Meu pai me enchia o saco. “Você tem que falar com cicrano.
Você tem que conhecer beltrano”. Muito chato. Mas era mais chato ainda ter que
aguentar os meses que ele ficava “de mal” comigo. Era melhor obedecer e andar
com os velhos intelectuais que ele listava numa folha de papel quase ilegível.
Fui pro Rio, numa das minhas idas ao Rio que eram voltas. O
Rio é minha casa, tanto quanto a Bahia, e mesmo os amigos novos que faço por
lá, ou amigos velhos que faço por intermédio (ainda) de meu pai, parecem ter
origem num ponto lá atrás onde eu ainda não era alguém. E por isso me formavam
em tudo.
Pois bem. Numa dessas idas ao Rio, meu pai, que saco, me legou
a incumbência de falar com zilhões de amigos dele. Eu, idiota, achando tedioso
cumprir essa via crucis, me deparei com uma lista (zzz) de amigos que eu devia
ligar, prestigiar e (saco!) convocar a um encontro.
Incorri no erro de ligar para alguns. Dentre eles, Marcos
Santarrita. Segundo meu pai, merecedor de cadeira da ABL, como ele (que os
estúpidos me condenem), grande tradutor e escritor de um dos grandes romances
contemporâneos (segundo meu pai), Mares
do sul.
Tive uma noite de chopps com ele e Alda Porto (outra daquelas grandes e diminuídas). Uma noite
especial, conversa de alto nível, daquelas que me mostra minha pequenez da
forma mais deliciosa que existe. Ele me falou de uma peça sua, inédita, e me
ofereceu. Disse que ia mandar pra mim e eu, com meu preconceito e petulância de
artista que não dá ousadia a ficcionistas, acabei por nunca ler.
Meu projeto mais recente (sim, porque projeto não é o
ganha-pão, mas um objetivo de vida) era ir ao Rio. E estava, entre minhas
obrigações de prazer, tomar chopps com Alda e Marcos.
Mas, ao verificar emails, recebo a notícia de uma missa de
sétimo dia. Câncer no pulmão. Santarrita durou dois anos a mais que meu pai.
Morreu aos 72. Sem ninguém saber quem ele era em Aracaju ou Salvador. Homem
maior, morreu lá pelo Rio, no sul maravilha, e, vida maravilhosa, foi mais um
daqueles de rodas pequenas, de notícias tímidas, de repercussão modesta.
Tudo bem que ele não seja reconhecido. Tudo ótimo que ele
não faça parte da Academia Brasileira de Letras, para a qual até meu cão foi
indicado. Tudo perfeito que ele não saia na Veja, na Istoé, no Faustão ou na Cult ou
Bravo. Tudo isso é muito pouco, é muito pequeno.
Eu quero saber é quem vai compensar meu chopp em Ipanema com
ele e Alda se engalfinhando e se amando na exata proporção que cabe na arte e
na poesia.
GVT.
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