O Ministério da Cultura terá o maior orçamento de sua história. R$2,2 bilhões de reais para investir num de nossos maiores patrimônios que é a inventividade de nosso povo e a qualidade de nossa arte.
Há tempos o Ministério da Cultura tem se voltado a políticas de reparação, de acessibilidade, investindo em ações populistas/populares, deixando praticamente a cargo da FUNARTE a administração, criação de políticas e incentivo às artes pelo Brasil afora.
Penso que “Gilberto Gil fez o Ministério da Cultura existir”, como disse o saudoso Augusto Boal, e também um ex-ministro da cultura, em discurso no Minc. Várias ações importantes foram realizadas, mas o, ou um dos calcanhares de Aquiles de sua administração foi a FUNARTE, que ia por um caminho com Antonio Grassi, escorregou por outro equívoco com Celso Frateschi, e não disse pra que veio com Sérgio Mamberti.
É até curioso que os três tenham ligação direta com minha maior área de atuação (ou ex-área de atuação, se continuar do jeito que está), que é o teatro. E nada de proveitoso, realmente, aconteceu. Editais – que não são política pública, erro que a Secult-BA comete, também – ineficazes e modificados ano a ano, falta de uma ação direta que possibilitasse uma verticalização de ações que conectassem o Brasil e difundissem obras, dramaturgias, profissionais. Enfim, a primeira reação, que seria de entusiasmo, não pôde ser sentida por mim, atento e desconfiado que sou, da útil e efetiva aplicação dessa verba em ações importantes.
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Neste mesmo passo, de entusiasmo frustrado, estou com as notícias que leio sobre as reformas urbanísticas em Salvador.
Minha cidade é uma das mais feias que conheço. Crescimento desordenado, falta de uma idéia de conjunto, de aproveitamento geográfico, burrice, usura, tudo lastimavelmente contornado por possibilidades de uma bela cidade. Basta procurar que achamos lugares onde podemos respirar, admirar belos prédios, mas somos a cidade que derrubou a Igreja da Sé pra passar uma linha de bonde, pra não falar em belos teatros que derrubamos, abandonamos, etc.
Foi anunciado um “pacote” de modernização da cidade, atrasado em mais de 40 anos, quando um último projeto urbanístico foi feito pra uma cidade de 700 mil habitantes, contra os 3 milhões que nos colocam como terceira capital em termos populacionais do país (em termos civilizatórios e urbanos devemos estar em penúltimo ou na rabeira).
Há idéias boas, anunciadas pelo atual prefeito, mas que geram em mim desconfianças mis.
Em primeiro lugar, este é um prefeito que vem dando as costas à cultura de forma violenta, lavando as mãos em relação ao município e deixando os artistas locais à mercê da equivocada política estadual, nosso único e indevido amparo para apoio e incentivo às artes; e num governo sindicalista do PT! Imaginem que valor eles dão à arte enquanto arte, sem contrapartida, esmola, populismo, etc.
Em segundo lugar, os horríveis postes azuis que poluem a cidade, as reformas oportunistas e algumas escolhas estéticas da atual prefeitura me deixam receoso do que realmente acontecerá com as reformas futuras, a despeito de grandes profissionais, como Ivan Smarcevski (soube que Lelé está nessa, também), que estão à frente do projeto urbanístico de parte da idéia.
Em último e mais preocupante lugar, fico me tremendo todo só de imaginar o quanto os vagabundos de empreiteiras, do judiciário, do executivo e do legislativo vão se locupletar com essas obras.
Uma das maiores vergonhas que sinto em ser baiano é o caso de nosso metrô, que foi reduzido pela metade, de um projeto já nanico, e gastou muitas vezes mais do que era pretendido no orçamento inicial pra depois se fazer bem menos.
Quem manda nessa cidade são ladrões, vagabundos, pessoas que enchem o rabo de dinheiro enquanto nós, babacas, ficamos aqui torcendo por melhorias e revoluções. 99% dos que estão à frente das grandes empresas baianas são pessoas interesseiras, incultas, ignorantes e inescrupulosas. Isso está mais do que claro. Se muita gente enriqueceu na maior piada urbana que foi o metrô de Salvador, imaginem como será com o plano urbanístico da cidade. O que foi planejado pra cinco será feito em quinze, com orçamento final cem vezes maior, com um monte de gente ficando rica, a cidade ficando um caos, pra, ao fim e ao cabo, o projeto ser terminado num momento onde a cidade – já tendo exaurido todos os recursos possíveis da união, da iniciativa privada e do governo estadual e municipal – esteja precisando de uma nova reforma em seu planejamento urbano.
Esse é o governo que aprovou o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano na calada da noite, com vereadores brigando, pra atender a uma elite que quer levantar arranha-céus, destruir o pouco que resta de mata atlântica, botar sombra na praia porque essa elite é predadora e o interesse imobiliário e o bolso de poucos interessa mais do que uma cidade aprazível pra muitos.
Predadora porque usa a cidade pra roubar, pra levar vantagem, e vai gastar seu dinheiro longe daqui. A elite de Salvador não faz o dinheiro circular, não faz programas culturais diversificados, são antas intelectuais que compram carros caríssimos, coberturas, e cagam pra cidade. E os políticos estão a serviço deles, o que no fundo significa deles mesmos, é algo endógeno do qual nós, idiotas, não fazemos parte.
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É isso. Nem eu me agüento mais com tanto pessimismo e desespero. Mas não consigo enxergar nada diferente do que está dito acima.
Adoro Salvador. Mas estou precisando talvez dar um tempo, um longo tempo, dela. Alguém quer me adotar?
2010 talvez seja uma repetição de 2007, primeiro ano do governo Wagner, único ano, depois que me tornei profissional, onde não consegui estrear nada. Vou começar e terminar minha relação com esse governo frustrado, sem criar, sem fazer o que, mal e porcamente, sei fazer de menos ruim.
Mas têm aqueles que estão comprando apartamentos bons. Têm aqueles que vão ficar ricos com reformas e projetos na cidade. Têm aqueles que passam por cima de tudo pra beneficiar amigos e perseguir inimigos, repetindo a sanha carlista de coronelismo e fascismo.
E sabe o que eles têm mais?
Têm mais é que se f...
Um comentário:
Gil,
Um soco no estômago. Ler este texto me deixou ainda mais triste. Salvador, minha terra... Você sabe como sou guerreira e como também me sinto impotente...! A cidade cresce acéfala, desordenada, grosseira e incapaz de se defender! Pior: não sabe que PRECISA se defender...
Falta razão, raciocínio, frieza... O ambiente intelectual se perde também em picuinhas e na luta selvagem pela sobrevivência. Os pensamentos sublimes e a sutileza morreram há 27, 28 anos... Pensar NA CIDADE, no conjunto e a longo prazo é impossível.
Não há articulação e sabedoria suficientes para pensarem para além dos próprios grupos. O TODO (aah! este "universalismo besta!) é uma questão ultrapassada para eles, não é?
A velha questão, daquele meu velho texto: "Quem SOMOS nós?"
Dessemelhante...
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