Não sei se foi a primeira vez, mas nem eu, nem minha mãe, nem pessoas conhecidas jamais tinham visto Nossa Senhora da Conceição da Praia vestida de branco no dia da Lavagem do Bonfim. Enquanto alguns pregam a pureza religiosa, seja ela no candomblé, na católica, na evangélica, e enquanto se insiste nessa bobagem de afirmação da cultura negra com toques separatistas e oportunistas, Salvador continua dando uma lição sem par para o mundo. A Lavagem do Bonfim, que é Oxalá, e por isso Nossa Senhora e todo mundo estavam de branco, reafirma nosso caráter de mistura, de um povo que tem sua autenticidade na afirmação das proximidades, e não na estúpida bandeira das diferenças.
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“Quase no mesmo instante em que se sentia as lágrimas nos meus olhos, a câmera deixou os dedos de Horowitz no teclado e enquadrou o rosto de um cidadão soviético na platéia. Ele não parecia um inimigo. Seus olhos estavam fechados, sua cabeça inclinou-se ligeiramente para trás, de modo que seu rosto ficou um pouco elevado... e uma lágrima solitária rolou por sua face. Era a mesma lágrima que escorria na minha”. Esse depoimento de Charles Kuralt, da CBS News, deixa meus olhos marejados toda vez que leio. Ele relata a experiência de assistir a um concerto de Horowitz, que havia fugido da União Soviética com 22 anos e havia retornado, aos 82, pra uma apresentação em sua terra natal.
Assim deveríamos nos sentir, negros e brancos, católicos e povo de candomblé, frente ao grande milagre que é encher as ruas de uma cidade, num grande tapete branco, e caminhar quilômetros sem violência, numa festa onde o sagrado e o profano se misturam como tudo é mistura nessa terra.
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Fez muita falta o Microtrio na lavagem do Bonfim. Perguntando a Cacilda Povoas, produtora, se o Microtrio sairia na lavagem este ano, ela me respondeu que não conseguiu patrocínio.
Enquanto Bell Marques é criticado por Nizan, aqui debaixo, de onde não se vislumbram os milhões que ambos adquiriram ao longo da vida, o problema é sempre o mesmo. Como disse Leonardo Brant, num artigo pro site Cultura & Mercado, a classe média da cultura está em maus lençóis. Nenhum patrocínio, as empresas dando as costas, editais contemplando as comunidades carentes, o interior, a periferia, o ricos das artes continuando suas captações milionárias pra projetos com ingressos a R$100,00 e R$200,00, e a classe média da cultura à míngua.
Fiquei com vergonha de ser baiano ao ouvir que os R$500,00 necessários ao menos pra que o Microtrio saísse não foram conseguidos.
E os camarotes de Beyoncé cheios. Prédios onde um quarto e sala custa R$500.000,00 e a renda mínima pra comprar tem que ser de R$11.000,00 (um professor universitário pós-doutor não poderia comprar), quase todos 100% vendidos. Parece ser inversamente proporcional à quantidade de grana a quantidade de neurônios das pessoas em Salvador.
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O Zárabe, de Carlinhos Brown, não sai mais da Praça Cayru. Uma pena. A sonoridade e inventividade – marcas indeléveis de Brown – dessa manifestação deixou de ser apreciada e curtida por muita gente, na Lavagem do Bonfim. Acho que perde ele, e com certeza perde a gente.
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Em meio a tantas críticas, um elogio. O Jornal da Metrópole, que havia se equivocado na edição passada, publicou, ao menos, trechos da nota de esclarecimento que enviei a eles, publicada aqui. Ainda mais na Bahia, onde crítica facilmente se transforma em ofensa, o que talvez explique essa confraria de medíocres que não se criticam e concentram neles todas as oportunidades de editais, prêmios, concursos, etc.; e qualquer postura crítica é alijada.
Ver um jornal ter uma atitude dessas é, ao menos, interessante.
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Lendo a Bravo Bahia – edição especial da revista Bravo – percebi que aliado ao Teatro NU, vários grupos e artistas que movimentam a cena local são fantasmas como meu grupo de teatro; sequer são citados. Cada dia mais acredito num universo paralelo, onde acompanho certas cantoras, certos coreógrafos, certos grupos e artistas de teatro que vêm conseguindo, a duras penas, produzir algo em meio à seca em que vivemos. E são ignorados pela grande merda, digo, mídia.
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