quarta-feira, agosto 04, 2010

Por quem brilham os olhos...

Pintura de Sante Scaldaferri
Uma das principais características de um grande homem é saber reconhecer a grandeza de outro. Mesmo que indo mais longe que seus mestres, os grandes sempre souberam, na reverência, aprender a ouvir, respeitar e admirar aqueles que vieram primeiro e puseram mais uma pedra na imensa construção da nossa cultura.

Todos os grandes iconoclastas, mais do que simplesmente derrubar seus antecessores, foram, sim, em busca de referências mais atrás. E a admiração vai além das fronteiras estéticas, além das escolas e movimentos.

Estava eu no Xópim Barra, andando com meu amigo Artur Brandão e conversando sobre a realidade cultural de Salvador, projetos, idéias, frustrações, quando avisto Sante Scaldaferri. Antes mesmo de chamá-lo, ele me viu e veio em minha direção.

Tivemos, à beira da escada rolante do Barra, uma breve conversa sobre teatro, cidade, cultura, e Sante nos rememorou seus momentos na idade de ouro da cidade, os anos Edgar Santos.

Esse reitor da UFBA, responsável pela formação das escolas de música, teatro e dança, trazendo a fina flor do mundo para Salvador na década de 50, vira e mexe está presente em meus textos. Era um visionário, ousado e preocupado em inserir a cidade na contemporaneidade e na vanguarda do mundo.

Sabem aquela sensação de sentir saudades do que não se viveu? Pois me considero um órfão de Edgar Santos, e muito me alegrou ver, num depoimento que Tom Zé deu para um curta de Daniel Lisboa, ele utilizar essa mesma expressão. Tom Zé discorre ali, com saudosismo e decepção, a orfandade de Salvador, desligada da pequena revolução do reitor da UFBA e seus convidados – Martim Gonçalves, Lina Bo Bardi, Ernst Widmer e tantos outros –, orfandade esta que tem levado cada vez mais nossa cidade ao obscurantismo.

Sante discorreu sobre as pessoas que ele conheceu, com quem ele trabalhou, tudo que ele aprendeu, a pequena revolução que se afigurava naquele momento, nomes e mais nomes gloriosos da nossa história, e pude perceber algo lindo naquele momento. O mesmo brilho que devia estar em meus olhos, estava nos olhos de Artur, ouvindo aquele homem falar. Porém, mais lindo ainda era ver o brilho nos olhos de Sante.

Um artista plástico consagrado como ele, que alcançou o reconhecimento que ele alcançou, falava como um menino, feliz, animado, que contava seu dia no parque, sua noite na lanchonete. Ele contava e relembrava com frescor e vontade, como se gozasse, naquele momento, do prazer daquela história, dos fatos, das pessoas, da história.

Nenhum homem é uma ilha. Somos produto do nosso meio, das nossas vivências, da nossa história e de quem conhecemos, com quem aprendemos, o que vivemos e apreendemos à nossa volta.

Quem são suas referências? Quem são as pessoas que te rodeiam e que te inspiram?

Fiquei imaginando meu momento em Salvador. As pessoas que me rodeiam. As referências artísticas, culturais e intelectuais que me influenciam, me inspiram, me provocam. E confesso que me bateu uma inveja, inveja boa de Sante. Pude ver um olhar decepcionado da imensa falha que se tornou o projeto de Edgar Santos. A imensa burrice, mediocridade e falta de parâmetro das coisas. Não há mais esteio para se pensar a cultura. A estupidez tomou conta da academia, dos jornais. Onde se respira, onde o ar se renova, ventila, onde encontramos uma brisa de lucidez, de amparo, de saúde intelectual?

Por um instante, parei, olhei ao meu redor, pensei na minha vida, na minha cidade, e me projetei como um velho sonhador, um possível artista reconhecido, sábio, e fiquei pensando, numa situação dessas, encontrando gente mais nova. Por quem meus olhos brilhariam, olhando meu passado que é o meu presente, talvez presente de grego, talvez melhor do que penso?

Quem são suas referências? Quem são as pessoas que te rodeiam e que te inspiram?

Por quem seus olhos brilham?


GVT.

Um comentário:

bahiaflaneur disse...

belo artigo. Lucido.
BF