quinta-feira, dezembro 30, 2010

O som VIVO da Bahia; conexões e desconexões


Mariella Santiago
Praticamente uma semana depois da empresa OI deixar milhões de nordestinos desconectados da internet e da comunicação através de aparelhos móveis e fixos, sai o resultado do Primeiro Edital de Projetos Conexão VIVO.

Quase um trocadilho. Mas é muito mais que isso. Vivemos num estado que é considerado estrategicamente importante para o país em termos políticos e de consumo. Salvador é a terceira capital do Brasil em termos populacionais, e com a ascensão das classes mais pobres nestes 8 anos de governo Lula, o poder de compra aumentou sensivelmente, dando um estouro no mercado de televisores, celulares, computadores, etc.

No entanto, quase nenhuma empresa investe seu imenso lucro num retorno qualitativo para a Bahia, tampouco para Salvador. É uma vergonha não termos casas de espetáculos e centros culturais como outras capitais do país, vinculados a empresas como Credicard, Banco do Brasil e a própria OI.

A VIVO acaba de contemplar 34 projetos para a Bahia – desses, uns dez são pra gravação de CD, sem contar turnês, festivais, blogs. O projeto foi dividido, sabiamente (alô Funceb e Funarte!) em selecionados por uma curadoria e seleção direta pela empresa; e curiosamente percebemos o ecletismo e bom gosto das duas seleções se combinando e completando (com raras excessões e injustiças que possam ter havido e eu nem soube ainda).

Manuela e Sandra, junto com Cláudia Cunha
Dentre os selecionados, encontram-se a maioria dos artistas que vem realizando um trabalho de qualidade em Salvador. É um resultado assustador, até, para os padrões que estamos acostumados em seleções ao redor do país. Que tenham ficado de fora por não serem escolhidos ou por não terem concorrido, a ausência de alguns dos mais importantes artistas da música soteropolitana não invalidam um projeto que contemplou nomes importantes e ecléticos – e que vêm remexendo com nosso cenário musical. Artistas como Manuela Rodrigues, Rebeca Matta, Ana Paula Albuquerque, Sandra Simões, Mariella Santiago, Baiana System, Juliana Ribeiro e mais de vinte e tantos outros projetos e artistas que colorem nossa cidade com uma diversidade interessante e atuante, a despeito das dificuldades.

E eu não podia deixar de chegar a elas; as dificuldades. Com todo esforço, essas dezenas de artistas contempladas, apesar de aprovadas pela Conexão VIVO, estão desconectadas da cidade. Cada um à sua maneira, uns mais, uns menos, alguns com certo destaque por conta de mídias e gostos tendenciosos, mas a verdade é que se sairmos pelas ruas lendo os nomes dos aprovados, alguns conhecerão um, poucos conhecerão alguns, pouquíssimos mais de três.

E o que falta? Vergonha na cara da mídia, que só vende e só dá espaço ao fácil, aos trabalhos de consumo imediato. Falta que as rádios deixem de aceitar jabá e – por serem concessões públicas – cumpram seu papel minimamente de dar espaço a outras caras que não as mesmas do pagode, do pop, do axé e do sertanejo que os doentes mentais de Salvador estão começando a consumir nessa lobotomia de seguirem a tendência midiática que, pra meu espanto (mentira, sempre espero o pior), está recheando o xou da virada, da Rede Globo, de duplas sertanejas da pior espécie e qualidade. Falta que haja políticas públicas que pensem a música da cidade e do estado para além de lançamentos de editais e de valorização de folclorismos e modismos dos que comandam o “baba”.
Robertinho Barreto (Baiana system)

Enfim, falta muito para que haja uma real conexão dessa música que pulsa na cidade, mas não entra nas veias entupidas de porcarias que enfartam os neurônios de nossos petrosilvícolas.

É preciso uma real política pública das várias esferas que contemple nossa força musical, sufocada pelas manifestações que tem mais penetração, mais dinheiro pra comprar espaço na mídia e nas rádios, mais facilidade de entrar nas mentes oprimidas intelectualmente de uma boa parte da população de Salvador. É preciso uma pressão das instâncias públicas e da sociedade para que haja um investimento real e efetivo de capital e estrutura para que um projeto como esse da VIVO não fique a meio.

O Primeiro Edital de Projetos Conexão VIVO é uma ilha, um oásis na árida realidade de nosso estado e capital. Louvável. E necessário que seja imitado, copiado, reinventado, reestruturado, é fundamental que ele inspire outras empresas, que haja investimento em outras áreas com o mesmo porte. A dança – dança, mesmo, que eu falo –, o teatro, as artes plásticas, o cinema, muita gente anda sufocada tentando realizar seus projetos, suas ideias, suas invenções que esbarram nas poucas oportunidades e poucas comissões que atravancam vários processos.

Cadê a OI? Cadê a TIM? Cadê a CLARO? Essas empresas lucram tanto ou até mais que a VIVO por aqui, e fazem o que? Que investimentos vêm sendo feitos? Isso só pra ficar nas operadoras de telefonia móvel e fixa, pois se entrarmos pela lista de empresas – como a Nestlé, que tem uma fábrica que alimenta todo o nordeste em Feira de Santana e não põe um tostão na cultura baiana – vou passar dias listando, aqui.

Ana Paula Albuquerque
É uma vergonha essa ausência. Desilusões seguidas com o governo estadual, a nulidade imbecil e mentecapta da prefeitura, e a confusão e trocas-trocas da Funarte fazem sempre boa parte dos artistas sobrarem. E a possibilidade de diálogo com a iniciativa privada é nenhuma. Ninguém toma uma atitude, bate na mesa e pressiona? Ninguém, em nenhuma instância, parece se interessar em fazer essa conexão.

E nós, artistas? Já que é o capital que move os interesses das empresas, por que não, aproveitando a pane da OI, os artistas migrarem em massa, pela portabilidade, que seja, pra VIVO? Que tal os artistas em protesto às outras e como uma deferência à VIVO virarem clientes dessa empresa? Talvez uma migração em massa possa ser uma ação de terrorismo cultural que incomode. Temos que jogar com as peças do sistema, meus caros.

Fica a dica, aqui. E parabéns aos artistas que, eu espero, consigam com o Conexão VIVO se conectar à inteligência moribunda dessa cidade de ninguém; jogada às traças e na mão de interesses de empreiteiras, políticos estúpidos e corruptos, empresários ignorantes e limitados culturalmente.

2 comentários:

José Mion disse...

Adorei o blog, Gil!

Estou seguindo vocês agora. Valeu pelo comentário no meu e espero aprender um pouco por aqui!

Prof. Geraldo disse...

http://img340.imageshack.us/i/cartazdiretrizesoutline.jpg/