terça-feira, abril 14, 2009

Reflexões e reflexos de um projeto

Domingo passado, dia 12 de abril, encerrei mais um projeto na minha carreira. Ao menos, a primeira temporada dele. E fiz minha terceira montagem à frente do Teatro NU, uma idéia que vinha me perseguindo há anos, ensaiada com várias pessoas – e foi se concretizar em 2006 com Jussilene Santana; criando esse blog e realizando a montagem de Os Amantes II.

Neste 2009 em que completo dez anos de profissão e três de Teatro NU, realizei um projeto, ao menos, inusitado. Escolhi três peças do grande dramaturgo Anton Tchekhov e, estreando uma por semana, as apresentei antes da última sessão do cinema Sala de Arte da UFBA.

Foi uma iniciativa acanhada e curta. De início, percebo que também perigosa. Levar teatro ao cinema, buscar um espaço inusitado, lembra-me muito aquele frisson que sentem os que amam as modas e acham no inusitado o interesse pela obra. Aliado a isso, peças curtas provocam numa platéia desacostumada a sensação de que teatro deveria ter aquela duração. Não sou bobo em achar que minha iniciativa possa ter só coisas positivas e que ela não permita leituras críticas.

Mas a real sensação que me ficou foi a reação da platéia quanto à qualidade do que se apresentava em sua frente. Sem falsa modéstia, isso se deve muito ao elenco que pude ter pra trabalhar.

Pela terceira vez seguida com Carlos Betão, pela segunda com Marcelo Praddo e com o grato prazer de trabalhar com Fafá Menezes, aumentou em mim ainda mais a paixão que tenho pela profissão do ator. E do verdadeiro ator. Aquele que traz em si o teatro, coisa cada vez mais distante da alma dos que se dizem artistas.

Ver o talento, a disponibilidade e a criatividade deles foi apaixonante, estimulante, primordial para a minha criação.

Aliado a isso, pude radicalizar um conceito que me é muito caro e norteia o Teatro NU, não à toa revelando em seu nome nossa filosofia. Pude, num palco minúsculo, com apenas alguns móveis de madeira, dois biombos, figurino simples, algumas ribaltas e muita criatividade, deixar o ator nu, em cena, ele e a platéia, sem efeitos, sem pirotecnias. Nosso espetáculo jamais se salvaria através daquela frase que muitos usam hoje em dia pra dizer que gostaram de uma peça de teatro; “tem imagens bonitas”.

Vem-me à memória minha peça de formatura, Quarteto, de Heiner Müller. Eu era o jovem que ainda me via à volta com as “nuvidades” e “mudernidades” tão necessárias para fazer uma peça se destacar. O que muitos talvez tenham gostado na peça eu jamais faria hoje em dia, ciente que sou de que maneirismos compram a platéia e vendem nossas almas.

Com o Teatro NU eu quis isso. Há três anos busco me concentrar no trabalho do ator, da contracena, das marcas que dialoguem com o texto, das imagens que digam não pela sua beleza mas pelo que elas contêm do texto cênico necessário.

Tentei mostrar três Tchekhovs assim. Totalmente nus, os atores ficaram a poucos metros de uma platéia de cinema tentando mostrar que ainda temos teatro, ainda temos texto, ainda temos atores.

Espero que tenhamos conseguido tocar o surpreso público que, enchendo o cinema, anda tão desacreditado da possibilidade de ver num palco a qualidade do que se vê numa tela. Salvador é capaz de fazer isso, por mais que se incentivem e premiem o contrário disso tudo. Nós cavamos nosso próprio buraco, mordemos nosso próprio rabo e somos, pessoas de teatro, responsáveis diretos pelo afastamento do público.

Tomara que o projeto tenha contribuído positivamente para mudar esse quadro.


GVT.

11 comentários:

Vida Oliveira disse...

“Nós cavamos nosso próprio buraco, mordemos nosso próprio rabo e somos, pessoas de teatro, responsáveis diretos pelo afastamento do público”.

Sim, sim. Nós somos! Por que tem gente que insiste em culpar o público?
Hoje mesmo li um texo de um aluno de artes cênicas, que criticava o público, que não sabia mais apreciar as “novas propostas de teatro” que vinham, especialmente as de “teatro comtemporâneo”. Não é que tenhamos que fazer qualquer coisa para agradar ao público. Temos que fazer qualquer coisa. Dizer para nós mesmos que se preocupar e respeitar o público é fazer qualquer coisa, é a maior subestimação e o maior derespeito que poderíamos ter com público. Parte enssencial ao teatro. Já que não dá para fazer teatro sem ele.

“Nós cavamos nosso próprio buraco, mordemos nosso próprio rabo e somos, pessoas de teatro, responsáveis diretos pelo afastamento do público”. Para mim, ao menos, isso ta mais que claro.

“Nós cavamos nosso próprio buraco, mordemos nosso próprio rabo e somos, pessoas de teatro, responsáveis diretos pelo afastamento do público.” Em muitos olhos, vi a surpresa em ver tão boa qualidade numa curta peça de teatro.

“Nós cavamos nosso próprio buraco, mordemos nosso próprio rabo e somos, pessoas de teatro, responsáveis diretos pelo afastamento do público”. Ter essa difícil consciência (digo difícil pois ainda estou iniciando meus estudos, para no futuro seguir uma carreira) é, para mim, o primeiro grande passo no caminho do respeito ao público, que vai desencadear no que já falei na primeira citação, sobre o mesmo.

Acho que concordo com as criticas que você faz a si mesmo. Acho sim que esse projeto tímido precisa ampliar-se, não sei de que forma, mas isso é com você. Contudo, a idéia valeu muito. Trouxe ao conhecimento de um publico que, em geral, prefere o cinema ao teatro, a conhecer um bom teatro. È preciso mais. Mas o tempo, sem dúvida, o trará!

Beijos.

Celso Jr. disse...

Ainda temos teatro. "Ah, vontade de ficar, mas tendo que ir embora!"

Fau Ferreira disse...

Poxa! Cheguei tarde aqui, vi um outdoor no fim de semana, mas não acessei logo... Achei a proposta muito interessante, unir teatro e cinema... Quando terão novos projetos?

Um abraço,

Fau Ferreira - fatyferreira@gmail.com

B.S. disse...

muitas lembranças lendo esse texto..

Gil Vicente Tavares disse...

Vida,

É muito bom saber que teatro ainda pode provocar, instigar e mexer com alguém de foma crítica.

Celso,

O Teatro NU está de portas abertas praqueles que merecem e querem ficar de algum jeito.

Fau,

Fique atenta ao blog. Divulgaremos novidades sobre o possível retorno e sobre novos projetos.

Pense, logo exista. disse...

Gil,

Cada classe artística tem o público que merece! Acho que o Teatro em Salvador passa por um momento delicado...tive esta impressão assistindo a premiação "cafona" do Braskem deste ano (o único ponto positivo foi a duração, graças a Deus foi rápida). Estou bege com os fatos observados por mim. Não vou aqui enumerá-los, mas teatro não é apenas um encontro de comadres. Cadê a compostura meu povo? Tenho ficado cada vez mais constrangida. Nem sempre se premia a qualidade. Até acho que a empresa Braskem tem boas intenções, mas a própria classe artística acaba por deixar a coisa bem rasa.
Espero que continuemmos na resistência. Não vou sair daqui. Não desejo isto. Não tenho medo do que ainda poderá vir a acontecer. Mas a cada fato novo estarei atenta. As pessoas precisam aprender a separar o pessoal do profissional. Quero ser julgada pelo meu trabalho e só. Não sou comadre de ninguém. Sou livre.

Cris Barreto

Pense, logo exista. disse...

Ah! Quando me refiro ao BRASKEM deste ano como espetáculo "cafona", principalmente pela concepção confusa...música e teatro é sem dúvida uma exelente parceria..colocaram uma orquestra Dois de Julho (que deve ser muito boa) enorme no palco e dois atores (bons) mas que não houve química...houveram tentivas...mas achei a orquestra deslocada, mas o tempo todo lá aguardando os acontecimentos...alguns textos dos atores, apesar de serem bons atores, até foram desnecessários. Pode se fazer coisas simples, mas com sofisticação, charme. Ainda teve alguns pretensos discursos políticos, mas sabemos que ali, infelizmente, não ressoa de maneira consciente e verdadeiro. O que gostei foi a questão séria levantada por Fábio Espírito Santo sobre o fim do Teatro Gregório de Matos, o único teatro municipal da cidade e nós não fazemos nada em relação a isto.

Cris Barreto

Vida Oliveira disse...

Sim, Cris Barreto. Continuemos na resistência!

ps.: que bom ver o blog cheio de comentários! dá vontade de comentar td hora!

Marcelo Praddo disse...

Gil,

tem sido um grande prazer trabalhar com você! Sua inteligência, talento e vocação para o teatro ainda me fazem lembrar o quanto é bom estar no palco dessa Triste Bahia!
Cada vez mais me considero um AtorNu!
Abraços do amigo e fã,

Marcelo Praddo.
(diretamente de Prado-Ba)

franklin albuquerque disse...

Não pare ! Infelizmente não pude assistir mas dou o maior valor para essas iniciativas de saculejo no público ! abraço.

Jorge disse...

fui muito feliz ralando gil vicentchekov no chão. e por 3 vezes.