sábado, julho 02, 2011

A Neojibá e os desafinos de um ensaio


No documetário The art of improvisation, Keith Jarrett declara que sua música não vem da música. A inspiração para compor e improvisar vem de outras sensações, outras artes, ideias, filosofias.

Isso significa muito. Percebe-se o grande músico que ele é não pela destreza técnica, mas pela inventividade e particularidade do artista. A técnica existe, tem que existir, mas ser esquecida. É quando o artista se joga da beira do precipício onde a técnica o levou que a grande arte acontece. Sem a técnica, ele não chega à beira. Sem a loucura do salto, ele fica preso somente à técnica e se torna um executor, não um artista.

Na história da música clássica, vemos como grandes compositores foram buscar inspiração fora da música para criar e pensar a música. É muito comum um artista plástico citar uma expressão de teatro, um dançarino citar uma expressão da música, porque é fora do que nos é comum que a provocação vem.

Beethoven e o poema de Schiller, Ode à alegria. Mahler e os poemas chineses que viraram A canção da terra. Schumann e tudo que ele escreveu e pensou e criticou e que voltou, à sua obra, transubstanciado. Mussorgsky e seus Quadros de uma exposição.

Reza a lenda que quando Debussy foi pedir a Maeterlinck a autorização para que a peça Pelléas et Mélisande, de sua autoria, fosse musicada como ópera pelo compositor francês, este se tremeu todo porque ia conhecer “o grande dramaturgo”.

É comum vermos movimentos artísticos mais relacionados a uma arte influenciarem o pensamento de outra arte depois. O artista, enquanto antena da raça, sempre buscou captar, antes de tudo, o seu entorno. Compositores indo a balés, coreógrafos indo ao teatro, dramaturgos indo a óperas.

Digo tudo isso porque fiquei assustado com os integrantes do projeto Neojibá. Um projeto onde jovens estudam e integram uma orquestra que já começa a ter certo destaque inclusive internacional. Capitaneado por Ricardo Castro, pianista de renome que voltou à Bahia para ser diretor da Orquestra Sinfônica no estado, o projeto se tornou seu grande foco, após a sua saída do governo e mudança de gestão.

Há um mês ensaiando Sargento Getúlio no Teatro Castro Alves, e dividindo sala com esses meninos, constantemente somos interrompidos pela entrada deles que, alheios ao que se passa no momento – um ensaio teatral onde o ator, sozinho em cena, necessita uma atenção fenomenal – eles vão invadindo sem pedir licença. Depois de umas duas ou três advertências ao setor de produção do TCA, e conversa com os próprios meninos, a falta de educação e sensibilidade desses músicos neófitos hoje foi uma gota d’água e uma grande decepção.

Entusiasta que sou da música clássica, passei esse mês todo puxando conversa, comentando obras musicais, sempre que encontrava com alguns deles. Mesmo com a má-vontade para se retirarem da sala no meu horário de ensaio, mesmo com eles ensaiando e o som vazando pra sala e desconcentrando o ator, tentei ser simpático, de coração. Mas é assustador perceber que esses meninos parecem mais animais adestrados que projetos de artistas.

Qualquer pessoa de inteligência mediana que estudar horas com afinco um instrumento conseguirá tocá-lo. Ao fim de um ano, de uma década, que seja, estudando 5, 10 ou 15 horas por dia, mas com estudo e aprimoramento técnico, pode-se virar um executor, um repetidor, uma “máquina programada”.

Tocar numa orquestra não completa um artista. Sempre me assustei com a aparência de nerd da maioria dos músicos eruditos de Salvador, bem como a sua ausência em eventos da cidade que não fossem um concerto de alguém famoso. A música clássica, sempre tão distante do público comum, acaba tendo certa culpa nessa distância, por se comportar como uma música alienígena, tocada por marginais da sociedade e da cultura, preocupados, apenas, em executar bem uma partitura.

O húngaro Sándor Végh dizia que preferia as notas erradas de um grande músico às notas certas de um músico medíocre. Um grande músico sabe o que é teatro. Jamais interromperia um ensaio grotescamente, estupidamente. Talvez até entrasse discretamente pra observar, por curiosidade e vontade e necessidade de entrar em outros mundos que não aquele fechado, recluso e limitado mundo de suas partituras e instrumentos.

O projeto Neojibá tem diversos méritos. Ver os meninos ensaiando pelas escadas e corredores do TCA dá uma esperança de que possamos diversificar e enriquecer nossa cultura. Mas tudo isso vai abaixo quando vemos a pobreza de arte e espírito que cerca esses jovens. Dando pulinhos e tocando canções suingadas, eles podem receber aplausos efusivos de europeus e asiáticos, mas parecem não saber, no sentido mais belo e rico da palavra, o que é arte.

A verdadeira revolução é a que muda o homem, o indivíduo, e não o coletivo. Ver um rebanho de moleques tocando bem não é suficiente. É preciso se pensar o artista. É preciso se pensar o homem, sua riqueza, sua compreensão da beleza de outros mundos.

Infelizmente, a falta de educação e sensibilidade desses meninos não parece levar para esse lado. A música perde artistas. O mundo perde arte. E eu hoje perdi a paciência.

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro Gil. seu texto reflete a realidade quem vivemos, ha anos, na OSBA-Orquestra Sinfonica da Bahia. antes de me tornar um musico clássico, estudei teatro em São Paulo, artes plásticas em Brasilia e, por último, ví q a música realmente me completava como artista, pois me dava mais liberdade para criar do q as outras artes....isso no meu entender e, lógico, na execução em meu instrumento. voltando a situação em questão do texto, é lamentável o q fizeram com a orquestra do estado da Bahia. simplesmente afundaram a orquestra profissional para q uma orquestra amadora, de meninos, fosse catapultada como num passe de mágicas. nunca ví, em toda a minha vida de profissional em música,e ja se vão mais de 23 anos só na Bahia, egos tão inflados como os desses meninos. parece-me q são todos gênios, como um Mozart da vida, q estavam para serem descobertos em Salvador. ñ ha um pingo de humildade e, muito menos haverá respeito ao próximo. mas, no fundo, essas coisas provocam um verdadeiro labirinto de frustrações e tendinites. ñ há como tocar uma sinfonia clássica, sem um minimo de técnica clássica. e, isso, é o q acontece no amago desse projeto...pois ñ há professores fixos e, ñ há, também, periodicidade minima de aulas. só para ilustrar: há monitores q são alunos, dando aulas de instrumento para os recem chegados. é o próprio descaso com a arte e o profissionalismo. o importante é aparecer e dar números positivos...de qualquer maneira, ao projeto, custe o q custar. o q ficou desse projeto dentro do teatro, são as mazelas de um estouro de boiada sem rumo certo. ficaram pra trás os instrumentos da orquestra do estado depredados, as salas de estudo para os musicos profissionais do estado, sem poder ter acesso para o estudo no periodo da tarde, o material da orquestra profissional, relegado as descaso e sumiço...etc. afundaram uma instituição q necessitava de apoio o mais rápido possivel, para dar nascimento a um projeto sem retorno artístico erudito nenhum. tudo por causa da empáfia de um gestor q ñ respeita nada além dos seus interesses pessoais. hoje em dia, a orquestra profissional possui somente 5~7 violinos no total. o governo do estado da Bahia, acenou com uma possibilidade de preencher vagas através de uma residencia artística q ñ irá resolver essa questão...quem, como bom profissional, largaria o seu estado para arriscar-se na bahia por 6 meses somente? imaginamos q essas vagas, serão preenchidas pelos mesmos meninos do projeto neojiba, quem mal conseguem tocar um movimento de sinfonia, qnto mais dar cabo de um programa inteiro em 5 ensaios? bom, continuamos na luta por uma orquestra séria e por gestores sérios dentro do TCA, da OSBA e do BTCA.