domingo, outubro 04, 2009

Diálogos com Mercedes, Griffero e a Latinoamerica


Tenho um projeto, já reprovado em edital, mas que ainda sonho em fazer, onde – de forma fragmentada – eu faria um passeio pela América Latina no século XX. Eu teria como base o livro “O século do vento”, de Eduardo Galeano, e como trilha as canções latino-americanas que marcaram a década de 70 e 80 por estes tristes trópicos.

Pensei, talvez, em usar apenas canções de Silvio Rodriguez e Pablo Milanés, mas alguns outros compositores, chilenos, argentinos, dentro outros, ficariam de fora. Ainda não sei. O que sei é que me incomoda profundamente que aquela união latino-americana – proporcionada pelos sucessivos golpes militares apoiados pelos Estados Unidos, receosos de que a idéia da Revolução Cubana se alastrasse pelo resto do continente – tenha se esvaído aqui no Brasil.

Morreu hoje uma das representantes dessa plêiade de cantores que modificou a canção e provocou o poder, emocionou oprimidos, enfrentou o duro golpe do cerceamento de liberdade, da igualdade de raças, povos e oportunidades, da fraternidade que continuou clandestina, mas pulsante, nas praças, nas canções, nos protestos.

Mercedes Sosa, com Leon Gieco, Chico Buarque, e tantos outros, representavam a idéia de uma América Latina unida, uma política endógena, natural e de acordo com as necessidades dessa mistura de etnias, crenças e tradições. E contrária ao capital norteamericano tão interessado nesse mercado, nessas matérias primas, nessa mão de obra barata.

É estranho que as pessoas não falem em Silvio Rodriguez como se fala em Madonna, é confuso pensar que a morte de Mercedes Sosa não nos abale como a de Michael Jackson. No fundo, é claro que entendo esse processo de massificação. Mas ainda me estranha que a massificação não pudesse ter caminhado para pontos positivos, como Walter Benjamin chegou a crer.

Até hoje me emociono quando ouço no disco ao vivo, gravado no estádio do Boca Juniors, Buenos Aires, a multidão cantando o vocalise de “Maria, Maria”, ao ver Milton Nascimento entrar no palco, para dividi-lo com Mercedes Sosa e Leon Gieco. Esse sentimento se perdeu. Não sabemos muito de nossos “hermanos” e nossa arte está cada vez mais dissociada.

Sei de estudos sobre teatro latino-americano em São Paulo, e o Oco Teatro, daqui de Salvador, acabou de realizar a segunda edição do Festival Latino-Americano de Teatro, mas efetivamente essa “liga” se desfez, dentre outras tentativas alijadas da grande informação.

De forma ainda tímida, nós, do Teatro NU, ao trazer Ramón Griffero para o “Diálogos sobre dramaturgia contemporânea, ano I”, tentamos dar um minúsculo passo para que possamos dialogar entre nós. Junto com o espanhol Darío Facal – vindo pra cá numa parceria com o Instituto Cervantes – e Newton Moreno, poderemos discutir um pouco os rumos da dramaturgia no mundo e por que não em nosso imenso continente latino?

O governo Lula parece se interessar por firmar mais essas conexões, a despeito do julgamento pequeno-burguês dos leitores de revistas semanais que vêem (com os olhos das revistas) por trás dessa atitude, um posicionamento chavista; uma asneira monumental, visto que Lula se tornou a grande força política da América do Sul e ele, sim, é a referência – independente das críticas que se possa ter a seu governo – o que não vem ao caso, agora.

Pretendo dedicar um dos capítulos da minha tese de doutorado a um dramaturgo latino-americano, falando sobre a herança do Absurdo nalguma obra dele. Com o “Diálogos...”, pretendemos estreitar laços com a dramaturgia ao redor do mundo, e pra mim é muito especial a presença de um chileno – e do qual leremos um texto que poeticamente se refere ao golpe em seu país – enriquecendo junto a um pernambucano e um espanhol esse diálogo que – espero – possa se repetir todos os anos com diversas vozes e nacionalidades.

Mercedes Sosa se foi, levando consigo um pouco daquela América Latina partida, à espera de uma nova ordem continental. Foi-se como o unicórnio azul de Silvio Rodriguez, que ela cantou tão lindamente por mais de uma vez. Se alguém sabe dessa “Latinoamerica”, te rogo informação... Por aqui ficamos a passos curtos, sem Mercedes, conversando sobre teatro, dramaturgia a partir de amanhã, dia 5 de outubro, na Escola de Teatro da UFBA, e com a belíssima letra que ainda sonha, como todo grande artista da vida, com a utopia que sempre escapa, mas vivemos correndo atrás...

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Pastando lo dejé y desapareció
Cualquier información bien la voy a pagar
Las flores que dejó no me han querido hablar.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
no se si se me fue, no se si se extravió
Y yo no tengo más que un unicornio azul
Si alguién sabe de el, le ruego información
Cien mil o un millón yo pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.

Mi unicornio y yo hicimos amistad
Un poco con amor, un poco con verdad
Con su cuerno de añil pescaba una canción
Saberla compartir era su vocación.

Mi unicornio azul ayer se me perdió
Y puede parecer acaso una obsesión
Pero no tengo mas que un unicornio azul
Y aunque tuviera dos, yo solo quiero aquel
Cualquier información la pagaré
Mi unicornio azul, se me ha perdido ayer, se fue.
 

6 comentários:

Prof. Geraldo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Prof. Geraldo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Prof. Geraldo disse...

Todavía Cantamos
Mercedes Sosa

Todavía cantamos, todavia pedimos,
todavía soñamos, todavía esperamos.
A pesar de los golpes que asestó en nuestras vidas
el ingenio del odio, desterrando al olvido
a nuestros seres queridos.
Todavía cantamos, todavia pedimos,
Todavía soñamos, todavía esperamos.
Que nos digan a donde han escondido las flores
que aromaron las calles persiguiendo un destino.
Donde, donde se han ido.
Todavía cantamos, todavia pedimos,
Todavía soñamos, todavía esperamos.
Que nos den la esperanza de saber que es posible
que el jardin se ilumine con las risas y el canto
de los que amamos tanto.
Todavía cantamos, todavia pedimos,
Todavía soñamos, todavía esperamos.
Por un dia distinto sin apremios ni ayunos
sin temor y sin llanto y por que vuelvan al nido
nuestros seres queridos.
Todavía cantamos, todavia pedimos,
Todavía soñamos, todavía... esperamos.

Prof. Geraldo disse...

Será posible el sur?
(Mercedes Sosa)

¿Será posible el sur?
será posible tanta bala perdida
al corazón del pueblo,
Tanta madre metida en la palabra loca
y toda la memoria en una cárcel

¿Será posible el sur?
será posible tanto invierno
Caído sobre el rostro de mi hermano,
tanto salario escaso riendo con descaro
y en el plato vacío el verdugo esperando

Mi territorio que una vez gira
en la oscuridad de esa pregunta,
de esa pregunta:
¿Será posible el sur? ¿Será posible?
Si se viese al espejo ¿se reconocería?

Adri. disse...

Salve Salve
Querida Mercedes Sosa!!


Perfeito



Beijos

Rada Rezedá disse...

Muito bom seu blog, seus textos, suas analises! Parabens!