domingo, julho 04, 2010

Memórias de um teatro desandado III

As questões estéticas do teatro baiano, que apenas toquei acima como outro sintoma de nossa crise, não foram exploradas porque, recentemente, numa conversa com o diretor Fernando Guerreiro, angústias e anseios em comum me levaram a provocá-lo a escrever um texto curto sobre isso tudo.

Se você for, neste exato momento, em qualquer capital do mundo, verá em cartaz um Ibsen, um Brecht, um Shakespeare, um Beckett. Sou dramaturgo, entusiasta da nova dramaturgia, mas não podemos sedimentar uma realidade teatral numa cidade sem dialogar com os clássicos. Sem educar, formar um público que possa ter a oportunidade de conhecer nossa história, apreciar grandes personagens, se deleitar com textos geniais.

Não acredito numa arte que não dialogue com seu passado. Seja pra criticá-lo, seja para citá-lo, seja para ressuscitá-lo ou negá-lo. E não há diálogo com o nada, no vácuo não se produz som. E sem grandes textos no palco, não podemos ter grandes esperanças.

Segue o texto de Fernando Guerreiro:

SOBRE O QUE REPRESENTAR

Sou um diretor à moda antiga, gosto de estudar e dirigir um bom texto. Ao longo de sua estória, o teatro viu seus palcos invadidos por diretores autores, atores autores, ou simplesmente, ausência de autores, as famosas perfomances, criações coletivas, acontecimentos teatrais, ou como se queira denominar montagens em que a palavra perde em importância para todos os outros elementos da encenação.

Como podemos formar platéias sem oferecer-lhe a oportunidade de entrar em contato com grandes obras dramáticas? Para mim, a palavra é a essência do drama, seu elemento principal e o que o personaliza. É fundamental o desenvolvimento de novos dramaturgos, que saibam construir a base para grandes encenações. Mas para isso precisamos trazer o texto de volta aos palcos, sem firulas, sem inovações ( uma ilusão que já perdi, pois sei que tudo se repete), apenas com competência e muito, muito trabalho.

Comecei a minha carreira no final da década de 70 e tive o prazer de ter contato com montagens de pérolas da dramaturgia. De João Augusto, no Vila Velha, à saudosa Cia de Teatro da UFBA, pude assistir Sófocles, Goldoni, Pirandello, Shakespeare, Moliere, Nelson Rodrigues, Oduvaldo Viana Filho, Cleise Mendes, Nélson Araújo, Suassuna e por aí vai. E, o mais importante, em montagens que não brigavam com estes textos, não “recriavam” o que estava no papel. Sempre que converso com jovens diretores eu digo: cuidado com o que vocês vão fazer com o texto! É preciso dissecá-lo, estudá-lo a fundo, descobrir todas as suas nuances e possibilidades. Criar uma relação de respeito e não de competição. Nunca querer aparecer mais que ele, mostrar que é melhor que ele.

Quero começar um movimento pela volta de grandes textos ao tablado, em montagens básicas, sem firulas ou enganosas “inovações”. O teatro baiano está vivendo um momento de ressaca, poucas estréias interessantes, um excesso de pós-modernismo de um lado, um excesso de comédias rasas do outro. Vamos buscar de novo a qualidade, trazer grandes atores de volta, representando textos essenciais. Só assim podemos sair da lama em que estamos chafurdando.

Fernando Guerreiro.

5 comentários:

Pense, logo exista. disse...

Ai Ai Gil! Desculpa, mas não concordo.Quanta melancolia! Quer montar um texto clássico, monta. Se você acredita que este o seu caminho, se for a sua “praia”. Agora não queira que todos pensem como você. O público precisa escolher o que quer ver, como cinema e TV. Hackler vai montar Fim de Partida de Beckett e deve ser igualzinho como está no texto (pelo que conhecemos do trabalho dele), passou na Funarte. Hebe encenará adaptação de Nelson Rodrigues, passou na Funarte tb. São 2 diretores de peso em Salvador, gostem ou não. Não acho que as coisas precisam ser tratadas desta forma. Cada um dirige o que tem vontade e como desejam. Esse discurso não faz mais sentido. Formação de pessoas ou platéia se faz também nas salas de aulas (ensino formal ensino fundamental e médio e no ensino informal, nas oficinas). A Escola de Teatro - UFBA, precisa preparar melhor os alunos de Licenciatura em Artes Cênicas (arte-educadores). Estes vão formar pessoas ou platéias futuras para o teatro produzido aqui. Mão dupla, não é verdade? Não adianta apenas formar apenas pela apreciação. Precisa ter também a contextualização. Não podemos querer enfiar apenas a nossa interpretação, linguagem ou estética. Ensinar, por exemplo, a origem do teatro, do texto dramático, principais dramaturgos, diferenças entre texto dramático e o texto narrativo, etc. Agora, artisticamente falando, cada diretor/artista, ator/compositor, dramaturgo/diretor, etc, escolhe o que deseja encenar, linguagem e a estética.
Estamos no século XXI, 2010. O teatro baiano não pode estagnar com os mesmos produtores, diretores, atores, dramaturgos, cenógrafos, iluminadores, etc. O público baiano precisa ter acesso a tudo. Textos clássicos, besteirol, contemporâneo, trabalhos colaborativos, teatro de grupo, teatro sem grupo, teatro com $, teatro sem $, amador, profissional, estudante, pesquisa, experimental, dramaturgos brasileiros ou estrangeiros, dentre outros
Saudações! Cristiane Barreto

Gil Vicente Tavares disse...

Cris, n... Ver maisão seja incauta. O que se está discutindo aqui é a falta de referências, a falta de diálogo e de trabalhos sólidos. E os clássicos permitem essa reciclagem. Venho montando meus próprios textos com o Teatro NU, estou num processo colaborativo com Fabio Vidal e devo entrar em outro com Guerreiro, que escreveu parte do texto acima. Trouxe, ano passado, através do Fundo de Cultura do Estado, Ramón Griffero (Chile) e Darío Facal (Espanha), dois dramaturgos distintos, contemporâneos, que vêm questionando a dramaturgia em seus trabalhos, justamente pra dialogar com o atual, o que vem sendo feito. Se você acha que as produções atuais vão muito bem, se existem as várias vertentes, se não houve um declínio da década de 90 pra cá, bom pra você. Mas aqui ninguém está querendo pensamento igual. Se você se deu ao trabalho de ler os três artigos, pra não ficar descontextualizada, há uma preocupação com a atual produção da cidade, que sempre contemplou sua diversidade. Seu discurso volta a colocar a questão BAxVI. Quando se questiona uma coisa, não se está negando a outra. Não acredito nessa coisa de clássico versus contemporâneo. Teatro físico versus teatro da palavra. Todo teatro é teatro. Eu estaria indo contra o teatro que eu mesmo estou fazendo. Mas procuro estar em diálogo constante com as referências que me formaram. Pra isso se estuda, se lê, se aprende.
Artaud falou em destruir as obras-primas depois de ter lido quase todas elas.
"o público baiano precisa ter acesso a tudo". Concordo. Mas está tendo? Que tudo é esse? É satisfatório? A resposta que ouço do "público baiano" tem sido "não".

Pense, logo exista. disse...

Hahaha incauta é ótimo! Tem coisas que nem preciso ler tudo para saber do que se trata. Não tenho problemas por vc e outras pessoas me acharem incauta, sei lá mais o quê! Adoro! Cada um acha o que quiser. Gosto de vc, viu? Só acho que vc tá num discurso que não te pertence ainda. Vc é jovem e tem muito ainda para aprender e fazer (assim como eu...hahaha). Vc fez uma enquete para saber sobre o que o público público baiano que vai ao teatro aqui acha? O que eles gostariam de assistir? Tipo uma pesquisa de ibobe? É isso? Olha, acho vc um cara inteligente, sei que tem buscado dialogar com outras linhas de trabalho e todos nós precisamos mesmo. Por isso não concordo com o discurso de que se tem oferecido pouco ao público ou só na década de 70, 80 ou 90 se fazia um teatro bom na Bahia. Estamos em outro momento. Isso tá mais para saudosismo. Mesma coisa falar que aqui só tem meia dúzia de atores ou diretores bons, não é verdade. Todo ano aparecem pessoas novas. Quem quer trabalhar com os profissionais mais antigos, trabalha. Quem quer trabalhar com gente nova, trabalha. Quem quer misturar, mistura.

Tem atores que trabalharam muito na década de 90 e que são realmente bons. Mas muitos não se reciclaram, fazem apenas um tipo de teatro. Não conseguem dar contnuidade em suas carreiras pq ficaram presos a menos de meia dúzia de diretores. Ficaram presos a um modelo: diretor convida para fazer uma peça, ele aceita e faz, apenas isso. A realidade hj necessita que todos empreendam projetos pessoais, desde o diretor, dramaturgo, grupo, ator, cenógrafo, etc.
Nunca gostei de comparações do tipo BAxVI. Quem me conhece, sabe. Muito pelo contrário, sou a favor de tudo.

Te pergunto: na década de 90, por exemplo, quem mais produziu teatro aqui em Salvador? Rapidamente lembro de 5 a 6 diretores e só. Poucos dramaturgos produziram, alguns atores fazendo a maioria das peças, etc. Estou tirando a Escola de Teatro- UFBA pq ali é um espaço de formação público, não é um espaço para vaidades e individualidades artísticas dos professores ( o que sempre aconteceu). O espaço precisa ser priorizado para a formação do aluno.

Bom, é isso. É o que acho. Não concordo com esse discurso. Discussão para mim não é briga.

Cristiane Barreto

Gil Vicente Tavares disse...

Oh, Cris, assim fica dif... Ver maisícil o diálogo. Por isso eu te chamei de incauta. Quantos grandes espetáculos, com grandes elencos têm estreado na cidade? Quantas peças têm sido viabilizadas através de parcerias com institutos de língua? Quantas estréias nós temos tido? Quantos colegas você vê nos palcos da cidade? Quantas produções têm sido feitas pela Cia de Teatro da UFBA? Estou discutindo fatos, números, coisas evidentes. Não estou aqui para julgar talento de ninguém. Nem comparar dentro desta visão quem e quando era melhor.
São evidências de uma decadência na produção. Ponto.
Talento não se discute.

Pense, logo exista. disse...

O teatro tá em crise.Ok.Está. Mas não é só na Bahia. Cada lugar em suas devidas proporções. Acho que no mundo todo. Não só o teatro, a arte de uma maneira geral. Estamos vivendo um momento de mudanças em todas as áreas, talvez, agora por diante, seja assim sempre. Tudo muda em uma velocidade quase que instântanea. Temos problemas aqui, temos. Falta ainda uma política cultural que realmente absorva a diversidade, falta. Falta tanta coisa, né? Isso é inegável.

Mas o tempo passa. Seria a mesma coisa se ficasse aqui comparando a violência em Salvador nas décadas de 70,80 e 90 com a atual. Claro que aumentou, a cidade é outra. As pessoas também mudam, precisam mudar. Não adianta achar que com o teatro é diferente porque não é. O teatro reflete a situação social, econômica, cultural de sua época. Se estamos produzindo menos, se produzimos mais, se produzimos espetáculos considerados medíocres (para alguns) ou se produzimos as mesmas coisas de sempre (para alguns), acho que é um reflexo de uma época e não do PT, PSDB, DEM, sei lá mais o quê.
Não gostava da época que apenas algumas pessoas ganhavam verbas diretas sem passar por editais ou por algum tipo de seleção, por exemplo. Sempre as mesmas pessoas. Hojé está pior? A burocracia dos editais estaduais é um saco! A falta ainda de uma neutralidade na escolha ainda é percebida. A demora do repasse da verba é um desespero. Tudo isso e mais algumas coisas concordo.

Agora que o teatro baiano (diretores, atores,textos,espetáculos, etc) só aconteceu no passado, não concordo. Acho saudosismo. Li agora pouco um livro chamado Teatralidades Contemporâneas de Silvia Fernandes que tenta analisar (como se fosse possível) o teatro (principalmente paulista) da década de 70 aos dias atuais. Observei que o que estamos vivendo aqui agora, em SP, por exemplo, já vive há tempos, quando achamos que aqui está um samba do criolo doido nas produções recentes. Gosto não se discute. Acho que existe espaço para tudo e todos. Não existe é dinheiro para tudo e todos. Não seria esse o verdadeiro mal-estar?

Cristiane Barreto