sexta-feira, julho 20, 2007

Teatro e deslocamento

Por Gil Vicente Tavares


O teatro está cada vez mais deslocado da sociedade. È uma manifestação à parte, marginal. Vejo isso em minha cidade, onde batalho por um espaço maior de abrangência e relevância.
Mas reflexos do deslocamento são apontados em vários exemplos claros. A começar pelo público, tão perdido quantos os artistas com essa coisa (pra citar minha parceira, no texto abaixo) chamada teatro.

Estamos cada vez mais informados, antenados; mas ignorantes. Sabemos de tudo um pouco, mas não nos aprofundamos em nada. O público alimenta-se de Dan Brown, de Steven Spielberg, e a mídia transforma em cult o que era pra ser cultura de massa, e a cultura de massa vira cult. Há uma ditadura da mediocridade que une revistas semanais, prêmios, jornais e público numa espiral de elogios ao que é medíocre, e todos se alentam de poder ler Paulo Coelho, assistir ao vencedor do Oscar (nada contra eles, não os conheço muito bem) e se achar no rol de pessoas com excelente atividade cultural.
Inclusive, o termo cult já me dá coceiras, e acho que não há nada menos cult do que o teatro. Basta ver o lado artesanal dessa arte. È feita no momento, sujeita a falhas, mal-remunerada e sempre querendo ser popular, em qualquer âmbito que seja esse popular.
Não imagino um dramaturgo, diretor ou ator que não queira público. E público especializado é uma balela. Qualquer ser humano capaz de se comprazer com Machado de Assis pode curtir um Beckett. E Beckett não é difícil, os outros é que muitas vezes estão acostumados com o fácil, mastigado, que não estimula uma leitura mais intensa (atividade a qual todos são capazes se tiverem uma fromação para isso).
O que falta é esta leitura; clara, transversal, consciente, crítica, sistemática. Sem isso, o cérebro atrofia e entra num registro de ondas de mero consumidor, pronto a ser mandado sobre o que assistir, pronto a aceitar o que os meios de comunicação incensam. Pronto a ser massa dessa cultura.
Mas vivemos num certo limbo. Salvador é a terceira cidade do país. Todo dia ergue-se um novo prédio de luxo na cidade. O preço do teatro não é caro – basta ver as filas imensas nos cinemas de xópim. E cadê o público?

Estamos deslocados da mídia. Uma atriz como Yumara Rodrigues era pra ser apontada na rua como uma sumidade, mas ela é muito mais insignificante do que o apresentador do jornal do meio dia ou do que o cantor da nova banda. Não consigo acreditar que uma peça que contenha o nome dela não atraia multidões. Uma excelente atriz. E nossa atriz.
Mas aí entra a grande questão. Não valorizamos nossos artistas. Se qualquer pau-de-arara aparece na novela das seis da Globo, num instante é içado a estrela e vira sumidade. Sei que não podemos combater o poder da TV, mas a própria TV, bem como jornais, os meio de comunicação em geral, não abrem espaço pra artistas locais. Basta ver a profusão de boa música que há na cidade. Costumo dizer que Jarbas Bittencourt, Ray Gouvêa e Arnaldo Almeida (que compõem, juntos, a Confraria), são melhores compositores do que toda essa safra de novos talentos que infestam nossas rádios, com violão de aço tocando aquela batidinha insuportável de funk que mais parece trilha sonora de filme adolescente de sessão da tarde. E quem sabe de Jarbas, Ray, Arnaldo?
Não se estampa a cara desse povo, do artista do palco, que precisa ser conhecido. Formam-se pequenos guetos de resistência que se retro-alimentam de forma subnutrida.

Estamos deslocados do empresariado baiano. Temos leis de incentivo que não oneram o empresário e ele ignora, como o Viva Cultura, da prefeitura. Temos o fazcultura, que onera em 20% do valor do projeto o bolso do empresário. E por que não um patrocínio direto? Impossível.
Parece que os empresários esquecem que uma peça de teatro divulga o nome de sua empresa durante um mês, ou mais, tanto em outdoor, como busdoor, como chamada em Tv, rádio, banner na frente do teatro, agradecimentos e eles. Com isso, têm um retorno claro do seu investimento, pois são capazes de pagar R$18.000,00 para ter meia página de um jornal, por um dia só, mas não liberam verbas que retornarão pro seu bolso através de isenção fiscal, por exemplo.

Deslocados, perdemos a noção da nossa arte. Não temos parâmetros, retorno crítico, numérico, nem entusiasta. Ficamos uma coisa à parte, se debatendo pra achar identidade, rumo, público, verba, espaço, notoriedade, mas marginais a toda uma malha social de funcionamento da cidade.
Vejo o entusiasmo incauto de certos públicos que fazem uhu ao final da peça, e de alguns que se julgam capazes de analisá-la, e percebo que algo ficou pra trás. Não houve um acompanhamento da evolução da linguagem, da estética, inclusive por parte dos artistas. Todos parecem cegos em meio a um tiroteio de achismos, de vanguardimos obsoletos, de fórmulas teledramáticas.

É difícil pensar no profissionalismo. Ainda mais quando o discurso do poder e dos editais e patrocínios é pulverizar as verbas. Faz-se mais coisas sem que ninguém ganhe pelo seu trabalho dignamente. Será que teremos que voltar aos tempos em que se “trabalhava” de dia pra se “fazer teatro” de noite?

É difícil repensarmos-nos. Deslocados, ficamos qual Sísifo, inutilmente a nos avaliarmos, nos criticarmos, nos profissionalizarmos e criarmos. Nossa referência é endógena. A distância entre nós mesmos e entre nós e o grande público é grave. O teatro alternativo, experimental, conectado com estéticas que reverberam mundo afora, está mais deslocado ainda. Nossa referência é somente a da novela das oito e do filme do oscar. Teremos que no vender?

Modigliani, pobre pintor genial, recusou um contrato, pois o empresário queria que ele colocasse as bolinhas dos olhos das mulheres que ele pintava.

Ele recusou.



GVT.

13 comentários:

Anônimo disse...

Algumas vezes fui ao teatro com amigos assistir coisas terríveis. As pessoas se mobilizam pra ver coisas que vem de fora, mas não prestigiam o teatro baiano. Por quê? Confesso que fico com raiva mesmo. Mas você tem razão: não valorizam nossos artistas. A força da mídia é muito forte. Como lutar contra isso? O que mais me aborrece agora é a pulverização das verbas. O que é isso! Desde quando o artista tem que se contentar com migalhas? Ah, isso já é demais....

Unknown disse...

Gil,

Entrei para deixar o meu email: zizizaza@gmail.com ( jo souza)

Não vou deixar de comentar o seu texto, é uma lástima...dá uma tristeza, mas eu acredito que seja um fenômeno tipicamente baiano.

Talvez, tenha sido a política empregada durante anos no estado: mediocre, fascista, superficial que impossibilitaram o "avançar"...na criação de mecânismos para atrair as pessoas ao teatro...faltou iniciativas, organização da classe, construção de pensamentos críticos...e análiticos...O teatro é particular.

Salvador é uma ilha...mas, não uma ilha cubana...


beijos Jo Souza

Gil Vicente Tavares disse...

Marcia,

Teatro é muito difícil. Às vezes, parece que só na Bahia é fácil e acabamos fazendo coisas ruins também.
Quanto à pulverização, há um artigo que Ildásio aqui no blog que fala sobre isso. Ele inclusive fala sobre um "bolsa-arte". Dê uma passeada pelo blog que você vai encontrar mais coisas sobre o assunto.

Jo,

O email está anotado. Paradoxalmente ao que você coloca, houve, por outro lado, ações para a profissionalização do teatro, por aqui, que espero que não sejam descartadas agora. Mas sempre fomos isolados da malha social, como pedintes. E isso vem de séculos.

um abraço pras duas,

GVT.

Anônimo disse...

Acabei de convidaar um amigo para assistir uma peça de teatro, peça que estou querendo ver a tempos e não consigo. Ele me disse: Vá ao teatro mas não me chama! Aquela velha piada... Mas o pior é que cada vez mais comum encontrar pessoasque não gostam de teatro e nem querem experimentá-lo.. As pessoas se sentem prescionadas a gostar e tal. Mas quando assistem dizem que não tocou, que não é interessante, que é distante, que não querem perder tempo. O teatro está realmente a parte da sociedade, acho que sío toca as pessoas que trabalham com ele, os profissionais da área...

Gil Vicente Tavares disse...

Caro sérgio,

Há todos tipos de espetáculos e públicos. Já tive a felicidade de receber respostas positivas, sobre espetáculos que participei, de pessoas de várias classes e escolaridades distintas. Inclusive de gente que nunca havia ido ao teatro. Falta muitas vezes o público desempenhar seu papel, também. De leitor e apreciador sensível do discurso e da estética que estão no palco. Falta, talvez, uma disposição, ou até mesmo uma predisposição pra se ler a arte, visto que nossa leitura, em todos os níveis, é manipulada, tolida, vesga e viciada.

um abraço,

GVT.

Anônimo disse...

Gil,
Quando falei que assisti coisas terríveis, não me referi ao teatro baiano. Falei de situações em que amigos meus, que não vão ao teatro, resolvem ir quando vem alguma peça de fora, apenas porque tem uma figurinha global. Eu fui também, claro. Então eu vejo o teatro cheio com um espetáculo medíocre. E tantas peças baianas fantásticas às moscas. Existe uma parcela da população, de alto poder aquisitivo e cultural, que não frequenta a produção local. Isso me aborrece bastante.
Abraços.

Jussilene Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jussilene Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jussilene Santana disse...

Teatro e Comunicação:

Particularmente, acredito que seja necessário que a área de teatro avance mais em suas complexas relações com os meios de comunicação...

Eu vejo que a área, geralmente, se ampara em teorias já defasadas e preconceituosas sobre o papel dos meios de comunicação em suas vidas e trabalhos.

Alguns grupos utilizam a fórmula de atrair figuras conhecidas para seus elencos, isso é uma estratégia poética batida, mas não deveria ser a única para "dialogar com a mídia".

É urgente pensar 'os meios' não como um dado a mais na natureza social ou apenas uma "maneira para se divulgar espetáculos". Os meios de comunicação formam hoje o ambiente no qual todas as atividades (inclusive a odontologia! a decoração de interiores!) são possíveis e visíveis.

Não foram "eles" que inventaram que VER/SER VISTO é existir...

Jussilene

Gideon Rosa disse...

Gil Vicente Tavares. Finalmente deixarei registrada a minha visita. Seu texto e as idéias nele contidas emocionam-me. Ainda há alguém que protesta contra a ditadura da mediocridade, alguém que tem como referência Machado de Assis. Isso é de louvar. Meu caro,estou jogando a toalha. Não há luz no final do túnel. As pessoas não querem ler, os estudantes vão para escola sem qualquer compromisso com o aprendizado. Há saída para isso? Estudar dói. Parece.Reclame, você tem todo direito e eu o felicito por isso, mas não há qualquer esperança. Abraço cordial. Gideon Rosa

Anônimo disse...

Ai ai. Arrasou, Gil. Infelimente.

Anônimo disse...

Elisa Mendes disse:

Parabéns pelo blog.Me faltava uma imagem para definir meu momento artístico: é isso o mito de Sísifo.
obrigado Gil.

Anônimo disse...

Muito interessante este teu texto....e casou bem com o texto de Jussi logo abaixo...pode não ter sido proposital..mas genial certamente foi. E é interessante porque resvala na temática que escolhi para minha monografia...infelizmente ainda não encontrei respostas, mas também acredito que o problema maior seja a educação. Uma certa vez cheguei a discutir com uma professora, exatamente sobre teatro, pois num questionamento, disse a ela que Porto Alegre, uma cidade menor, as pessoas gostavem de ir ao teatro e prestigiavam as peças locais que tinham um Festival durante o verão em que todas custavam R$ 10 e as salas ficavam cheias...fora exposições que sempre acontecem por lá e nem sonham em chegar à Salvador...a 3ª capital, que "acolhe" todas as culturas. Diante do meu questionamento do porque isto ocorria..ela simplesmente só disse: Porque é assim e não vai mudar. E eu completo... não muda porque não há uma educação decente nesta terra para que aja mudanças...bom, é isso...só uma opinião.

Um abraço.