Mariella Santiago |
Praticamente uma semana depois da empresa OI deixar milhões de nordestinos desconectados da internet e da comunicação através de aparelhos móveis e fixos, sai o resultado do Primeiro Edital de Projetos Conexão VIVO.
Quase um trocadilho. Mas é muito mais que isso. Vivemos num estado que é considerado estrategicamente importante para o país em termos políticos e de consumo. Salvador é a terceira capital do Brasil em termos populacionais, e com a ascensão das classes mais pobres nestes 8 anos de governo Lula, o poder de compra aumentou sensivelmente, dando um estouro no mercado de televisores, celulares, computadores, etc.
No entanto, quase nenhuma empresa investe seu imenso lucro num retorno qualitativo para a Bahia, tampouco para Salvador. É uma vergonha não termos casas de espetáculos e centros culturais como outras capitais do país, vinculados a empresas como Credicard, Banco do Brasil e a própria OI.
A VIVO acaba de contemplar 34 projetos para a Bahia – desses, uns dez são pra gravação de CD, sem contar turnês, festivais, blogs. O projeto foi dividido, sabiamente (alô Funceb e Funarte!) em selecionados por uma curadoria e seleção direta pela empresa; e curiosamente percebemos o ecletismo e bom gosto das duas seleções se combinando e completando (com raras excessões e injustiças que possam ter havido e eu nem soube ainda).
Manuela e Sandra, junto com Cláudia Cunha |
Dentre os selecionados, encontram-se a maioria dos artistas que vem realizando um trabalho de qualidade em Salvador. É um resultado assustador, até, para os padrões que estamos acostumados em seleções ao redor do país. Que tenham ficado de fora por não serem escolhidos ou por não terem concorrido, a ausência de alguns dos mais importantes artistas da música soteropolitana não invalidam um projeto que contemplou nomes importantes e ecléticos – e que vêm remexendo com nosso cenário musical. Artistas como Manuela Rodrigues, Rebeca Matta, Ana Paula Albuquerque, Sandra Simões, Mariella Santiago, Baiana System, Juliana Ribeiro e mais de vinte e tantos outros projetos e artistas que colorem nossa cidade com uma diversidade interessante e atuante, a despeito das dificuldades.
E eu não podia deixar de chegar a elas; as dificuldades. Com todo esforço, essas dezenas de artistas contempladas, apesar de aprovadas pela Conexão VIVO, estão desconectadas da cidade. Cada um à sua maneira, uns mais, uns menos, alguns com certo destaque por conta de mídias e gostos tendenciosos, mas a verdade é que se sairmos pelas ruas lendo os nomes dos aprovados, alguns conhecerão um, poucos conhecerão alguns, pouquíssimos mais de três.
E o que falta? Vergonha na cara da mídia, que só vende e só dá espaço ao fácil, aos trabalhos de consumo imediato. Falta que as rádios deixem de aceitar jabá e – por serem concessões públicas – cumpram seu papel minimamente de dar espaço a outras caras que não as mesmas do pagode, do pop, do axé e do sertanejo que os doentes mentais de Salvador estão começando a consumir nessa lobotomia de seguirem a tendência midiática que, pra meu espanto (mentira, sempre espero o pior), está recheando o xou da virada, da Rede Globo, de duplas sertanejas da pior espécie e qualidade. Falta que haja políticas públicas que pensem a música da cidade e do estado para além de lançamentos de editais e de valorização de folclorismos e modismos dos que comandam o “baba”.
Robertinho Barreto (Baiana system) |
Enfim, falta muito para que haja uma real conexão dessa música que pulsa na cidade, mas não entra nas veias entupidas de porcarias que enfartam os neurônios de nossos petrosilvícolas.
É preciso uma real política pública das várias esferas que contemple nossa força musical, sufocada pelas manifestações que tem mais penetração, mais dinheiro pra comprar espaço na mídia e nas rádios, mais facilidade de entrar nas mentes oprimidas intelectualmente de uma boa parte da população de Salvador. É preciso uma pressão das instâncias públicas e da sociedade para que haja um investimento real e efetivo de capital e estrutura para que um projeto como esse da VIVO não fique a meio.
O Primeiro Edital de Projetos Conexão VIVO é uma ilha, um oásis na árida realidade de nosso estado e capital. Louvável. E necessário que seja imitado, copiado, reinventado, reestruturado, é fundamental que ele inspire outras empresas, que haja investimento em outras áreas com o mesmo porte. A dança – dança, mesmo, que eu falo –, o teatro, as artes plásticas, o cinema, muita gente anda sufocada tentando realizar seus projetos, suas ideias, suas invenções que esbarram nas poucas oportunidades e poucas comissões que atravancam vários processos.
Cadê a OI? Cadê a TIM? Cadê a CLARO? Essas empresas lucram tanto ou até mais que a VIVO por aqui, e fazem o que? Que investimentos vêm sendo feitos? Isso só pra ficar nas operadoras de telefonia móvel e fixa, pois se entrarmos pela lista de empresas – como a Nestlé, que tem uma fábrica que alimenta todo o nordeste em Feira de Santana e não põe um tostão na cultura baiana – vou passar dias listando, aqui.
Ana Paula Albuquerque |
É uma vergonha essa ausência. Desilusões seguidas com o governo estadual, a nulidade imbecil e mentecapta da prefeitura, e a confusão e trocas-trocas da Funarte fazem sempre boa parte dos artistas sobrarem. E a possibilidade de diálogo com a iniciativa privada é nenhuma. Ninguém toma uma atitude, bate na mesa e pressiona? Ninguém, em nenhuma instância, parece se interessar em fazer essa conexão.
E nós, artistas? Já que é o capital que move os interesses das empresas, por que não, aproveitando a pane da OI, os artistas migrarem em massa, pela portabilidade, que seja, pra VIVO? Que tal os artistas em protesto às outras e como uma deferência à VIVO virarem clientes dessa empresa? Talvez uma migração em massa possa ser uma ação de terrorismo cultural que incomode. Temos que jogar com as peças do sistema, meus caros.
2 comentários:
Adorei o blog, Gil!
Estou seguindo vocês agora. Valeu pelo comentário no meu e espero aprender um pouco por aqui!
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