segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Gerônimo e a cor da Baía

Salvador não é negra. Nem branca. Salvador é baiana.

Assim foi confirmado quando as luzes da platéia se apagaram e os refletores iluminaram Gerônimo.

Dia 07/02, às 11hs, começava mais uma edição do projeto Domingo no TCA, iniciativa do Teatro Castro Alves de oferecer, ao público baiano, boas apresentações a R$1,00, sempre aos domingos, de forma intermitente.

Como não podia deixar de ser em nossa “terra de índio”, a apresentação começou – e vez por outra continuou – com problemas no som. Mas a imagem do imenso Pajé que Gerônimo se tornou deixou pra trás as falhas e cantou as folhas. Nas cantigas louvando orixás, os trabalhos estavam abertos.

Foi também a gravação do primeiro DVD da carreira de Gerônimo, tardíssimo e merecidíssimo. Grande intérprete dos sons da Bahia, ele compôs ao lado de Vevé Calazans a música que Dorival Caymmi, que entendia um pouquinho de música, dizia ser o hino da Bahia; É d’Oxum. Uma canção que, se vivêssemos num lugar onde se respeitasse os criadores, teria dado aos dois parceiros uma tranqüilidade financeira que, nem de longe, grandes criadores do Brasil conseguem ter (muito menos eles).

Assim como o louvável convite do TCA, feito a Gerônimo, o IRDEB, no nome de Pola Ribeiro, pôde proporcionar essa alegria a Gerônimo, eterno marginal do mercado pernicioso e selvagem da música baiana – por culpa de vários lados que não vêm ao caso agora... E uma grande alegria àquele público que acompanhou o espetáculo aplaudindo e demonstrando o quão grande estrela Gerônimo poderia ser, no nosso cenário atual.

Espero que essa iniciativa do TCA e do IRDEB não vire depois edital, pois está acima de qualquer disputa privilegiar um grande artista com a oportunidade de realizar um trabalho da qualidade do que foi apresentado ali. Edital pra gravação de DVD, edital pra Domingo no TCA, tudo agora está virando edital...

Na apresentação, dirigida por Bené Fonteles, tudo estava no lugar. Bira Marques saiu do piano pra apresentar sua Orquestra Afro-brasileira (bastava chamar-se Orquestra Baiana), a única canja do espetáculo que, subindo do fosso, mostrou boas idéias a serem amadurecidas e maturadas; mistura de música de concerto com música de rua e de terreiro.

O figurino e o cenário de Zuarte Jr também foram muito felizes. Fiquei logo entusiasmado ao ver que não havia referências àquelas cores que sempre nos remetem à África, nesta chatice atual de matriz, raiz, contrariando o que Darcy Ribeiro tão bem falou. Somos um povo brasileiro. Uma mistura que se amalgamou em características próprias, miscigenação de várias culturas que foram modificadas, melhoradas, deturpadas, e, ao fim, reinventadas. Precisamos louvar nossa identidade, forjada em dores e amores, mistura de credos e cores.

A apresentação de Gerônimo foi emocionante em vários momentos. Nem ele mesmo se agüentou, ao final, com a voz embargada pela sensação de ver 1.500 pessoas que, ao invés de pedirem bis, “mais um”, ou algo que o valha, chamaram Gerônimo de volta ao som de “Já é carnaval, cidade, acorda pra ver”, versos de uma de suas mais famosas canções.

Ver aquele artista de raça indefinida – ainda mais depois que o conceito de raça foi por terra – cantar “Eu sou negão”, na atual conjuntura sócio-política, naquelas cores de mar que Zuarte colocou no palco, me fez concluir, ou confirmar:

Salvador não é negra. Nem branca. Salvador é azul, da cor da Bahia de Todos os Santos.


GVT.

3 comentários:

Unknown disse...

É isso aí Gil, somos 100% mestiços..

Anônimo disse...

gerônimo foi sábio. seguiu direitinho a lição de Carlinhos Brau e os axezêros. e aí gerônimo de baba ôvo de ACM e até cantava nas missas de aniversário do Malvadez para o chamego dos petralhas. aí é foda, viu? a Bahia tem mais jeito não

Unknown disse...

FRisar o suingue, a riqueza de ritmo que galopou do princípio ao fim, em um show homogêneo, elimi. O tratamnto dado aos pobtos de candomblé jungidos com canções, como p.ex. em Ossain, amalgamaram mais o shownados os componentes anárquicos