10:15hs da manhã de domingo.
Acordei às 07:30hs. Às 08:30hs estava na portaria do Teatro Castro Alves me encontrando com Marcelo Praddo para ajustarmos os detalhes finais de nossa apresentação.
Às 10:30hs Marcelo adentraria o palco principal para fazer a abertura de mais um Domingo no TCA. Esta foi a quinta vez que o Teatro NU teve a honra de participar desse projeto que populariza as artes, diversifica o domingo da TV, caranguejo e sono. Fizemos em março e abril O pedido de casamento e em maio e junho O urso.
A receptividade foi tão boa que juntamos as duas peças curtas de Anton Tchekhov e criamos o espetáculo “Dos males dos casamentos: Tchekhov em dois tempos”, com temporada de duas semanas no Theatro XVIII: temporada que pela receptividade nos fez resolver continuar a ideia do espetáculo e vamos fazer mais três apresentações no Cine Cena Unijorge. Vamos dividir pauta com outro espetáculo do Teatro NU, Sargento Getúlio, primeiro monólogo de Carlos Betão.
O projeto Teatro NU TCA surgiu de um convite de Rose Lima. Ela conhecia nossas peças curtas, que apresentamos no âmbito do projeto Teatro NU Cinema, e nos convidou para entreter a plateia enquanto não chegava a atração principal, das 11hs da manhã. As pessoas costumam chegar cedo para conseguir bons lugares e, em muitos casos, conseguir entrar, visto que o sucesso do projeto vem quase sempre enchendo e muitas vezes lotando os milequinhentos lugares desse teatro que está deixando de assustar as pessoas, trazendo a comunidade pra dentro de um espaço que é dela mais do que de ninguém.
Pois eram 10:15hs dessa manhã ensolarada de domingo e Rose Lima liga pra meu celular. Um ônibus, vindo de Candeias, tinha trazido várias crianças e pré-adolescentes para ver o filme das 11hs: Eu me lembro, de Edgar Navarro, filme que pelas fixações do cineasta era impróprio para aqueles meninos.
Rose liga e pergunta se a peça da gente conseguiria prender a atenção daqueles meninos.
Volta a fita.
Marcelo Praddo, Rose Lima, Fernanda Bezerra, nossa produtora, a torcida do Bahia, do Vitória e da Catuense desconfiavam da eficácia de Dos males do tabaco para uma gigante plateia do TCA. Depois da ótima receptividade que tivemos com as duas comédias de Tchekhov – que nos estimulou a dar continuidade e criar um espetáculo com as duas – parecia que Dos males do tabaco ia ser o primo pobre, a raspa do tacho, um enchimento de linguiça.
Voltamos às 10:15hs. Digo a Rose que esse monólogo de Tchekhov não tinha o apelo das duas comédias deliciosas dele. Digo que não era o espetáculo ideal, mesmo curto, para apresentar a meninos de, sabe-se lá (e o pior é que sabemos), que formação cultural (do mais miserável ao bilionário, as referências culturais têm sido muito limitadas e preocupantes).
Logo depois eu digo que, justamente por não ser o lugar comum, por não vender barato, por não imitar uma estética televisiva, ou uma comédia rasgada, ou um funk apelativo, seria interessante para a formação daqueles meninos passar pela curta experiência de ver um Tchekhov não tão cômico e não tão fácil.
Rose me chama ao palco às 10:25hs para falar um pouco da peça, do Teatro NU, do convite, do projeto. Uma forma de preparar aquelas crianças para quase 20 minutos de TEATRO.
Logo ao começar, lembro que tinha de estar na mesa de luz, para dar a indicação do único movimento que toda a peça teria. Fui correndo pra cabine e fiquei de lá, vendo o espetáculo.
A cada pausa de Marcelo, a cada momento menos risível do texto, meu coração vinha à mão, minha alma vinha às vistas, minha respiração quase não vinha. Mas a atenção do público, os risos inteligentes da plateia e a genialidade de Anton Tchekhov junto à maestria de Marcelo Praddo me faziam relaxar. E ver que o público pode, sim, gostar de TEATRO.
Às vésperas de mais uma estreia na minha vida – Sargento Getúlio, outro monólogo – esta manhã de domingo foi muito especial.
Respeito todo tipo de arte, até aquelas que preconceituosamente resisto à chamar de ARTE. Tenho que me recolher à minha insignificância e perceber que mundo gira à minha revelia: sou só um grão na infinitude de formas e possibilidades de um mundo que muda, que gira e se modifica pra voltar a ser o mesmo.
A despeito disso, penso que não podemos subestimar o público, nem tampouco ignorá-lo. Fazemos arte para ser vista, apreciada e, em muitos casos, como tento eu, para mexer, incomodar, provocar e bagunçar o coreto.
Não me apraz aquela arte ensimesmada, feita do artista para ele mesmo, muitas vezes uma arte hermética, sonolenta, incompreensível. “Todo artista tem de ir aonde o povo está” não é só citação de agenda. A arte tem que comunicar.
Mas também me incomoda muito quando os que vendem fácil, ou apenas buscam o sucesso – uma opção válida e que não é da minha conta – subestimam a plateia, o público, a galera.
“O povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”, já diria Gilberto Gil. Preocupar-se em fazer de tal modo porque é assim que o povo gosta, pra mim, é tão inválido quanto arrotar que o povo não está preparado para “este tipo de arte”. Rotular tal espetáculo como ideal para tal bairro, tal público, tal classe social, é tão preconceituoso quanto avaliar classes sociais, cor de pele, opção sexual e política de acordo com princípios específicos.
Se você tem o que dizer e sabe como dizer, o público vai te ouvir. Acredito nisso como uma convicção. Pode ser comédia, drama, tragédia, musical ou experimental.
Ouvir o silêncio da plateia, ouvir os silêncios de Marcelo, e apreciar a poesia de Tchekhov tanto quanto a plateia de hoje foram um cartão de visita para eu ainda acreditar que a arte move, comove e promove uma revolução íntima: a maioria das vezes invisível, mas que faz valer o fato de eu ter optado por essa carreira numa terra onde, como dizia Otávio Mangabeira, se paga 50 pra você não ganhar 20.
Espero continuar sendo coadjuvante de artistas como Anton Tchekhov, Marcelo Praddo, Ivan Bastos, Eduardo Tudella, João Ubaldo Ribeiro, Carlos Betão, Fafá Menezes, Rodrigo Frota, Manuela Rodrigues, Mário Soares, Sante Scaldaferri e tantos outros que me comprovam, a cada dia, que vale a pena continuar. Agradeço a Fernanda Bezerra, a Rose Lima, Renata Hasselman, Petrus Pires, Clarissa Rebouças, e tantos outros, por sustentarem essa loucura que é ir contra a mesquinhez, a mediocridade e a inveja que corroem o belo palco deste grande teatro do mundo que é o pequeno palco dos nossos teatros.
A apresentação de hoje foi linda. E me ensinou muito. A arte continua me modificando, me acrescendo e mexendo comigo. Se algum desses sentimentos chegou a alguém da plateia, já valeu ter acordado às 07:30hs da madrugada de um domingo ensolarado e perder/ganhar os próximos dias ajeitando Sargento Getúlio para mais uma batalha contra a descrença, a desconfiança e a ignorância dos incautos e descompreendidos.
GVT.
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