domingo, junho 18, 2006

TEATRO É PROFISSÃO

Especial 50 anos
Escola de Teatro é marco da primeira onda de profissionalização do estado

A questão da profissionalização em Salvador se coloca muito mais no sentido técnico-formal. Isso acontece porque aqui não há mercado estável para a recepção da mão-de-obra capacitada, formada pela Escola de Teatro ou, mais recentemente, por outras faculdades e cursos profissionalizantes. Em resumo, são profissionais porque formados para esse exercício, mas não porque consigam sobreviver de sua arte, sendo que, ainda hoje, muitos atores e diretores precisam se revezar em outros empregos – sobretudo no ensino – para continuar atuando.

Posto isso, a Escola é marco na primeira onda de profissionalização do teatro, visto que é apenas após sua criação que se reconhece, na capital, o trabalho em teatro como um campo autônomo, profissional e artisticamente. O artista de teatro passa a ser reconhecido como um profissional como outro qualquer, que domina competências e habilidades particulares e que apresenta um serviço que deve ser remunerado, não sendo mais um diletante que vê na atividade um passatempo social. A Escola de Teatro fez do trabalho com arte, apesar das contingências, um sonho possível.

Há 50 anos, Martim Gonçalves fez ainda uma peculiar contribuição para a profissionalização do teatro na cidade, inserindo indubitavelmente a Escola de Teatro entre as unidades produtoras de peças para o circuito profissional. Ou melhor, criando este próprio circuito. Até hoje, as montagens de professores e alunos não ficam presas apenas ao ‘público universitário-acadêmico’ e ao ‘público formado por amigos-parentes’. Isso acontece mesmo com as montagens didáticas e encenações de final de curso, que sempre visam o contato com a comunidade.

Isso é o que diferencia a Escola de Teatro baiana das demais escolas brasileiras, já que suas produções estão, de certa maneira, inseridas no 'mercado possível’. Até a atualidade, o teatro baiano irá se debater com estas contradições na sua estrutura profissional de trabalho. Fora esta peculiaridade, a questão da colocação de artistas formados no mercado é um problema central nas escolas de teatro pelo país, não fugindo a Escola de Teatro da Bahia à regra.

É curioso quando lembramos que o venerável eixo Rio/SP da cena teatral também existe há pouco mais de 50 anos, quando da criação do Teatro Brasileiro de Comédias (TBC), em São Paulo, em 1948. Até então, esta cidade não tinha teatro profissional, mas apenas alguns grupos amadores, ficando a mercê dos espetáculos que viessem de outros países ou da produção carioca. Apenas oito anos depois do TBC, a Bahia também sonhou em ter o seu pólo de produção teatral.

A criação de uma Escola de Teatro, em 1956, na então Universidade da Bahia fazia parte de um programa arrojado empreendido pelo reitor Edgar Santos. Seu projeto para a superação do atraso baiano pregava a necessidade de convergência entre o poder econômico e cultural. Tal projeto de cultura, capitaneado pela Universidade, compreendia, entre outras iniciativas, a criação dos Seminários de Música (1954), com a vinda do maestro austríaco e ex-professor de Tom Jobim, Hans Joaquim Koellreutter, da criação da Escola de Dança (1956), que já nasce Contemporânea com a polonesa Yanka Rudzka, da incorporação da centenária Escola de Belas Artes e da criação da Escola de Teatro. Até hoje, a Universidade Federal da Bahia é a única no país que reúne as quatro expressões artísticas no ensino superior. Também foram criados, o Centro de Estudos Afro-Orientais (1960), com o português Agostinho da Silva e o Museu de Arte Moderna da Bahia, então Mamb (1960), com a italiana Lina Bo Bardi, que mais tarde faria o magnífico projeto do MAM-SP, na Avenida Paulista.

Já nos cinco primeiros anos da Escola contabilizamos diversas conquistas: a aquisição do Casarão-sede, a inauguração de um teatro em 1958, a criação da companhia A Barca (1956-1963), a contratação de professores nacionais e estrangeiros, a organização de dezenas de cursos extracurriculares e a efetivação de um raro convênio com a americana Fundação Rockfeller destinado para a instalação do primeiro sistema elétrico de iluminação para um teatro da cidade. Mais tarde esta parceria com os americanos seria criticada por intelectuais e artistas nacionalistas.

Mas é também na primeira administração que se encenam textos de autores nacionais (oito dos 24 montados), entre eles um baiano, Cachorro Dorme na Cinza, de Ecchio Reis. Este texto, juntamente com Graça e Desgraça na Casa do Engole Cobra, de Francisco Pereira da Silva, foram as primeiras iniciativas de encenação de cordel na capital. A literatura de cordel (adaptada dramaturgicamente ou não) será desenvolvida de forma mais sistemática, com a Sociedade Teatro dos Novos, primeira companhia profissional da cidade.

Nas décadas de 70 e 80 outros fatores vão influir nas condições de possibilidade de um mercado cultural no estado. A reforma universitária patrocinada pela Ditadura Militar, em 1969, orientada pelo espírito cientificista do acordo MEC/USAID, provoca uma queda na produção cultural da instituição, que a partir de então passa a se chamar Universidade Federal da Bahia. A débâcle é sentida especialmente na área de artes, letras e humanidades. As antes cultuadas escolas de Dança, Teatro e Música perdem a autonomia e são transformadas em departamentos da Escola de Música e Artes Cênicas. Somente, em 1988, elas voltariam a ser novamente independentes. A produção continua apesar das imposições da estrutura acadêmica serem muitas vezes insensíveis às sutilezas da criação artística.

Tais modificações acontecem em paralelo ao desenvolvimento da comunicação mediatizada, pedra-de-toque do Governo Militar. A implantação da lógica da Indústria Cultural, que submete a produção às possibilidades de lucro, gera impactos significativos sobre a dinâmica baiana e de outras regiões periféricas brasileiras. A principal delas é a concentração da produção no citado eixo Rio/SP, assim como sua centralização em algumas indústrias, entre estas a Rede Globo, transformando as emissoras locais em meras repetidoras de programação.

O impacto desta nova lógica, juntamente com o predomínio da censura militar, promove a migração ou o arrefecimento dos artistas locais. Contudo, tal conjuntura não impediu que a Escola de Teatro produzisse, em 1974, um grande sucesso popular, como Marylin Miranda, que levou mais de 15 mil pagantes ao Casarão do Canela. Seu diretor José Possi Neto retornaria à cidade, em 1996, para encenar o espetáculo de comemoração pelos 40 anos da unidade. É em A Casa de Eros, de Cleise Mendes, que Wagner Moura e Wladimir Brichta ganham repercussão na cena local.

A Bahia vive uma ‘segunda onda de profissionalização’ no final dos anos 80 e início dos 90, a partir de sucessos populares como A Bofetada, Recital da Novíssima Poesia Baiana e Oficina Condensada. O chamado boom do teatro baiano teve como traço principal o surgimento da figura do produtor, profissional fortalecido com o empreendimento empresarial na música baiana, que também promoveu a atualização tecnológica das casas de espetáculos. Neste movimento, não ficaram de fora professores e alunos da Escola de Teatro, como Paulo Dourado, Meran Vargens, Fernando Guerreiro, Frank Menezes e Rita Assemany, isso só para ficar nos espetáculos citados. Outros cursos profissionalizantes, como o Curso Livre da Ufba, criado em 1986, também iria fornecer novos atores e técnicos, fazendo uma primeira triagem entre os atores iniciantes.

Como outras expressões artísticas, o teatro dos anos 90 ganha visibilidade através da (re)criação do texto da baianidade, empreendimento promovido, sobretudo, com o retorno democrático do Carlismo ao poder. O ‘ser baiano’ se torna uma temática bastante explorada. Não é irrelevante neste período a mudança que se processa na estrutura das secretarias estaduais. Antes, a pasta de Cultura estava associada à Educação sendo, mais tarde, atrelada ao Turismo. E seu novo slogan passa a ser: Bahia, Terra da Cultura. Também é nos anos 90, que a produção cultural no Brasil tomará um novo fôlego com a entrada das leis de incentivo. Na Bahia, é criado o Fazcultura. Ainda há muito debate sobre os alcances reais e o funcionamento das leis, mas, de fato, a produção se mobilizou.

Em 1997, é criado o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da ET/Ufba, ainda hoje o único do Norte/Nordeste. Nestes nove anos, já foram formados 85 mestres e 20 doutores, tendo o PPGAC a máxima nota (seis) da Capes, entre os programas brasileiros. Através de intercâmbios com países como França, Itália, Alemanha, Argentina e Austrália, o PPGAC promove, mais uma vez, o intercâmbio de tradições e práticas do teatro mundial com a Escola.
Há visita constante de profissionais brasileiros e estrangeiros, que não raro ministram cursos na unidade, assim como o envio de novos alunos para estágios no exterior.

Promovendo, indubitavelmente, mais pesquisa e reflexão escrita sobre a área, talvez o PPGAC represente um novo passo para uma aguardada terceira onda de profissionalização: o da crítica. De todo modo, é preciso contornar desafios. Em primeiro lugar, o de estar atento para a incorporação destas pesquisas em encenações voltadas para a sociedade. E, segundo, para as necessidades de ampliação de seu espaço físico. Após firmar a permanência da Escola de Teatro e de seu palco no histórico Casarão do Canela (luta travada no ano passado), urge a criação de novas salas, ou pavilhão, para abrigar as inúmeras aulas teóricas da graduação e da pós, atualmente dispersas por várias unidades da Ufba.

Um comentário:

Anônimo disse...

O texto tá bem escrito, mas é muito longo. Se estivesse dividido em pedaços era mais estimulante a leitura.