terça-feira, novembro 21, 2006

Lendo Canetti...

"A repugnância ao matar coletivamente é de origem assaz moderna. Não se deve superestimá-la. Ainda hoje, pelos jornais, todos participam das execuções públicas. Como tudo, também isso fez-se apenas mais confortável. Sentado tranquilamente em casa, o home pode, dentre centenas de detalhes, deter-se naqueles que mais o excitam. A aclamação só se dá depois de tudo terminado; nem o mais leve vestígio de culpa turva o prazer. Não se é responsável por coisa alguma: nem pela sentença, nem pelo jornalista que testemunhou-lhe a execução, nem por seu relato, nem pelo jornal que publicou tal relato. Mas sabe-se mais a respeito do ocorrido do que em tempos passados, quando se tinha de caminhar e permanecer de pé durante horas para, por fim, ver apenas muito pouco. No público formado pelos leitores de jornal conservou-se viva uma massa de acossamento abrandada, mas, em função de sua distância dos acontecimentos, ainda menos responsável; conservou-se aí, é-se tentado a dizê-lo, a sua forma ao mesmo tempo mais desprezível e estável. Como sequer precise reunir-se, ela evita também sua desagregação; a repetição cotidiana do jornal a provê de varieadade."

Trecho de Massa e Poder (Tradução de Sérgio Tellaroli, Companhia das Letras - 2005), obra seminal de Elias Canetti, escritor búlgaro vencedor do prêmio Nobel em 1981. O trecho escolhido me fez lembrar muito de algumas questões concernentes à peça Os Amantes II.

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