A DISTRIBUIÇÃO DA CULTURA
Ildásio Tavares
Quando venho aqui, prestar minha modesta contribuição para uma cultura, da qual faço parte como criador e como gestor assíduo, não me limito a emitir palpites baseado exclusivamente no meu referencial, arvorando-me a dono da verdade. Não. Procuro discutir realidades a partir de uma longa vivência da coisa cultural, com quem lidei em épocas diversas; com diversos enfoques políticos; a partir de estratégias diferentes. Quero crer que a minha experiência e tirocínio sirvam para abrir uma janela para os que conduzem o barco cultural nesta transição Bahia. Janela onde poderão se debruçar sobre um representante de classe com a melhor das intenções e uma considerável folha de serviços prestados.
Ouço falar numa mentalidade descentralizadora que buscaria dividir melhor o apoio cultural do governo, ampliando a intervenção no interior, ou seja, despir um santo para vestir o outro. Tivéssemos uma capital pujante artisticamente, com atividades prósperas em todas as áreas, e mesmo assim haveria um esvaziamento no todo. Os fatos sociais ocorrem por capilaridade, imitação. Capital vem do latim caput que quer dizer cabeça. Antes de fortalecer um corpo, é necessário ter uma cabeça sadia e equilibrada. O interior não quer fazer arte interiorana, assim como a capital não quer fazer arte estadual. Todo projeto artístico é um caminho de crescimento.
Um estado com um movimento artístico e literário estruturado tem na capital um pólo de atração e aperfeiçoamento que depois se redistribui. Um surto cultural não virá por dirigismo nem geração espontânea no interior. Numa primeira etapa, urge que se estruture a capital e Salvador fica atrás até de Curitiba, pra não falar no Rio, São Paulo e Porto Alegre. O que ocorre é que a cultura popular da Bahia é tão forte, rica e sedutora que ela causa uma atrofia no setor erudito, mais desenvolvido nas capitais que citei, exceto aqui por alguns guetos de excelência, como o Balé do TCA, por exemplo. E o Viladança, que ganhou o Prêmio Nacional Petrobrás. É babaquice pensar a arte erudita como burguesa. No auge do stalinismo, a URSS jamais pensou em extinguir o Balé Bolshoi.
Arte de boa qualidade custa caro. Uma tentativa horizontal de democratizar a arte vai mediocrizá-la. Deve-se investir nos focos de excelência para depois distribuir o seu “know how”, socializar a sua experiência. Uma bolsa cultura seria impossível, porque a fome de arte varia de pessoa a pessoa, de lugar a lugar, e seria impossível satisfazer esta fome sem uma estrutura montada que pensasse as diversidades locais e administrasse o dinheiro, evitando a corrupção que existe até na bolsa família. Nossa arte nos representa.Vamos repensar a experiência da Bahia e não castrá-la. Em Lisboa, nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento, assisti a uma récita consagradora do Balé do TCA, ovacionada de pé pelo público. Saí do teatro de peito estufado. Orgulhoso de ser baiano.
2 comentários:
concordo!sobre o geral, mas não acho que o btca era mais excelência... já foi!
Mestre Ildásio Tavares, faz muito tempo que, infelizmente, nossos governantes, de maneira vertical, fizeram opção pela chamada "cultura popular". Cultura de Massa para agradar o povão porque dá mais voto, acredito. No entanto, "massa" a gente come com um bom molho à bolonhesa e um tinto seco, de preferência. Há grande contradição nisso tudo, pois o popular pode tanto ser acadêmico quanto não, assim como a erudição. Depende do ponto de vista. Certo mesmo é que nossos governantes só dão bola fora quando o assunto é cultura. Eu mesmo acho que o Selo Letras da Bahia não deveria existir, mas isso é um outro papo uu existir com severas restrições.
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