domingo, setembro 19, 2010

A.R.T.E e iniciativa privada


A relação entre iniciativa privada e o teatro feito em Selvador se esboroou. Em alguns setores, regrediu, em outros, não avançou.

A idéia de fortalecer um Fundo de Cultura do Estado da Bahia veio estimulada pela idéia nacional em torno da cultura. Seguidas reuniões abominavam a Lei Rouanet por ser esta uma lei que, a partir da isenção de 100% em impostos, fazia com que empresas não precisassem tirar do próprio bolso pra realizar eventos que promovessem a marca da empresa. Peças com globais, árvores de natal, apresentações musicais de artistas consagrados, tudo isso promovia as empresas sem que elas precisassem tirar um centavo real do bolso, economizando nas verbas de márquetim e afins.

No âmbito estadual, o Fazcultura, através da isenção de ICMS, foi uma lei criada para que a empresa entrasse com 20% de capital próprio. Algo mais “justo”, visto que uma parte da verba seria da iniciativa privada. Pensando que num projeto de 100 mil reais a empresa entraria com 20 mil reais, com isso ela teria sua marca vinculada a um projeto de longa duração, entre ensaios e apresentações, com divulgação espontânea através de outdoors, banner, chamadas em rádio e TV. Além disso, promoções no local da apresentação, com áudio e mídia divulgando a marca e os atores agradecendo ao final do espetáculo. Um retorno considerável levando-se em conta a circulação média de 150, 200 pessoas por dia no local de apresentação.

Mesmo assim, muitas empresas passaram a patrocinar através do Fazcultura com a exigência de devolução dos 20% que entrariam de seu próprio bolso. Os artistas, mendigos de verba, passaram a aceitar, e as empresas passaram a burlar a lei e se locupletar da isenção de impostos sem investir no produto artístico. As poucas que ainda faziam e fazem; com exceção, é claro, das que sensibilizadas investem integralmente e de forma louvável, diga-se de passagem.

Essa falcatrua estimulou mais ainda esse fortalecimento do Fundo de Cultura. Só que entramos num retrocesso, com isso. Empresas mistas, principalmente (estaduais e privadas), tais como Bahiagás e Coelba, que tinham editais próprios e financiavam através do Fazcultura, aplicaram seu capital no fundo. Com isso, Selvador perdeu de ter alternativas de subvenção, um calendário mais rico de atividades e oportunidades para os artistas.

Atualmente, um único edital de montagem acontece, tendo que contemplar capital e interior (416 municípios). O que significa que de uma única cartada, uma comissão de três pessoas vai escolher quem fará teatro com o mínimo de dignidade pelo restante do ano.

Apesar da qualidade do nosso teatro ter caído vertiginosamente (conferir os artigos Memórias de um teatro desandado I, II e III), Selvador ainda possui artistas de qualidade que se digladiam por um único edital onde, naturalmente, alguns bons projetos ficarão de fora em detrimento de outros bons que são aprovados (ou não). A multiplicidade de editais fazia com que fosse mais fácil viabilizar projetos, visto que um podia ganhar num edital, e outro projeto ganhar noutro edital, assim havendo uma real distribuição de verbas. A concentração no Fundo de Cultura acabou por limitar, ao invés de ampliar, a produção local.

É público e notório que o empresariado baiano não tem cultura, sensibilidade, nem visão a longo prazo para dialogar com a cidade e seu crescimento subjetivo, seu capital simbólico. Investe-se nas festas de bloco, nos camarotes de carnaval, e poucas empresas, como as de telefonia, ainda realizam eventos que sejam distintos da cultura de massa e do oportunismo capitalista.

Aliado a isso, grandes empresas que investem nos centros do país, como os centros culturais do Banco do Brasil, Correios, as salas de teatro e de espetáculos musicais da Credicard, da Oi, galerias, enfim, nada disso chega a Selvador. Todas essas alternativas de produção e realização inexistem e inviabilizam que as artes em Selvador possam ter mais alternativas do que a centralizadora e única opção de subvenção através do Fundo de Cultura; visto que a relação da prefeitura com a cultura é uma negação, uma palhaçada que deveria se tornar um escândalo nacional, mas na terra do deixa-disso as coisas vão passando e a vida passando por cima da gente...

Vale ressaltar que, a despeito do bom funcionamento do Teatro SESC-Pelourinho, o SESC não investe na cultura soteropolitana. Costumo fazer a piada (e é um óbvio exagero) que se os poderes públicos cortassem toda a verba pra cidade de São Paulo, mesmo assim eles teriam uma arte pujante com as realizações dos SESCs que pululam pelos quatro cantos da capital.

Só acredito num movimento de cima pra baixo. Achar que a sociedade civil vai se organizar, achar que a população de Selvador vai demandar mais arte na cidade pressionando os poderes públicos, tudo isso é balela. Gestores de visão, no âmbito privado e público, são fundamentais para alavancar as artes de Selvador e resolver os retrocessos em certas áreas e a falta de avanços em outras.

E a iniciativa privada é um motor essencial para impulsionar as artes aqui na selva.

2 comentários:

Anônimo disse...

"... uma comissão de três pessoas vai escolher quem fará teatro com o mínimo de dignidade pelo restante do ano."

Será que só quem é contemplado num edital do governo pode fazer teatro com dignidade?
Discordo.

O Axé, é verdade, desviou o foco da cultura de Salvador, entretanto, em nenhum outro local do Brasil se viu um fenômeno tão grande. Muitos de teatro foram na onda do Axé e ganharam bastante dinheiro, você deve se lembrar mais que eu, que só ouço falar desse "teatro anos 90".

Qual a solução, Gil Vicente? O que pode vir para SOLUCIONAR essa estranha crise cultural que vivemos hoje em Salvador? Use o seu intelecto e inteligência para procurar novas fontes, novas soluções, e não para criticar a atual (e falha) conjuntura.

Já leu o Rei da Vela, peça de Oswald de Andrade? Fica a sugestão. Preste atenção na personagem "intelectual Pinote".

Beijos

Bruna Scavuzzi

Gil Vicente Tavares disse...

Bruna, discordar, simplesmente, não me responde quais as alternativas para se remunerar decentemente o processo de ensaio e todos seus participantes, ficando numa temporada de, no mínimo dois meses, com boa divulgação.

O Fazcultura, infelizmente, é pra poucos porque se mistura insenbilidade e/ou desonestidade e/ou falta de informação do empresariado por um lado. Por outro, numa terra com ranços de Império, de trocas de favores, só quem tem contatos, ou só quem faz sucesso midiático consegue atingir as empresas que aportam recursos através da lei de incentivo estadual. Além disso, nem todos os artistas estão preparados para esse diálogo. Não foi criado um terreno fértil pra isso, pelo contrário, há uma repulsa cada vez mais de certas partes dos governos, pelas leis de incentivo com decisão a critério da iniciativa privada.

O município é nulo. e a FUNARTE é uma loteria no escuro. Rouanet funciona em âmbito nacional e nenhuma empresa tem sua sede em Salvador, e nem tampouco há interesse em subvencionar teatro aqui; e por aí vai, basta ler esse artigo.

Quanto às soluções, existe gente paga, através dos nossos impostos, para isso. Sou propositivo, atuante em encontros e reuniões, e a crítica que faço é construtiva, ela aponta pra certos problemas, no meu ponto de vista, que a partir daí podem se tornar soluções.

Esse blog é pessoal, não ganho nada para escrevê-lo, portanto uso meu intelecto e inteligência para o que me aprouver no momento. E, no momento, me interessa criticar a iniciativa privada e a limitação da produção teatral na cidade.

Já que você discorda do que falo sobre a única possibilidade através de um edital do governo, escreva sobre isso, pois posso publicar aqui no blog e vai ser de bastante serventia pra alavancar o teatro em Salvador.

beijos,

GVT.