domingo, outubro 01, 2006

Texto do PROGRAMA, por Letizia Russo, escritora e tradutora de Os Amantes II

Se existe um dever do teatro contemporâneo, com certeza é a obrigação a não ser inócuo, nem confortável. Assumir e levar para frente uma reflexão o mais honesta possível. Nos anos em que vivemos talvez mais do que em qualquer outra idade, honestidade intelectual e desconforto do público (pra não falar da crítica, por sua própria natureza em eterno atraso no reconhecimento dos impulsos vitais da cultura e, ironicamente, sempre pronta a trocar vícios antigos por falsas novidades), andam, justamente, de mãos dadas.

A urgência da arte, e do teatro contemporâneo especialmente, é não mais nem menos do que aquilo que Aristóteles chamava à arte: uma atitude de procura da verdade. Aquilo que mais atinge em Os Amantes II de Gil Vicente Tavares é a sua capacidade desapiedada de retratar cada um de nós. Com um pequeno aperto no coração descobrimos que, nesses três personagens que andam perdidos nos poucos metros quadrados de uma casa, à procura do único contacto com o mundo que para eles é possível, há o retrato do nosso vizinho, do nosso amigo, do nosso familiar, até descobrirmos que é também de nós próprios que este texto fala.

Só podemos aceitar essa descoberta como um fogo que sara ou, então, recusá-la completamente. Nós, cada vez mais “livres” de atingir informação, diversão, crescimento, cada vez menos livres de distinguir entre um e outro, e de distinguir um e outro no seu próprio interior. Cada vez mais condenados a sermos governados por uma elite, de geração em geração mais oligárquica, elite de pessoas que terão em suas mãos as chaves da verdadeira cultura ou sabedoria, ou seja, a capacidade de discernir.

Nós, condenados, de regime em regime, de pseudo-democracia em pseudo-democracia, a votar em pessoas que do verdadeiro poder serão cada vez mais apenas a sombra. Mas Os Amantes II não é só uma peça política, apesar de que este elemento de reflexão não-ideológica e sem partido político está à base da peça.

Os Amantes II é um texto profundamente humano, cuja força poética está no seu esforço de universalização, na recusa da lógica das nações, do folclore, e longe também da crônica bruta: nesses três laivos de solidão é possível reconhecer uma humanidade ofendida, pisada e despida da possibilidade de procurar a felicidade, mas ainda digna, ainda capaz de gritar, ainda capaz, se só quisesse, de dar a vida.

2 comentários:

Anônimo disse...

Chego atrasado (mas chego!), para desejar meus votos de sucesso ao teatro NU. Aliás, o atraso é só mesmo o de grafar aqui essas palavras. Os votos pelo sucesso artístico dessa empresa vêm desde antes de o NU existir. E escrevo aqui, junto a esse post antigo, porque essa é também uma ocasião de desejar que a ponte ítalo-baiana que tem uma ponta no NU nos traga em breve algum sopro dramático dos novos filhos de Dante. Ao menos de Letizia Russo, também filha do homem, também mercedora de todo o meu afeto e fé. Merda.

Anônimo disse...

gil e jussilene
merda para a estreia dos amantes II e para a vida do blog, esperando que se abra a varios assuntos e seja um instrumento de compreensao do mundo atraves da cultura


e marcos
de certeza que as pontes entre italia e a bahia vao dar seus frutos. e' so' a gente querer. afeto meu para ti tambem, e saudades.




letizia