sexta-feira, outubro 10, 2008

Nilda Spencer sai de cena...


Lembro da delicadeza de Nilda.
O pretenso veneno de sua personagem no filme Eu, tu, eles era rodeado de delicadeza. Um de seus últimos trabalhos, Lábios que beijei, era todo de uma delicadeza com Wilson Melo, seu parceiro de cena, com o público, com o sensível texto de Paulo Henrique Alcântara, que vi sendo germinado nas aulas de dramaturgia de Cleise Mendes. Que, por sinal, vi pela última vez em cena recitando poesias de Florbela Espanca, junto com sua filha, Elisa Mendes, Teresa Araújo e; Nilda Spencer.

Ainda um adolescente, fiz a assistência de meu pai neste espetáculo, e pude entrar em contato com algumas das minhas referências no mundo do teatro baiano; e me encantava estar naquele universo, com aquelas mulheres.

Nilda talvez seja o símbolo da guinada que o teatro baiano tentou dar, no final da década de 50. Um projeto fantasticamente maluco de Edgar Santos tentava trazer a vanguarda européia para dialogar com a Bahia através da criação da Escola de Teatro, de Dança e de Música da Universidade Federal da Bahia.

Nilda se formou na primeira turma da Escola de Teatro, e o projeto de profissionalização via, naquele momento, uma possibilidade de Salvador ser um centro de referência. As idas e vindas, ao longo dos anos de mudanças de poder, de diretores, de reitores e de reformas fizeram a Escola de Teatro balançar, pra um lado e pra outro, mas a carreira de Nilda enquanto mulher de teatro se tornou inabalável.

Foi atriz na época que ser atriz era ser puta. Foi atriz na época que ser atriz era subversivo, foi atriz na época que ser atriz já não precisava ser.

Lembro uma vez, no Pelourinho, onde estava numa mesa de bar com Nilda. A sua grande preocupação era que só poderia tomar um uísque, pois voltaria dirigindo pra casa. E ria. E falava putaria. E brincava. E vivia. Tudo com a mais exuberante delicadeza.

Um artista não morre. Sai de cena. Escrevo isso não para ser poético, sensível, delicado como ela. Mas pelo simples fato de que um verdadeiro artista deixa em nossa memória, marcada, aquela presença no palco, aquela imagem na tela. Enquanto houver lembrança, a atriz está viva.

Nilda sai de cena, e eu fico aqui, caladinho, segurando a porra do choro – e Nilda daria tanta risada disso que falei... – aplaudindo sozinho o final de seu espetáculo.

GVT.


6 comentários:

Vida Oliveira disse...

linda homenagem...

Anônimo disse...

Nilda, assim como Jurema Penna e Sonia dos Humildes, embalaram o sonho da profissionalização do teatro baiano. Elas nos deixam um vazio enorme, sem dúvidas estamos cada vez mais órfãos
Carlos Betão

Anônimo disse...

Tive o privilégio da convivência com Nilda. Fui seu aluno,colega docente e companheiro de cena. Sobretudo, amigo. Registro o talento, a extrema generosidade e o carinho da pequena grande mulher. A nossa pequena notável. E agradeço aos deuses do teatro a sua presença luminosa entre nós. Agora, é mais uma estrela no céu, para alegria dos anjos.

Anônimo disse...

Ler este texto ao som de Apelo na voz de MAria Creuza, me fez relembrar os velhos e bons tempos de teatro.... e que teatro.... a primeira vez que vi Nilda em cena os olhos se encheram d'água....e quando a vi pela ultima vez em Ensina-me a viver, soube definitivamente o queria da via... queri aser ela, como ela e viver tudo o que ela porventura passou pra levar a diante essa arte de fazer teatro.

Anônimo disse...

Nilda não saiu de cena, foi estrear em outros palcos.
Que assim seja!

Manuela Furtado disse...

Descanse em paz diva dos palcos!!!