quarta-feira, maio 26, 2010

Cartas a um jovem Gil Vicente


Querido Gil,
Sim, recebi seu último e-mail, mas confesso que não o compreendi. Por isso minha demora em responder...

Não compreendi como a "opinião pública" soteropolitana que ainda mantém o mínimo interesse nessa arte - os segundos cadernos, os professores de teatro, os estudantes de teatro e a gente que faz teatro - pode acreditar que se há uma crise no teatro baiano, esta crise se deve a uma "falta de criatividade dos artistas da terra". Confesso, não entendi.

Queria ter mais informações, fatos, depoimentos para compreender... Uma análise, um artigo, sei lá, com bons argumentos. Algo que não caísse no démodé BAxVI que se tornou o debate (sic) "sobre os rumos da 'cultura' (sic) na Bahia", debate que esterilizou um ambiente racionalmente já rarefeito, debate que anestesiou um ambiente há décadas já perigosamente absorto em suas próprias entranhas e paixões.

Aqui no Rio leio jornal todo dia.
Na internet, lógico. Não sou assinante de nenhum, mas meu google chrome abre simultaneamente as páginas que mais acesso: atarde.com, globo.com, jb.com, uol.com e etc.com. Meu dia só começa depois que eu blábláblá, aquela coisa... E, deus sabe até quando, mas ainda mantenho o hábito de começar lendo as páginas de 'cultura' (de 'entretenimento'). Sou leitora ativa, vasculho no meio do lixo, vou à caça, mas não tenho encontrado nada a respeito disso por aqui, nem no terramagazine.com, que é editado por um baiano... Parece que o teatro baiano já não é mais mesmo uma matéria que interessa a tanta gente...

Mas eu realmente não entendo do que reclamam...

E quem é mesmo que reclama?? E o que seria esta tal "criatividade" que antes tinha e hoje não tem mais? O que é o ANTES??? A que antes estão comparando os já famigerados anos 00?! Ao engajamento da turma dos anos 60 ou a energia desmedida dos anos 70? Bom, talvez o antes se refira àquela alegria selvagem do fim dos anos 1980, que terminou desembocando na onda de profissionalismo ímpar dos 90, a onda à qual recentemente acabamos de ver terminar?

Sou realista.
Sei que a nossa memória social é curta. Portanto a crise só pode ser em comparação ao momento anterior imediatamente vivido: os anos 1990. É triste, mas enquanto sociedade, a nossa memória não tem o fôlego nem de 2 gerações, apenas sabe/acredita no que cada indivíduo por si viveu como "testemunha ocular". Por isso tudo vira memorialismo...

Numa arte tão efêmera quanto o teatro, com a freqüência de público que temos, não dá nem para imaginar os estragos que este tipo de comportamento social causa. A cada dez anos sabemos de uns três "pela primeira vez na Bahia", que causariam frouxos risos, se antes não provocassem náuseas profundas. E também não escondo minha dor lancinante quando conversando com as "novas gerações" cito um grande ator baiano "do meu tempo (!), dos anos 1990 (!!!)", e ouço um inocente desdenhoso: "nunca ouvi falar". No fundo, isso se torna apenas outra forma do mais vulgar dito popular: "Não vi, então não é bom". Ou, sendo na Bahia, o copyleft: "Não sei, não quero saber E TENHO RAIVA DE QUEM SABE".

Mas, tudo bem. Ninguém me obrigou a amarrar nesta pradaria o meu jegue.

O fato é que os anos 1990 não foram chamados de "os anos do profissionalismo teatral" na Bahia à toa. Ele aconteceu depois de um verdadeiro levante provocado ainda no final dos anos 1980 por peças movidas por self-made-men/women (os Los Catedrásticos, as esquetes da Companhia Baiana de Patifaria, a Oficina Condensada), peças criadas por jovens, que na época nada tinham a perder, que trabalhavam em outras atividades para sobreviver, que lançaram mão de suas pequenas economias pessoais para fazer as montagens, que conseguiram atrair um público de amplo espectro (não mais apenas os amigos e os parentes e os alunos e os pares) e que tiveram também a maldita sorte de pegar carona num espírito do tempo provocado pelo New Carlismo que queria novamente contar as "coisas da Bahia através das artes", sobretudo utilizando-as como ferramenta de marketing. E a resposta da cena foi: "Por que não?"

Na seqüência da década de 1990, diferentes estruturas de apoio à produção teatral na Bahia foram montadas ou reestruturadas. A simbiose da "classe" com o governo Carlista não foi apenas no apoio dado a certa temática (a Bahia como o "grande e quase único tema" de diferentes espetáculos teatrais apoiados), mas ocorreu também na relação patrimonialista e paternalista entre alguns gestores e artistas.

Se pudéssemos analisar de forma apartidária, inclusive de fora do "partido do teatro", perceberemos que parte da crise "que se vive hoje" já estava sendo engendrada nestes dois grandes aspectos do sistema produtivo montado: 1. Pelo próprio desgaste temático provocado pela moda do "vamos pensar a baianidade nos palcos", que teve seu frescor no início, claro, mas que como TEMA também encontrou seu esgotamento em pouco menos de dez anos. A Bahia poderia ser um TEMA bom quando era um tema entre os demais num roteiro cultural que ainda se pretendia amplo. Depois, se tornou quase que a fórmula do sucesso! E da forma como sucedeu não deixou herança, deixou apenas replicantes.

E 2: No desgaste provocado pela exclusividade do uso da lei de incentivo Faz Cultura no capitaneamento das produções teatrais. O Faz Cultura era uma caixa preta, descriptografado apenas para alguns, com os problemas inerentes ao modo de produção via renúncia fiscal que mais tarde seria debatido nacionalmente também. Ou seja, é uma questão colocada para o país, o caminho ficou cheio de armadilhas, mas POSSIBILITOU A ESTRUTURAÇAO DE UMA RESPEITÁVEL REDE de trabalhos, de artistas atuantes, de valores de cachê, de periodicidade de produções! E de estruturação de um MERCADO TEATRAL!!

O fato, amigo GVT,
é que esta turma toda que era jovem e deliciosamente irresponsável nos anos 1980, já chegou aos anos 1990 mais pragmática e realista. Exigiu (e conseguiu!!) condições para continuar trabalhando. Se não fizessem isso, com certeza, pessoas como eu e você não teríamos visto nem um quarto deles em ação nos palcos! Boa parte continuou com o filão BAHIA, mas o sucesso geral possibilitou a montagem de outros estilos de encenação e também se arriscou fugir do estilo (por si só nem bom e nem mal, porque não há isso em poética) próprio de ambientes desorganizados: a dependência do ator-estrela e/ou do ator-comediante.

Essa geração começou a cobrar cachês e, pasmem, a SOBREVIVER daquela atividade que simplesmente lhes tomava 99% do tempo. Incrível? Que isso um dia tenha acontecido? A gente também já conversou o quanto o surgimento e aparelhamento das casas de teatro deve à música baiana, que terminou reformando espaços e preparando técnicos, sobretudo de luz e som, que se revezavam na música e no teatro. A gente também, numa conversa, já listou de cabeça uns quinze nomes de profissionais de primeira linha que hoje só encontra trabalho remunerado na música. Trabalhar para teatro? Só se for uma dívida antiga para um amigo... Voltamos ao 'teatro só para amigos”... Em todos os aspectos. O público voltou a ser majoritariamente formado por amigos.

Mesmo a "classe teatral" sabia dos problemas inerentes àquele "mercado embrionário" que se formava, também fazia suas queixas. Mas de forma acéfala, para não variar, as reclamações só pipocavam quando o arroz queimava na própria cozinha. Mas os ganhos geracionais, de todo modo, estavam se acumulando. Qual é o principal ganho? Ter diferentes gerações de atores baianos trabalhando! Porque está é a única chance para os atores mais novos que surgem. No teatro, ver gente boa é a única fórmula para gerar mais gente boa.

É claro que o governo Wagner não teria perícia técnica e artística para fazer a mudança cirúrgica necessária ao cenário que encontrou. Ao invés disso, fez terra devastada, quis "Começar um novo tempo". Não foi NADA sensível ao "mercado" que funcionava antes. Sequer considerou-o como tal! Ouvi de inúmeros trabalhadores do governo que me disseram Hãhn? quando perguntei sobre o que ia acontecer com o mercadinho teatral baiano. A questão não seria mais o teatro baiano dando seus pulos para se inserir na economia capitalista, mas o teatro (mais uma vez!) como caminho para a mudança social. Cansativo. Não nego que muitas pessoas se salvem assim, mas a arte que elas fazem com certeza será condenada.

E nesse bojo houve ainda um tremendo erro de julgamento! Acreditou-se numa versão determinista da realidade, num "é o meio que faz o homem!" E raciocinaram: "Ora, ora, aquela turma lá dos anos 1980 não se produziu de forma criativa sem grana, sem salário, sem tempo, sem condições? Então? A chave do sucesso está NESTAS condições!" Triste. Como disse, seria hilário se...

Acontece que esqueceram como foi difícil para esta geração 80 re-começar depois de um longo inverno. Depois de todos os desmandos que quebraram a "produção" anterior. Numa outra oportunidade eu me repito, conto sobre os anos 1960 "quebrando" o que foi montado nos anos 1950 (você não agüenta mais me ouvir falando isso... Confesse...), mas não preciso nem dizer que mais uma vez presenciamos a dança de Shiva. Essa imensa turma de artistas baianos que se profissionalizou na década de 1990, formada por artistas DE DIFERENTES idades (! dos 7 aos 70!) se retraiu ou foi retraída do "cenário", aí o espaço literalmente sobrou para os novatos de todos os tipos. No grupão que "saiu de cena" estavam: 1)A turma das antigas que não topava mais passar por um retrocesso e trabalhar recebendo miséria ou não recebendo; 2) Parte grande da turma jovem que desceu para o Rio de Janeiro e São Paulo; 3) A outra parte da turma jovem que continuou atuante na Bahia "lascando de banda" para escalar um elenco que ainda tope trabalhar nas condições oferecidas; 4) E uma turma considerável das antigas simplesmente cansou.

Bom, tenho que falar sobre mim?
Detesto argumentar usando experiências pessoais... Eu demorei 6 anos para montar minha última peça na Bahia, Joana d'arc. Nosso projeto foi primeiro reprovado, depois renegado, posteriormente escolhido como suplente e, por fim, ganhou um edital. Haja Paciência... Saiba que oferecíamos sempre O MESMO projeto, só alterávamos o orçamento. E mesmo depois de premiado, demoramos 14 meses para receber a grana. Eu literalmente concebi e pari uma criança, a doce Ana Luísa, enquanto aguardava a verba.

O prêmio recebido, depois de reduzido, só dava para promover 13 apresentações!!! Montamos o espetáculo com 1/3 do orçamento original lá de 2004. A diretora voltou novamente a se multiplicar em sonoplasta e operadora. A atriz voltou a se revezar na assessora de comunicação. Voltamos ao "se vira nos 30" porque não tinha como pagar a todo mundo, era um espetáculo que exigia um elenco grande. Não era um monólogo. Não era um binólogo. Não vou discutir mais isso, mas chegamos a pensar em montar um monólogo só comigo, chamado Eu, Joana, devido às sérias restrições orçamentárias. Mas utilizar a restrição orçamentária como tema para um espetáculo/monólogo soava como cópia para mim, já tinha visto esta peça. Graças a Deus conseguimos um elenco que aceitou um cachê praticamente simbólico para o talento e empenho que demonstraram. Os 2/3 que TIVEMOS que retirar do orçamento foi basicamente da área de mídia!!!! Mídia...Esta coisa essencial no mundo de hoje para não isolar mais a já isolada manifestação teatral na contemporaneidade. Outro revés.

Não... Também não quero falar do estrago que causa para toda uma turma que agora está se formando/entrando para o teatro não assistir freqüentemente os "artistas de diferentes idades que se profissionalizavam nos anos 1990". Os meninos dos anos 1980 ainda tinham seus ícones baianos, inclusive para COMBATER! Professores, atores e diretores simultaneamente em cartaz para RENEGAR!!!! A história do teatro baiano pode ser divertida se a gente encara algumas montagens como respostas a outras montagens! Inclusive “os grandes sucessos”! Isso é teatro: mimese contínua, angústia da influência, o ver e copiar, dizer que não copiou, melhorar, acumular...

Nêgo, isso para não dizer da luta pelo Teatro NU, ein? Os diferentes projetos reprovados, nosso primeiro edital, no qual recebemos 9 mil contos... ai...

Pois é. Cansei por hoje.

beijos carinhosos,
JU

17 comentários:

Vida Oliveira disse...

Estou na faculdade desde 2007, quase formando e, não, não conheço os antigos artistas. Os que conheço pessoalmente, estão no rio, os outros, na maioria, ouço falar que estão na Bahia, mas trabalham com qualquer outra coisa, sei lá, sumiram.
Se vir qualquer um deles pela calçada, provavelmente não reconhecerei. Alguns se tornaram professores da Escola, e podem montar coisas com os alunos, assim os conheço.

Foi muito bom ver como era o antes, em seu texto, pq nasci em 90, quase não pude conhecer esse antes, de que tanto ouço falar.
Sinto vontade de ver esses atores "antigos", de não encontrar tantos amigos na platéia.

Como não fazer teatro de amigos com 30, 40 mil? Como divulgar, pagar bem os profissionais, não acumular funções? Vejo excelentes atores trabalhando por um cachê simbolico, chegando cansados no ensaio, porque trabalharam em outra coisa todo o dia.
Como ter grandes profissionais, se qualquer um pode ganhar um edital do nucleo do TCA (e qualquer geralmente é melhor do que UM IMPORTANTE)? Se não não se valoriza mais os velhos, experientes? Então, qualquer um pode fazer qualquer coisa, até porque, vai ganhar pouco mesmo, que diferença faz?

Provavelmente não estarei mais na Bahia e, se tiver, não creio que ainda esteja fazendo teatro, mas, sonho com um dia em que haja um teatro municipal e estadual, que possamos ver os grandes artistas baianos. Em que se possa pagar, pelo menos o aluguel de um ator, com o cachê de um edital. Que existam mais do que 20 teatros em todo o estado, com teatros publicos que não cobrem metade do edital(dado pelo proprio estado) em pauta, com teatros particulares que não cheguem a falir por falta de quem pague a pauta...

É um sonho distante e quase improvável, mas enquanto vou fazendo outros teatros em outros cantos, tendo cada vez menos esperança de continuar morando aqui, vou sonhando, assim como você, Gil e alguns outros, com essa Bahia, que hoje me parece inalcançável...

Tássio Ferreira disse...

Esse ano, estou mergulhando mais a fundo nessa dita História do Teatro, que nesse momento está sendo construída também pela inciativa de Jussilene. Ainda me sinto frágil, raso, inócuo. É importante frisar.

Quero falar sobre várias coisas. Mas,vou tentar ser breve. Não sei se cabe, mas ontem estive na Ucsal, e ouvi o discurso de Gil. Talvez as indagações que Jussilene traz, também sejam as minhas.

Com meu cunhar inócuo, como disse, acho que você é muito generalista, extremista e pessimista. Você disse que estamos em crise de falta de criatividade, ou algo parecido. Mais tarde, você diz ainda Gil, que não existe nada de novo, tudo já foi criado. Ninguém inventou a pólvora na contemporaneidade. Logo, é difícil querer uma inovação teatral dentro dessas perspectivas. Imagino que você vai além, no sentido da ousadia nas propostas, na transgressão sem confundí-la com subversão, de iniciativas ate mesmo dramatúrgicas, e muitos caminhos.

Mais tarde, na Ucsal, você apontou, e Jussilene também reforça, o quadro financeiro no que diz respeito a inciativas nas montagens de peças, sobretudo as inéditas. Toda a avaliação é nebulosa, estamos em uma cidade populosa, onde o número de vagas oferecidas, não condiz com a realidade de produção artística nos editais de montagem (sobretudo FUNCEB). Além da longa espera pela verba para iniciar o projeto, como mencionou Jussi. Não dispomos nem de formação de profissionais de forma acessível. Até onde sei, a Escola de Teatro é um grande Pólo, que se perde muitas vezes em seus ideais. A sitorne, que atente uma classe burguesa, que muitas vezes não sabe o que faz na cena teatral, se defronta com o deleite e status inventado do ator.

Digo essas questões não relacionadas somente a atores. Técnicos do espetáculo, temos pouquíssimas iniciativas de formação. Com isso, a cidade pára em qualificação, e não se pode renovar propostas de criações artísticas.

É claro que sabemos dos interesses políticos vigentes, e das manobras existentes para "enganar os bestas". Mas, se nos defrontamos com isso quase sempre, e não reagimos frente a isso nos posicionando, não é agora, falando de fomento a cena contemporânea que temos de evocar essas questões.

Tássio Ferreira disse...

Continuação...

Acho tudo muito generalizado. A coisa só entra na especificidade, quando acontece em nossos grupos, em nossas vivências.

Você acha que eu, com meu espetáculo que re-estréia sábado que vem (Vassoura Atrás da Porta ou Quarto Número Nada, no Teatro Gamboa Nova - Olha merchan! Rrsrs) eu não gostaria de investir 25 mil em mídia? Eu não tenho nem a metade para investir em um bom cenário. E aí? Eu espero um edital resolver me aprovar? Eu não produzo? E esse esforço, desses grupos iniciantes, aspirantes, sérios, invisíveis, e marginalizados... Eles não têm interesse de refrescar o que se produz? Eles têm chance de mostrar que existem? Eles são tão sufocados e abafados quanto os outros.

Acho que estes grupos são essa tentativa que é abafada. É um movimento que acontece no escuro. Que é conduzido para que assim permaneça, até o dia que eu trabalhar com Gil Vicente, por exemplo, que Gil Vicente, montar uma peça minha. Gil é um cara conhecido, premiado. Entende Gil e Jussi? Enfim...

Acho que temos que pensar nessas peculiaridades que pulsam e gritam! As vezes somos egoístas, e só olhamos para nosso umbigo. Esse momento existe, mas é manobrado - volto a insistir.

Jussilene tocou num ponto importante, a fruição, apreciação. Os colegas, amigos, não se assistem. Ficam fechados em seu mundinho. A dita "velharia", não tem paciência de ver algo "diferente", é julgado maluquice. Está engessado para as novas inquietações artísticas. Assim como a "novaria" não assiste a velharia. Sendo que a primeira situação é mais grave. Ou seja, não existe uma circulação e visibilidade na própria cidade por conta dos colegas de profissão. E não é por falta de aviso, de divulgação. Jornal sempre tem algo. Para quem já é da área, é fácil saber o que acontece. Você mesmo, é uma pessoa que não assiste outras coisas (Gil). Eu, seu ex-aluno, você nunca foi ver nada meu, para até me orientar, quem sabe. Ainda que sejam ruins, ainda que não corresponda aos seus anseios.

Eu sei que existe muita bomba, metranca na cidade. Mas, não podemos negar. Acho que é produto de nossa história. Claro que é um direito que assiste a cada um ver, ou não ver as peças alheias. Não sei, posso já ter me perdido no que disse, no que queria dizer.

Fui estimulado a escrever, depois da aula via web, acerca de Martim Gonçalves com Jussi. Entendi alguns movimentos nebulosos em minha cabeça do século XX, e a passagem dos anos 40 para os 50 na Bahia. Parece não ter relação, mas já foi estabelecido por Jussi.

Estou nessa gostosa descoberta da História do Teatro Baiano. Não tenho pressa. Estou me encontrando a priore com Martim, que é um passo fundamental, assim sigo... Jussi, obrigado mais uma vez, você é mil!

Gil, é meu primeiro post no blog. Tô aqui acompanhando. Seja bonzinho comigo!

Abraços,

Tássio Ferreira

Jussilene Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Jussilene Santana disse...

Vida e Tassio,

Vocês não fazem idéia de como estas questões que vocês trazem me interessam. Vou responder com a calma que elas merecem.

Volto logo,
beijos,
Jussi

Gil Vicente Tavares disse...

Tássio,

Só pra frisar uma coisa. Eu não falei em crise de criatividade. Os jornais e os formadores de opinião, sejam eles figuras públicas ou artistas consagrados, têm, ultimamente, dito isso. O que também acho que não corresponde.
Acho mais grave, ao contrário de você, que os novos não vejam os mais velhos. Eu, quando era aluno, e logo que me formei, via mostra de cena de aluno de primeiro semestre, peça gratuita no Solar Boa Vista, acompanhava qualquer festival, etc. Depois de um tempo, nos tornamos mais seletivos, é normal.
Mas sempre que pude, prestigiei as turmas que dei aula em suas mostras, acho isso importante. O que mais ocorre é as pessoas esquecem de me avisar, mesmo quando eu cobro. E esse disse-me-disse de "não foi ver o meu" leva ao fato de você nunca ter visto um espetáculo do Teatro NU, por exemplo, como 90% ou mais dos alunos da Escola de Teatro, mas isso não é o mais relevante da discussão.
Por sinal, sou um cara que assiste praticamente tudo, nessa cidade, que está profissionalmente em cartaz com colegas meus e grupos de fora. Posso criticar com propriedade justamente por isso. Mas certas estéticas não vou mais por saber que não é a minha. A idade traz essa seleção natural...
A prova de que não podemos esperar o dinheiro foi que nosso primeiro espetáculo do Teatro NU, "Os Amantes II", gastamos pra fazer. Mas não dá pra o tempo todo gastarmos pra realizar nossa profissão.
Mas deixa eu aquecer os tamborins pra responder a Jussilene sua carta e ampliar a discussão.
Aguardo a resposta dela a vocês por aqui...

Jussilene Santana disse...

Vida e Tássio,

Antes de tudo, só posso me desculpar se meu texto reforçou a idéia de um "choque de gerações". De uma "velha guarda", dos antigos, da "velharia" (deselegantíssimo para dizer o mínimo, em Tássio?) onde são "todos bons e competentes" contra os novos, os novatos, os jovens "que são todos ruins". Não diria algo assim porque esta é a última coisa em que eu acredito. Mas, sobretudo, porque NÃO é isso que está acontecendo. Não se trata de um choque entre os artistas mais novos contra os mais velhos.

O que tentei descrever é muito menos um choque entre gerações de artistas (frisei bastante o fato de que naquela turma dos anos 1990 existiam artistas de idades variadíssimas, dos 7 aos 70, seguramente!), do que um choque entre modos de produção destes artistas... Havia um sistema anterior (capenga, falho, chamado por muitos como neoliberal, estruturado em cima de dois governos nacional/estadual de centro direita, mas) que permitiu uma produção intensa, que deu visibilidade local e nacional à cena baiana, que promoveu um grande número de peças e que estas, sim, permitiram que um grande número de artistas de diferentes IDADES estivesse em cartaz mais ou menos ao mesmo tempo, que permitiu que eles se assistissem, se admirando ou se odiando, mas que, no fundo, no fundo, aprendessem muito uns com os outros.

Sei muito bem que este sistema, este estado de coisas, apesar de ter funcionado, já estava com os dias contados ANTES mesmo da subida do Wagnerismo ao poder. A classe teatral baiana havia crescido bastante, até mesmo como conseqüência do burburinho: peças bacanas atraiam público e dentro deste público parte conseguia enxergar o teatro como uma carreira de certa estabilidade. Então, a classe teatral baiana tinha crescido e PRECISAVA de mudanças para inserir nova leva de gente, para abrir espaços para novos artistas porque a organização anterior também dificultava o aparecimento de novos nomes. Baseada só nas leis de incentivo, empresa nenhuma bancava projetos de "desconhecidos" e era aquela velha questão: o gargalo e as indicações.

Acontece que as mudanças do novo governo não respeitaram, ou melhor, não se fez uma mudança gradual, posto que O FOCO DO NOVO GOVERNO NÃO era entender mais a área da arte como um mercado. Então o projeto-mercado e suas pequenas regras já em funcionamento (valores mínimos de cachê e funcionamento, padrão para divulgação, divisão de trabalhos dentro de uma peça e metas para alcance/retorno de público) foram ABANDONADOS!!!!! O objetivo agora era entender a arte como um braço da CULTURA e a cultura numa dimensão ampla, antropológica, que não a difere muito de "sociedade". Aquela preocupação com um “mercado para a cultura”, sobretudo para o teatro, virou uma "coisa dos neoliberais do governo FHC e do Carlismo". Com Wagner o lance era perguntar o tempo inteiro O que é cultura?, mas apenas para responder que cultura "é uma maneira de inserir grossas camadas da população antes desassistidas". Só posso dizer que entre “os desassistidos” há de tudo e há gente talentosa e gente SEM talento! Portanto, ter "sido desassistido" pelo governo anterior não deveria ser matéria de corte! Assim como ter sido assistido pelo Carlismo não deveria ser, agora num negativo, desculpa para guilhotinadas.

Jussilene Santana disse...

É fato que muitos dos artistas-praticantes dos anos 1990 não agüentaram a mudança do sistema, muitos vinham de batalhas incontáveis já das décadas anteriores, e muito novos foram, como diria, “mal acostumados” em ser pagos, em trabalhar apenas tendo condições... Viram como um retrocesso a questão dos salários diminutos, que diminuíram para se ajustar aos editais, às circunstâncias. E se não agüentaram não foi porque NÃO tentaram! Tentaram, sim! Muitos estão ainda tentando!!! Com seus projetos saindo das gavetas a cada temporada de editais!! Nos bastidores, ainda resistem e têm muitos sonhos de montagens (que para alguns viram pesadelos frente ao desafio das contas).

Sim, Tássio, é verdade que meu texto é generalista porque este é o propósito dele. Poderia escrever a crítica a uma peça ou a análise de uma carreira específica, poderia ser bem pontual se quisesse, mas meu objetivo nesta carta a GVT era traçar um panorama dos últimos anos. Tentar mesmo delinear um horizonte que eu vi/vivi/analisei.

Acredito mesmo que quebrar a passagem de bastão entre diferentes gerações de artistas é o pior que pode acontecer para a sobrevivência de uma arte, especificamente para o teatro, esta prática que só se realiza no aqui e agora.... Acredito exatamente que o toque da vitalidade reside na boa "comunicação" entre os atores/artistas de diferentes idades. Uns trazendo experiências (novas), outros a vitalidade (dos tempos vividos). Isso porque a gente não aprende teatro nos livros. A gente até aprende SOBRE teatro nos livros. E até que muita gente que aprende sobre teatro nos livros é tão incrível que consegue levar para a cena este aprendizado. Mas teatro-mesmo a gente só aprende com o ator colocado no desafio da CENA. Aí a gente aprende como ator-colega e como público.

Vamos conversando!

Vida Oliveira disse...

Jussilene, Tássio, Gil, muito boa esta discussão gerada pela carta, aguardo sua resposta à carta, Gil, pra que possamos refletir mais sobre o que temos feito.
Jussilene, quando você diz que a definição de cultura do governo do estado é "uma maneira de inserir grossas camadas da população antes desassistidas", encontro o maior paradoxo da politica atual, que me faz pensar:
Os espetáculos são feitos com pouco dinheiro, muitas vezes com uma má qualidade plastica por falta de dinheiro mesmo, pra fazer um cenario, um figurino. Além disso os artistas precisam de outro emprego. Não dá pra viver de cachês de 300 reais. Sendo assim, pressuponho, a população desassistida obviamente não é a população de artistas.
Então imagino que esta população seja a população que é desassistida de tudo, de educação, lazer, cultura... etc. E me pergunto, então, e esta população, está sendo asssitida?
Pensando sobre estas obras que tem chegado ao público, com velhas tecnicas vistas como novidades(pq nao vemos os velhos fazendo) vejo, comumente, espetáculos feitos apenas para amigos e familiares. Isso é fato. Ganha-se um edital, fica por aquilo mesmo, sem contar com a bilheteria, distribui-se um convite aqui, outro ali.
Então, ao sair de um desses espetaculos, patrocinados pelo governo, paro e pergunto: a população desassitida está se beneficiando com esta obra de arte aqui encenada? Ou a população que antes nao ia ao teatro, continua nao indo e, pior que isso, a que ia ao teatro, agora também não vai?
então, quem está ganhando neste espetaculo onde o profissional é mal pago e o publico nem fica sabendo que existe?
Parece-me que, então, que 'cultura' seria fazer o q você sabe fazer, sem ganhar muito e só pra você mesmo, em segredo, ninguem precisa saber...
talvez tenha sido confusa, mas espero que não o suficiente para prejudicar o entendimento.

Sim! Vamos Conversando!

@estandartedaagonia disse...

Bravo! Quando crescer, quero escrever como você! Beijo na família...

Fernanda Veloso Brodshaug disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernanda Veloso Brodshaug disse...

Muita coisa foi falada, fico feliz por ter lido tudo...estou, graças a Deus, cheia de caraminholas na cabeça... ainda sem digerir 1/5 do que foi dito, até porque, por ignorância ou falta de capacidade, por mais que eu tente, não consigo entender esse tal Governo, e suas mudanças... Tem algo de muito não lógico para mim, e acho que talvez se encaixe na lógica interna que encontrei, ainda na 8ª séria, para compreender a História -que sempre foi nebulosa para mim... A resposta certa é sempre aquela que o dominante explora o dominado. Louca ou não, minhas notas melhoraram bastante quando comecei a marcar assim. No entanto, ainda teimo em ter esperança que não estamos repetindo a História e sim, estamos, como seres humanos, amaduecidos pelos ensinamentos passados, crescendo, numa espiral, pode ser, mas não em círculos! Enfim,ainda não encontrei a atual lógica governamental... Já li, re-li, captei diferentes opniões, refleti, mas algo ainda não se encaixa em mim para me servir como base... é uma pena, pois sei que é fundamental. Estou tentando...
Segundo é: Estou aqui em Olso há 5 meses. Por favor, não me perguntem quantas vezes eu fui ao teatro, porque tenho vergonha até de dizer.... Isso porque, na capital do atual país mais rico e desenvolvido do mundo, me parece que teatro é coisa de elite e não faz parte de suas bases culturais. Fico triste por não ver meus colegas, então de teatro, indo ao teatro. Quando fomos a Estocolmo (ah! um outro clima cultural) Augusto Cabrera, -se não me engano um peruano, que já trabalhou em São Paulo e mora há uns 20 anos lá- estava reclamando que os teatros estavam sendo fechados para construirem qualquer outra coisa, e que estava sendo tirado das escolas para dar ênfase, para variar, ao esporte.
Mas, voltando a Oslo, posso dizer que até agora vi um festival (em época de exame, em que o povo louco daqui fica enclausurado de 9 as 22h na faculdade) ou seja, não vi. Não vejo iniciativa artístca... Não encontrei o coração artístico da cidade, estando, supostamente, em uma escola de teatro. O povo nem tenta! Não propoe, não sugere (digo os alunos, uma vez que desconheço os artistas profisionais. Mas, se os alunos são assim, como será depois? Só vejo o povo se mexer para o tal do exame) Pra ser sincera, o melhor lugar que encontrei, foi um barco-teatro, criado por um Africano maravilhoso, ali se respira arte e é o local mais barato, sendo então, um local privado. E foi fechado um dia desses por algum problema - provavelmente ligado ao governo! Mas não vejo iniciatica do tal Governo em relação ao teatro na cidade de Oslo. Olhe que já perguntei pra muita gente!!!!
Com isso quero dizer que, ou a gente é muito bom, criativo, bem humorado, inteligente, irreverente, etc, etc,etc.. ou a gente é muito burro! Porque temos muito pouco, quase nada, mas temos um leque de opções para gostar ou não, e mais! nós estudantes, quando temos a mínima consciência que precisamos assistir TUDO!, nós podemos, com nosso pouco dinheiro, ver! Porque assitir 2, 3 peças por semana, como eu assistia, com o preço do TCA, filho, só sendo milionária, e isso eu tô longe de ser!
Quero reafirmar com isso que, vivendo essa experiência, estou dando um valor ENORME à nossa província soteropolitana em crise... Estou com saudade até mesmo dessas caraminholas que me nascem quando penso no assunto. Estou com saudade de, de repente, passar e ver que vai ter uma peça e juntar meus trocados, entrar e me surpreender com a beleza do que está sendo mostrado (algumas vezes acontece).
Isso não significa que precisamos ficar felizes e ponto. Legitimo todo movimento saudável em direção ao progresso, mas serve, ao menos, para pensarmos que existe pior, tendo condições para ser melhor, e para dar uma língua bem dada para os que dizem que falta criatividade para os novos...
As vezes nem sei sobre o que eu to falando mais, mas, se ninguém entender, serviu para mim como um desabafo! rsrs
Beijos saudosos para todos e sigamos em frente!
Fernanda Veloso

Tássio Ferreira disse...

Gil,

Talvez você tenha razão em alguns pontos... Conversamos pessoalmente, enfim, eu misturei muita coisa.

Jussi,

Não disse que você era genalista. Falei aquilo tudo com relação ao discurso do Gil, na palestra que ele e Marcos Barbosa deram na UCSAL, ao retratar a transgressão na literatura. Enfim... Como disse acima, misturei muitas coisa... Mas, acho que fui sincero ao que penso, sendo assim, sou composto dessa mistura que acabou comunicando! Rrsrs

Pegando o gancho de Fernanda, eu penso sempre positivamente. Talvez pela pouca idade e pouca vivência, ainda tenho uma visão romântica do teatro baiano, sem a parte dos heróis e mocinhos.

Não deixo de ver a merda que existe, o desrespeito com o artista baiano, a falta de espaços públicos... Toda a problemática debatida aqui no blog pelo Gil, e todos. Porém, acredito na força dessa arte produzida aqui. Para mim, existe uma produtividade inovadora, atuante, viva.

Às vezes, ou quase sempre, só nos atentamos a parte ruim da coisa. É natural, temos um olhar diferenciado, mas vale ressaltar, até mesmo como um incentivo aos que são aspirantes a tal (me coloco nesse lugar), que a desgraça tem um pouco de graça, e que é possível chegar a algum lugar.

Desculpe... Não falei tudo que queria... É por aí.

bahiaflaneur disse...

"A simbiose da "classe" com o governo Carlista não foi apenas no apoio dado a certa temática (a Bahia como o "grande e quase único tema" de diferentes espetáculos teatrais apoiados), mas ocorreu também na relação patrimonialista e paternalista entre alguns gestores e artistas."
parabens pela lucidez !!! bravo ! adorei seu longo texto. franqueza e visao larga...
gostei mesmo

BAHIAFLANEUR disse...

Lei Rouanet...
É revelador e symptomatico de ver que depois 8 anos (OITO!!!!!) de poder petista central em Brasilia, a reforma da Lei Rouanet, com centenas de emendas vindo de lobbies conservadores, nao foi votada, ainda menos colocada na camara federal.
Triste
Ausencia de vontade do Gil de là (nao GVT, o outro Gil, risos !!) e do Juca. Enquanto isso, eles vem em Salvador fazer palestras para dizer que vai chegar la, na votaçao... Vergonhosos Gil e Juca... Oito anos e nada !
BF

Elmir Mateus disse...

Não posso contribuir com outra coisa além do meu humilde elogio à discussão.

Cooperativa Paulista disse...

Senhorita, seu texto é simplesmente impecável. Lúcido, claro, magicamente leve e profundo (!) e lindamente sem rancor. Gostaríamos de, em breve, fazer-lhe um convite também de ordem de escrita. quando puder, por favor, manter contato com o e-mail: ciadatribo@ciadatribo.com.br.
Atenciosamente e até breve.