sexta-feira, março 25, 2011

O amor sem tempos de cólera


Deixe ela entrar era um daqueles filmes que, sempre que alguém comentava, eu ficava com vontade ver. Mas passado um tempo, eu esquecia e deixava o filme sair da minha cabeça.

Dessas TVs por assinatura, aproveito praticamente o futebol, os desenhos animados de Seth MacFarlane e os programas do History Channel e do National Geographic. Tenho aversão a seriados e não gosto da imposição de horários dos filmes que, sem aviso da empresa, muitas vezes me pregam a peça de serem filmes dublados.

Pois hoje um canal de filmes anunciou Deixe ela entrar, filme sueco que haviam dito pra mim que era um filme sobre vampiro, filme de terror, sei lá o que mais. Na descrição do canal, eles botaram “romance” e eu pensei; que idiotas. Ao final do filme, vi que o idiota era eu.

O filme não é de terror, não é de suspense. É um filme sobre o amor, da forma mais pura que ele pode aparecer; acontecendo.

Centenas de filmes são despejadas no mercado mundial por semana, e boa parte deles tenta pegar o espectador pela emoção, pelo sentimento. São filmes comerciais, praticamente todos, que são alçados a algo mais valioso porque tocam as pessoas, porque tratam de assuntos que as pessoas se identificam e, no fundo, querem ver, ouvir aquilo.

Assistindo a um episódio de American dad, do qual um dos criadores é o Seth MacFarlane citado acima, vemos o alienígena do desenho fazendo um papel de vilão que quer matar o mundo todo de emoção. Ele havia criado um filme que faria as pessoas chorarem até morrer. Era um filme de um retardado mental judeu que tinha um cachorro com câncer. Enfim, uma sátira mais do que óbvia dos artifícios usados pelo cinema, em geral, pra emocionar, tocar e ganhar Oscar.

Por isso, também, e, talvez, principalmente por isso, são filmes descartáveis. A arte que eu acredito não se encontra na esquina. Uma obra se torna especial pelo que ela traz de incomum, pelo ângulo diferenciado que ela vê a realidade, pelo deslocamento de perspectiva que provoca algo que seja mais do que lágrimas rasas, risos bobos e adrenalina excitante nas veias.

Deixe ela entrar é um filme que fala de amor, e do amor mais puro que pode existir. Não aquele pré-fabricado, pré-moldado, pré-estabelecido pelas convenções, pelos clichês, pelas regras de conduta moral, social e religiosa. É um amor que tem que ser como é o amor; espontâneo, puro, sem conceitos nem preconceitos, sem regras nem receios.

A menina é uma vampira. Mata pessoas para chupar seu sangue. Ela precisa disso. Antes de realmente o menino descobrir que sua amada é uma vampira, ela diz por duas ou três vezes que ela não é uma menina. Ele diz que a quer mesmo assim. Em nenhum momento, se entra na discussão babaca de crises da vampira porque ela terá eternamente doze anos e ele envelhecerá e morrerá. O menino não julga os assassinatos da menina. Não há, no filme, momento algum onde a voz dos adultos nos mostre o que é correto, nos dê lições de moral e nos mostre os caminhos do amor. Os adultos são histéricos, egoístas, frágeis, tensos, alcóolatras, insensíveis.

Os meninos, não. São eles mesmos no que o amor pode lhes deixar ser sem culpa ou medo, receio ou dúvida.

Há uma cena, no filme, que carrega toda uma simbologia. O menino corta sua mão pra fazer um pacto de sangue com a vampira. Ela fica doida com o sangue dele, lambe o chão onde pingou o líquido e manda ele ir embora. Ela sai correndo desesperada, porque poderia ter matado ele, tentada pelo sangue. Mas também porque um pacto de sangue poderia matar o amor deles. A ideia de eternidade, de laços profundos talvez trouxesse ao amor o peso que ele não tem.

O amor é leve, como os voos da menina. Acontece porque houve o olhar, a vontade, a verdade daquele momento. Não se fala em passado. Não se fala em futuro. Não se fala nos outros, em quantos, em quais, nos porquês e nos senões. Eles apenas se amam.

Deixe ela entrar é um romance. Fala de diferenças. Fala de intolerância. Fala de preconceito. Fala do inevitável. Fala da vida. Haverá uma refilmagem roliudiana do filme. Quero ver o quanto os estadunidenses matarão a amoralidade do filme. As quatro primeiras letras da palavra amoral são a m o r. O prefixo “a” entra para negar a moral e se reinventar fora dela.

O filme não é uma obra prima, cai em alguns clichês, se excede nas músicas de fundo. Mas no que ele realmente pretende focar, ele pega na veia. Como a menina, que deixa morto um cara que vai se vingar da morte do amigo e, ao tentar matá-la, o menino atrapalha a ação a tempo de a vampira voar no pescoço dele e matá-lo. E sugar seu sangue. E pronto. Não há discussão sobre o “devia ou não devia ter matado”. O que eles fizeram ou farão. Eles não estão interessados nisso. Estão mais preocupados em olhar o mundo com olhos ainda de crianças e ficar brincando de se comunicar pelo Código Morse.

E ficar, espontaneamente, decifrando o código do amor.


GVT.

Um comentário:

Lorena disse...

Realmente, todo ano chega uma safra de filmes descartáveis, não que sejam ruins, mas que tem aquele mesmo formato comercial "mamãe-quero-oscar". É muito bom quando um filme traz um algo mais, nos toca de uma maneira simples e diferenciada... Vou assistir e volto pra comentar.