sábado, outubro 15, 2011

Carta aberta a Luiz Marfuz


Caro Luiz Marfuz,

Surpreendeu-me, hoje, ler nas redes sociais um artigo seu publicado no jornal A Tarde de 14/10/2011 (abaixo na íntegra). Intitulado “Mais respeito aos artistas baianos”, vi seu incômodo em relação aos critérios na seleção de espetáculos baianos para o Festival Internacional de Artes Cênicas.

Os dois pontos que você toca também foram questionados internamente pelo meu grupo, o Teatro NU, quando da publicação do artigo de Eduarda Uzeda, em 06/10/2011, no mesmo jornal A Tarde. O primeiro deles, de que “os artistas locais sabiam como participar” soou estranho, pois também não vimos divulgação alguma em nenhum lugar. Absolutamente nenhum indicativo de prazos, seleção, critérios, qual e para onde enviar material do(s) espetáculo(s).

O segundo, como você cita, é “que a linha editorial era ‘questionar o lugar do espectador’”. Sobre esse, que nos causou confusão, vale a pena discorrer um pouco mais.

Acostumados a não nos encaixarmos em linhas editorias e critérios de seleção de festivais e editais – talvez pela baixa qualidade do que apresentamos como proposta e resultado, tal qual você cita em relação a As velhas – nunca fizemos, nós do Teatro NU, muito barulho pela nossa não seleção. Apenas pontuamos seguidamente nossa infelicidade em perder sucessivos editais e não poder participar de eventos que pudessem projetar o grupo de alguma forma.

O Teatro NU surge de uma ideia minha e de Jussilene Santana de privilegiar o trabalho do ator e sua relação com e texto, e buscar uma dramaturgia que possa, sem oba-oba e modismos, questionar certos limites da cena: seja no trabalho do ator, seja na estrutura do texto, seja na temática e na abordagem da cena, da ação, do conflito, da ideia.

Sendo um grupo praticamente autoral – demorei anos para “obedecer” Ewald Hackler e passar a dirigir minha própria dramaturgia –, montamos com nosso grupo duas peças minhas, na sequencia, Os amantes II (2006) e Os javalis (2008), após a boa repercussão que tive em Roma, na Itália, com os dois textos.

Em seguida, tive uma súbita ideia. Percebendo um pequeno palco na Sala de arte da UFBA, pensei em fazer peças curtas antes de sessões de cinema. Levar teatro às salas de projeção. De imediato, pensei nas deliciosas peças curtas de Anton Tchekhov. Aprovados pelo Fundo de Cultura do Estado, montamos, com nossos atores Carlos Betão e Marcelo Praddo, e a participação mais que especial de Fafá Menezes, O pedido de casamento, O urso e Dos males do tabaco.

Depois disso, repetimos o projeto que foi chamado Teatro NU Cinema, mas já nos interessava um diálogo com a dramaturgia contemporânea e selecionamos duas peças curtas de autores baianos para a segunda edição e, depois de umas dez derrotas em editais, a VIVO resolveu patrocinar Sargento Getúlio, monólogo a partir da obra de João Ubaldo Ribeiro, com dramaturgia minha, novamente.

Vale ressaltar que as peças curtas de Anton Tchekhov estão tendo vida longa. Foram apresentadas, a convite de Rose Lima, diretora artística do Teatro Castro Alves, para abrir o projeto Domingo no TCA, para mais de seis mil pessoas, durante seis meses, e resolvemos juntar duas delas, O pedido de casamento e O urso e fazer o espetáculo “Dos males dos casamentos: Tchekhov em dois tempos”, que teve curta temporada de sucesso no Theatro XVIII e no Cine Cena Unijorge.

Todo esse blablablá foi para retornar à questão da linha editorial que era “questionar o lugar do espectador”. Já acostumados à nossa não seleção, reservei-me o papel de anônimo espectador do FIAC, esse ano, até que a produtora do Teatro NU, Fernanda Bezerra, me liga dizendo que o espetáculo “Dos males dos casamentos...” havia sido convidado para o festival, sem que ao menos tivéssemos sondado, enviado material ou coisa parecida.

Depois do primeiro susto, e satisfação pela lembrança e escolha, pensamos: um festival é uma vitrine, para onde se leva o que de mais representativo da estética de um grupo se pode ter, e resolvemos fazer uma contraproposta. Ao invés de dois dias de “Dos males...”, faríamos pelo mesmo preço um dia dessa peça e outro com Sargento Getúlio, por ser nossa obra mais recente e nos interessar difundi-la por ser representativa da nossa estética enquanto grupo.

O festival recusou.

Entendendo que ter o Teatro NU representado por um espetáculo que não é um “cartão de visita” do grupo, a despeito da qualidade das peças de Tchekhov, da excelente atuação dos três atores e do satisfatório resultado final, preferimos então declinar do convite. Interessa-nos muito participar do FIAC, e ainda queremos vida longa a “Dos males...”, mas não como estética representativa do grupo para um festival que parece privilegiar as diferentes abordagens estéticas da cena contemporânea.

Causa-nos surpresa saber desse critério de “questionar o lugar do espectador”. As peças curtas de Anton Tchekhov questionam a sociedade, da qual o espectador faz parte. Mas se o convite havia sido por isso, penso que Sargento Getúlio, assim como As velhas e toda e qualquer obra de arte, digo, de arte, também o faz. E, pensando sob a ótica do FIAC, me parece que essas duas últimas têm mais “cara de festival”, ou o que se pode entender por isso.

Há um festival imcompreensível de abordagens e critérios para o Teatro NU. E, pelo visto, para você também.

Um abraço,

Gil Vicente Tavares
Diretor artístico do Teatro NU.

Jornal A Tarde, 14 de outubro de 2010.
MAIS RESPEITO AOS ARTISTAS BAIANOS
Luiz Marfuz

Deboche é pouco para definir as declarações de Felipe Assis, porta-voz da curadoria do Festival Internacional de Artes Cênicas- FIAC-BA, sobre a seleção das peças baianas, ao dizer que a linha editorial era “questionar o lugar do espectador” e que os artistas locais sabiam como participar. Ora, senhor Felipe, acha que a classe teatral é idiota? Em que veículo público isto foi divulgado? Pergunto: quem soube de inscrições, seleção e conceito do FIAC? Só agora a curadoria se pronuncia forçada por A Tarde, em 06/10/11.
Sem referências, e em atenção ao elenco de As Velhas, procurei o FIAC, há dois meses. Lá me foi dito que a curadoria, composta também por Ricardo Libório e Nehle Franke - informação dada por Felipe Assis – veria as peças locais. Um mês depois, ele anuncia que a peça estava fora da programação, apesar dele não ter visto o espetáculo. Não sei quem foi selecionado, mas respeito os trabalhos de meus colegas. Devo dizer que as peças que dirigi nunca passaram pelo crivo do FIAC. Policarpo Quaresma foi caso à parte: era parceria do Festival com TCA. Núcleo. Critérios de seleção? Um deles, certo ano, – em teatro tudo se sabe – era checar se a peça tinha “cara de festival”. Alguém sabe o que é isso?
Ou talvez a questão não seja esta; no caso de As velhas, a curadoria deve ter achado o espetáculo sem qualidade, atores ruins ou mal dirigidos, tema sertanejo anacrônico, direção medíocre. Agora, com a declaração de Felipe, concluo que a peça As velhas - apesar de ocupar espaço de modo não convencional, aberto a olhar múltiplo - não “questiona o lugar do espectador”. Urgente se faz questionar “o lugar do curador”!
FIAC é evento internacional, mas deve trazer resultados para a Bahia. Fazer investimento deste porte só para dizer que estamos na rota do primeiro mundo seria outro deboche. Há incentivos governamentais, inclusive da SECULT. O Festival deve gerar ações que instiguem e insiram no cenário nacional a produção local, que nunca deveu nada aos espetáculos de fora selecionados pelo FIAC. Senhores curadores, mais respeito aos artistas baianos!

Luiz Marfuz é diretor teatral, jornalista, Doutor em Artes Cênicas, Mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas e professor da Escola de Teatro-UFBA

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