge o que de melhor se fez no cinema até hoje. Sua biografia de Rembrandt é de uma delicadeza e ousadia, de uma precisão e loucura, ao mesmo tempo artesanal e extremamente técnica.

O cineasta britânico faz seu filme todo em estúdio, mas deixando claro ser um estúdio. Um grande palco com iluminação artificial, marcações teatrais, excetuando uma cena no campo que se repete sempre sob a mesma perspectiva. Greenaway chega ao ponto de fazer mais de uma cena onde Rembrandt e sua esposa, depois a amante, olham pra câmera e dialogam contando histórias, numa brincadeira clara com o “à parte”, com o distanciamento da cena, fazendo da narração seu momento – paradoxalmente – mais teatral.

A fotografia de Reinier van Brummelen, aliada a uma precisa direção de arte, surpreende em cada pausa que damos no filme: sentimo-nos diante de uma pintura de Rembrandt. O cuidado com a cena e a transgressão que ele faz na forma de criar a cena e os diálogos servem claramente como analogia da própria obra do pintor flamengo.

No projeto Verão cênico, fizemos uma apresentação de Sargento Getúlio no Espaço Xisto e, na pressa, com refletores e mesa diferente, acabamos programando uma luz muito escura. Fiquei tenso o espetáculo inteiro e, depois? Nenhum comentário da plateia. Estranhei, mas ao ver Nightwatching percebi o que Eduardo Tudella fala sobre as sombras que tornam a cena real. E percebi, ainda mais, que nem sempre precisamos ver tudo tão claro para sentir e entender. O filme de Greenaway é propositalmente escuro e cheio de sombras como a pintura de Rembrandt, mas é também um filme que mostra como um quadro pode bagunçar uma sociedade.

Rembrandt van Rijn recebe a encomenda para pintar um grupo de homens que tramaram um assassinato. Na forma como ele trata a cena, há a denúncia de uma filha bastarda, a covardia, a malvadeza, tudo numa pintura que aparenta retratar apenas alguns homens. No filme, logo após o pintor flamengo sofrer com a morte de sua esposa, o quadro é mostrado e, num golpe de mestre, Greenaway põe na boca dos homens retratados a leitura precisa do quadro. Eles percebem a denúncia e crítica do pintor ao passo que decidem manter o quadro. Rembrandt já havia adquirido certa fama e depois de um tempo as pessoas olhariam aquele quadro como um simples quadro. Eles passariam para eternidade nas tintas de um pintor renomado, e a vileza deles seria apagada e borrada pelo tempo.

Engano deles e de muitos. A obra pode ser menosprezada, escondida, renegada e boicotada pelo seu tempo, mas a arte ainda vai respirar, para todo o sempre, como a Saskia do desenho do artista Rembrandt, filme do artista Greenaway.

GVT.

sexta-feira, março 02, 2012

Jussilene Santana na MUITO - fevereiro de 2012



Jornal A Tarde, Revista MUITO

05 de fevereiro de 2012

Abre Aspas - JUSSILENE SANTANA, Atriz e pesquisadora


“Salvador é cheia de mistérios a decifrar”

Texto Cássia Candra; Foto Raul Spinassé


Quem vê a moça simpática de gestos simples não a imagina brava em cena. Com a mesma garra com que defendeu Bastos, personagem de Budro, que lhe rendeu o prêmio Braskem de Teatro 2004 de Melhor Atriz,[1] a intérprete, jornalista e professora Jussilene Santana, 35, estava de volta à arena, na última terça-feira (31/01). Desta vez, em defesa de sua tese de doutorado em artes cênicas, Martim Gonçalves: Uma Escola de Teatro contra A Província, que mostra o porquê do afastamento do diretor da Escola de Teatro da Ufba, instituição que criou e administrou entre 1956 e 1961. Orientada pelo professor Ewald Hackler – que a dirigiu em Senhorita Júlia, de August Strindberg –, ela esquadrinha o imaginário da intelectualidade da época e bebe em fontes que vão do Centro de Estudos Afro-Orientais à Fundação Rockefeller, em Nova York. No caminho, Jussilene se depara com outros mistérios, que a levam a conclusões contundentes. “Foi como destampar a porta do inferno”, diz. A pesquisa é só parte da rotina incomum desta moça, que ainda inclui os projetos do Teatro Nu, do qual é cofundadora, da Universidade Veiga de Almeida (Rio de Janeiro), onde ensina, e de intervenções no teatro e cinema.

O teatro arrebatou a pesquisadora?

Desde que entrei no ambiente cultural baiano, fiz as duas coisas, jornalismo e teatro. Venho de uma família muito humilde. Meu pai saiu do interior para vender farinha, frutas e verduras em um pequeno comércio em São Caetano. Sempre estive nessa posição de ter que trabalhar, mas minha mãe me incentivava a estudar. Eu tinha sonhos, sonhos impossíveis para uma menina de São Caetano. A Escola Técnica (atual IFBA) foi um atalho, abriu meus olhos para a cidade. Depois, veio a escolha pelo jornalismo e, simultaneamente, o teatro.

E o interesse por Martim Gonçalves?

Sempre ouvi falar em Martim Gonçalves. Extremamente mal e extremamente bem. Era o herói que havia trazido a vanguarda para a Bahia ou o vilão, um reacionário que trabalhava apenas com teatro clássico ocidental e queria empurrar um gosto colonizador a Salvador. Nunca consegui entender o meio-termo.

Foi isso que a levou à pesquisa?

Sim. Ouvi muita gente que viveu, estudou, trabalhou ou assistiu Martim Gonçalves e fui colhendo informações. Quando entrei no mestrado, sobre a cobertura do jornalismo baiano, orientada por Albino Rubim, hoje secretário da Cultura, vi a campanha contra Martim ser executada pelos jornais baianos. Quando veio para a Bahia, ele foi acolhido por uma elite cultural – e veio por conta dessa elite –, mas, por uma série de motivos que estudo, ele se desentende com essa elite, que depois faz uma campanha política para afastá-lo.

Em suas andanças pelos arquivos, o que mais chamou sua atenção?

Para um pesquisador, Salvador é cheia de mistérios a decifrar. Há possibilidades de pesquisas com as quais me deparei e que não pude dar conta. Por exemplo, a influência de Odorico Tavares, diretor dos Diários Associados na Bahia, entre 1942 e 1980, na formação da mentalidade e da figura política de ACM. Também chama a atenção o fato de não haver uma pesquisa que decifre as contas da Ufba na administração Edgard Santos. Esse reitor caiu, em grande medida, por seus apoios financeiros, que a intelectualidade baiana não entendia ou não queria aceitar. Até hoje, isso não foi investigado. Nas pesquisas que fiz, vi os jornais baianos se constituindo como atores sociais, determinando a direção das instituições, apoiando, ou não, seus líderes e promovendo muita mentira, inverdades que, pelo ambiente da época, não foram checadas, mas que determinaram o que somos hoje.

Essas informações vão permitir reconstruir aquele panorama.

Sim, e reconstruir o panorama cultural dos anos 1950 e 1960 é crucial para entender a Bahia de hoje. A Ufba foi criada em 1946, mas a relação dela com as artes, aclamada e reconhecida, foi estabelecida entre 1954 e 1956, (com a criação das escolas de arte), com a criação do Museu de Arte Sacra, (em 1959), com a criação do MAM, em 1960, e do MAP, 1963. Minha pesquisa revela que a Escola de Teatro comanda (apoia/direciona) a criação das maiores instituições culturais baianas ainda hoje em ação, (sobretudo através da transferência de verbas e serviços), quebrando a ideia de que Martim Gonçalves, o seu primeiro diretor, era alienado, alheio ao que se passava em Salvador.

Ele orquestrou uma revolução?

Sem dúvida. Apoiado por muitos outros atores sociais, como Lina Bo Bardi, Agostinho da Silva e Pierre Verger. Mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi uma carta de Lina dizendo que a famosa exposição Bahia, na V Bienal de São Paulo, de 1959, não tinha sido organizada por ela, como os jornais baianos estavam dizendo. Ela veio a público – no meio da campanha contra o diretor da Escola de Teatro – com essa carta, onde dizia: “Essa exposição foi pensada, planejada e organizada por Martim Gonçalves”. E explicava que sua participação foi mais no aspecto arquitetural, de disposição das peças. Não corrigir isso, segundo ela, poderia ocasionar um grave equívoco para a formação da memória do Estado (e foi o que infelizmente acabou acontecendo).

Até onde poderemos chegar investigando esta história?

Eu aponto mais ou menos 18 novos estudos que precisam ser realizados a partir das questões que levanto, da documentação que apresento. A Bahia que conhecemos hoje foi criada nesse período. E essas instituições, todas, em seus primórdios, tem relação com a Escola de Teatro.

O que poucos sabem sobre Martim Gonçalves e a Escola de Teatro?

Eu tinha a ideia do Martim Gonçalves adepto de estrangeirismo. Mas descobri um homem que tinha uma relação ampla com a cultura autóctone, baiana, brasileira. A grande novidade trazida pela minha tese, porém, é que há fortes indícios, documentos e declarações de que Martim, embora tivesse o apoio de Edgard Santos, tenha ido longe demais em sua independência com a Escola de Teatro. Nos anos 1960, os anos áureos da escola, ele fez um projeto e recebeu 28 mil dólares da Fundação Rockefeller – na época, um milhão e seiscentos mil cruzeiros (uma geladeira custava 100 cruzeiros).

Como era a cena na época?

Antes da chegada de Martim, existiam alguns grupos amadores (os números são muito divergentes e, até hoje, não foi feita uma pesquisa específica sobre isso). Eram amadores, e isso não é um demérito. E é isso que é preciso esclarecer, no que depois vai se construir sobre Martim. Porque muito se disse que Martim disse, exatamente depois do caos informativo realizado pelas campanhas. No fim da administração Martim Gonçalves, ele pediu que a reitoria abrisse uma comissão de investigação sobre sua administração e foi inocentado.

E o resultado dessa Comissão de Investigação nunca foi divulgado?

Nunca.

Qual a herança desse período para a cena teatral baiana?

Ficou toda a obra, só que a autoria jamais foi associada a Martim Gonçalves ou a ideia ou o apoio. Não estou falando de intelectuais de pouco fôlego. Eles não eram marionetes de Martim. Uma pessoa como Lina Bo Bardi, uma arquiteta, pensadora, ou como Pierre Verger... Eles dialogaram, foram acolhidos, foram incentivados. Pesquisadores de Agostinho da Silva, criador do Ceao, me mandaram cartas (e eu também descobri), em que ele pede apoio a Martim Gonçalves para interceder junto ao reitor Edgard Santos. Isso foi na virada de 1958 para 1959, antes da criação do Ceao. A obra continuou, mas os bastidores do processo, por conta da campanha e das rixas políticas, jamais foram associados a Martim Gonçalves.

Sua pesquisa aponta para vários caminhos. Você pensa em dar continuidade ao trabalho com Martim Gonçalves?

Tenho um acervo doado pela família, uma responsabilidade absurda. Esse acervo deve ter ficado fechado por 50 anos e, agora, ter sido aberto por mim é menos um mérito meu que um demérito a qualquer outro pesquisador. Preferimos, como sociedade organizada, ficar no disse me disse, não só com relação à história de Martim Gonçalves na Bahia, como a outras tantas em outras áreas. Quem vai ser o pesquisador, jornalista ou quem quer que seja que vai investigar as 238 escutas ilegais realizadas pelo carlismo? Eu passo a bola para outro pesquisador, porque tenho que continuar meu destino.

E qual é o seu destino?

Vou com Martim Gonçalves por onde ele for. Ele foi para São Paulo, Olinda, Recife, Nova York, Paris, e eu quero ir atrás dele, porque ele é um homem muito corajoso. Depois dessas descobertas, ele não pode voltar a receber a pecha simplória de que era um alienado. Ele era um homem independente. A Bahia tem o costume de confundir a alienação com a independência, a autoridade com o autoritarismo. E de confundir a relação mestre-aprendiz com a relação protetor-afilhado. São coisas bem diferentes. Que loucura é essa colocada dentro do imaginário do teatro baiano de que o Teatro não tem técnica? Isso é um desserviço! E se hoje me perguntam por que a cidade virou um caos, por que a cultura baiana virou um caos, só posso responder que é uma questão histórica. Se parássemos agora para reconstruir o futuro, precisaríamos antes esgotar esse lixão sobre o qual construímos a nossa memória. Não dá para construir o imaginário de Salvador em cima de um lixão. Não dá para construir em cima da desgraça, da velhacaria, da politicagem da pior espécie. Todas essas práticas continuaram numa relação política de comunicação que vem do carlismo, puxando do odoriquismo (Odorico Tavares). Eles eram coligados. Um passou suas técnicas para o outro (e minha tese defende que as técnicas são as mesmas que ainda são empregadas hoje, é a nossa “cultura política”).

Você mergulhou na pesquisa, mas é uma atriz premiada, no teatro. Como está a carreira de atriz no meio disso tudo?

Entre 2007 e 2008, quando eu estava escrevendo menos a tese, consegui participar de três filmes lançados só agora.

O que te leva por esses caminhos?

São os convites. Sempre me considerei uma comunicadora, uma pessoa que se comunica por meio da arte, do discurso objetivo ou da dramaturgia. E tenho muita sede, muitos projetos guardados. Gosto de escolher os meus convites.

Você falou desta “sede”, não dá para imaginar como concilia carreira acadêmica, arte e maternidade.

Há dias em que praticamente não durmo. Por exemplo, 2010 e 2011 foram uma selvageria. Com esta tese de doutorado tão grande, nem sei como não esqueci meu nome.



[1] No impresso saiu com uma pequena imprecisão de datas, agora corrigida. Outros comentários eventuais seguem entre parênteses.