segunda-feira, março 16, 2009

De onde vem a graça?

O ensaio parou. Todos discutiam sobre o humor de Tchekhov como se falassem de um amigo muito próximo. O que há de engraçado em Tchekhov? O que é ser engraçado? Foi então que me questionei a universalidade do humor. É possível nós brasileiros, com todos os atributos que nossa cultura nos impõe, rirmos de situações ambientadas na Rússia do final do século 17?

A partir dessa reflexão encontrei dois artigos[i] que trazem os pontos de vistas de dois pensadores (sobre os quais, devo confessar, me interesso muito): Freud e Pirandello. Sobre o humor, Pirandello destaca a presença de elementos contraditórios, como uma espécie de divisão do espírito. E um dos recursos para tornar isso claro são as digressões das personagens. O diálogo direto com o espectador.

Em seu trabalho, Freud coloca que a essência do humor consiste em transformar sentimentos penosos em espirituosos. Corresponde a um mecanismo de defesa, onde o espectador, através da identificação com a personagem, poupa seu sofrimento através dos jogos estabelecidos em cena. “O principal é a intenção que o humor transmite, esteja agindo em relação quer ao eu quer as outras pessoas. Significa: ‘Olhem! Aqui está o mundo, que parece tão perigoso! Não passa de um jogo de crianças, digno apenas de que brinque com ele!” (Freud apud Moneta e Garcia)

De certo modo, tanto o italiano como o austríaco apontam o humor como um conjunto de situações e sensações contraditórias, dor e alegria, afeto e ódio, choro e risada. Mas me parece que o elemento “surpresa”, a reação dessas situações, é que dá a sensação humorística, de prazer para a platéia.

A questão cultural é importante, na medida em que ela permite que o espectador se identifique com a personagem. A linguagem, os trejeitos, as referências culturais, facilitam essa identificação. Mas as contradições da personagem são independentes da cultura que ela está inserida, isso se realmente existir uma psicologia “universal”. (acredito eu, fazendo um recorte no pensamento ocidental).

Assim concluo: a obra de Tchekhov tem o foco no desenvolvimento de suas personagens, nas relações estabelecidas entre elas, mais do que a relação com o ambiente social da época, possibilitando o “aculturamento” e a “atemporalidade” das mesmas. Com isso, acho possível um baiano rir do russo, antes de tudo por que ele o identifica como indivíduo, não como uma cultura. Ou seja, a chave do humor não é explorar o caricato ou os trejeitos baianos vendidos pela televisão, é surpreender o indivíduo.

Renata

[i] Pontos de vista sobre o humor : Pirandello e Freud. Lima, Denise Maria de Oliveira (http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/cogito/v6/v6a21.pdf)
Humor, surrealismo e absurdo na obra da Alejandra Pizarnik. Moneta Carignano, M.L. e García Menéndez, A.J. (
http://www.ip.usp.br/laboratorios/lapa/versaoportugues/2c64a.pdf)

Um comentário:

Anônimo disse...

É isso mesmo Renata. Esse assunto é muito interessante... e você escreveu muito bem! Adorei! Foi ótimo Gil ter aberto esse espaço pra você também, quem sabe agora possamos ler um novo texto a cada dia...
Beijos!

Bruna Scavuzzi