quinta-feira, setembro 16, 2010

A opressão da província

O Teatro NU é um projeto fracassado.

Em 2006, voltando de Roma, onde duas peças minhas foram bem recebidas por artistas e crítico locais, resolvi fundar o Teatro NU, juntamente com Jussilene Santana, montando um dos textos lidos na Itália, e estreamos o grupo com Os Amantes II.

A viagem a Roma, como meus seis meses em Portugal, me fizeram perceber um reconhecimento do meu trabalho, um respeito pela minha estética. Algo que Selvador deu as costas.

Após um ano de jejum, único na minha carreira, em 2007 – primeiro ano do governo Wagner/PT – passei no primeiro e único edital de montagem da minha vida, no governo estadual. Assim, em abril de 2008, estreei Os javalis.

O espetáculo foi completamente ignorado. O Prêmio Braskem, num ano em que havia na comissão nomes como Hebe Alves, Paulo Cunha e Gilson Rodrigues, não só ignorou o espetáculo em todos os quesitos, como no quesito “melhor texto”, que seriam quatro indicações, indicaram apenas três peças. O que, notoriamente, se configurava como um recado; “você está fora do jogo, não faz parte do processo”.

Os javalis foi selecionado, em 2009, para encerrar o Festival do Teatro Brasileiro em Fortaleza. Dois dias de casa cheia e novamente um reconhecimento e um respeito pelo meu trabalho fora daqui. E volto ao ostracismo da província.

Fizemos o Teatro NU Cinema, projeto que funcionou de forma satisfatória montando peças curtas de Tchekhov antes de sessões de cinema numa sala de arte de Selvador. Fizemos também o "Diálogos sobre dramaturgia contemporânea", trazendo dramaturgos do Chile e Espanha para dialogar aqui na selva. Mas 2008 e 2009 foram dois anos de sucessivos editais perdidos, com projetos como: SADE, texto meu oriundo de uma dissertação de mestrado; Animais noturnos, de Juan Mayorga, autor espanhol que seria pela primeira vez montado no Brasil aqui, mas devido aos sucessivos fracassos da gente em editais acabou virando febre no eixo Rio/São Paulo e compraram os direitos da obra; e Sargento Getúlio, adaptação de João Ubaldo Ribeiro que venho há anos tentando montar e sendo reprovado.

2010 começou com a promessa de seca para o Teatro NU. Mas como havíamos passado num edital de circulação do governo estadual, viajamos com Os javalis por Itabuna, Camacan e Camaçari. Mais uma viagem e um alento. De novo casa cheia, um reconhecimento e respeito pelo meu trabalho, discussões ótimas após o espetáculo. E volto pra Selvador sem perspectiva de realizar qualquer coisa com o Teatro NU.

Em agosto desse ano, uma surpresa; sou convidado pela Universidade Federal de Goiás para passar uma semana em conferências sobre meu projeto de doutorado, sobre meus textos, acompanhando algumas aulas discutindo dramaturgia. Mais uma vez uma viagem me trazendo alento. A deferência e a forma como fui tratado em Goiânia foi marcante, e foram dias bastante proveitosos, onde, acho, plantei sementes. Volto pra Selvador e o presente que a cidade me dá é eu perder o sexto edital consecutivo de montagem do governo do estado, de novo com SADE. Sou hexacampeão antes da Seleção Brasileira.

Selvador me expulsa aos poucos daqui. Notadamente seus artistas, que à frente de premiações e comissões de editais, rejeitam sistematicamente meu trabalho. Coimbra, Itabuna, Braga, Camacan, Roma, Camaçari, Fortaleza, Évora, Goiânia, não. Cidades onde pude respirar e me sentir artista e pensador de teatro de verdade. Essa expulsão aos poucos é até boa, pois num rompante podemos nos arrepender, e a forma como a coisa está se construindo é pra que eu saia e, de repente, não volte nunca mais. É um processo sem volta, pelo visto. Além de tudo, o blog que mantenho, onde falo o que penso e me embaso para tal, incomoda muito a pasmaceira da província, o silêncio dos covardes e oportunistas.

E vou deixando pra trás o projeto Teatro NU, de dialogar com dramaturgia contemporânea e clássica, montar autores baianos, possibilitar espaços de discussão sobre teatro, formar platéia, sempre trabalhando com alguns dos melhores profissionais da cidade. Coisa que também é ignorada e rejeitada pela selva e pelos artistas que ficam aqui de galho em galho. Vou sendo impossibilitado de dar continuidade a um projeto de vida.

O projeto Teatro NU fracassou. Interessou apenas a alguns artistas, coincidentemente ou não, os poucos que ainda respeito nesta terra de gente pusilânime, interesseira e vingativa, adjetivos básicos da província. Sinto orgulho de ter trabalhado com os melhores atores daqui, de ser chamado por pessoas tão distintas quanto Fabio Vidal e Fernando Guerreiro pra eu trabalhar com dramaturgia. Sinto orgulho de ter construído uma carreira que ficou à sombra, alijada, mas que me trouxe muita felicidade pelo retorno que tive dos poucos que me respeitam.

E sinto uma imensa tristeza em ver que, cedo ou tarde, terei que inevitavelmente abandonar a selva e ir em busca de luz.

Ou como diria Gerald Thomas, em seu blog:

“Um excelente dramaturgo baiano, Gil Vicente Tavares, ignorado pela imprensa de Salvador, ganha elogios da imprensa européia. Mas em sua própria cidade não é notado. Eu lhe escrevo pra ignorar a ignorância...”

4 comentários:

Jussilene Santana disse...

Gil,

Não há nenhum sinal no horizonte que diga que um SISTEMA para o teatro profissional em Salvador seja retomado a curto prazo. A escolha foi feita pelos governantes, deliberadamente ou não (o que seria ainda mais complicado...), em outro sentido. Quem tenta fazer o "velho" teatro profissional hoje na cidade(ambicionando longa temporada, com público pagante feito de não-parentes e não-amigos, com ousadia na escolha do texto, com certo 'lucro' de bilheteria que dê para remunerar seus PROFISSIONAIS) está literalmente contra a corrente.

Jussilene Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SB-SSA disse...

Bem, cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, como já escreveu o Caetano. Não ousaria dizer não desista de Salvador, mas seria um alento se não desistisse.

jorge abreu filho disse...

Velhinho, vc nao me conhece, mas estou vivamente impressionado com seus textos e a forma com que vc desenvolve seu raciocinio.E sua leitura da Bahia esta simplesmente genial. O exodo de talentos locais esta atingindo niveis inacreditaveis, em todas as areas, nao so na area artistica. O ultimo talentoso a sair por favor apague a luz.