sábado, agosto 02, 2008

Uma história do Teatro vista da Província - Cap.1

De 500 a.C até meados do século XX, dos gregos aos baianos:
Predominância do teatro dramático, ilusionista, aristotélico. Ou seja, é aquele teatro que defende um lugar à parte da sociedade para contar histórias; Nele há, sobretudo, personagens e texto; E quase que com certeza (mas nem sempre, vide Shakespeare) há cenários e figurinos. Aqui estão a preparação de atores de Stanislavsky, a direção de cenas de Antoine e uns 7 milhões de clássicos da dramaturgia.

De meados do século XX até hoje (ou os 50 anos de nossa contemporaneidade):

Teatro Épico, Bertolt Brecht, alemão
O distanciamento proposto por Brecht promove que um pé do ator fique no teatro ilusionista e o outro fora dele, na sociedade. "Sejamos críticos do que fazemos!". Essa postura abre caminho para teatros políticos de todas as cores. Anos 30/40/50

Teatro da Crueldade, Antonin Artaud, francês
Sim, ele viveu antes de Brecht, mas seus escritos só foram apropriados no discurso da contracultura, nos anos 60/70. Deu o mais sonoro não ao drama burguês, ilusionista, e este urro continua sendo ouvido e ecoado até hoje. Rejeita a supremacia da palavra, do texto. Prega a 'volta' do corpo. É o pai-avô da performance. Como nunca saiu da Europa, descobre os rituais do Oriente nas feiras internacionais que visitam Paris.

Teatro Pobre, Jerzy Grotowsky, polonês
Escreve um livro que, traduzido, será a Bíblia de gerações de atores do Terceiro Mundo por motivos óbvios: "Não precisamos nos preocupar com nenhum adereço, porque só o ator é essencial". Depois, afasta-se inclusive disto. E afirma que nem o teatro o interessa mais, mas sim o contato quase santo entre as pessoas. Vide seu último livro: Dia Santo. Anos 50/60/70.

Antropologia Teatral, Eugenio Barba, italiano
Como assistente de Grotowsky, de certa forma se apropria de suas propostas. Para ele, o mais importante é o contato entre os atores e as pessoas. Na início da década de 70 faz a pergunta essencial: "O que é um ator quando não se tem um espetáculo?". Daí, inicia a prática do teatro como "baratto culturale", uma troca através de uma montagem com a comunidade, um lugar para o diálogo com as realidades diversas. No final dos anos 70, cria na Dinamarca o ISTA (International School of Theatre Anthropology) onde estuda as bases técnicas do trabalho do ator a partir de um processo comparativo com os vários estilos de interpretação oriental e ocidental. Na prática é uma rede internacional e multi-cultural de performers, atores, estudiosos e acadêmicos do teatro. Tem até um professor de Salvador, Augusto Omolú.

Teatro do Oprimido, Augusto Boal, brasileiro
Após percorrer a história da encenação de Stanislavsky a Brecht e ajudar a criar o Teatro de Arena em SP, Boal sai do país durante a Ditadura Militar para nunca mais voltar (de fato). Conhecido mundialmente por seus exercícios para não-atores, prega: "O teatro deve ser um auxiliar das transformações sociais e formar lideranças nas comunidades rurais e nos subúrbios". No seu método, que lhe valeu uma indicação ao Nobel da Paz em 2007, as técnicas de teatro são usadas abertamente para a conscientização do homem comum no seu cotidiano. Anos 70/80/90/00...

Etnocenologia, Jean Marie-Pradier, francês
Anos 90. Numa perspectiva muito similar à antropologia do teatro, se preocupa com a cena em geral, não mais se limitando às análises dos espetáculos propriamente ditos (ou seja: as peças, as montagens, etc). Tudo e/ou qualquer comportamento humano pode ser espetacular. As cenas da vida cotidiana são espetaculares. Para alguns até espetaculosas... Super-ultra-trans-disciplinar pede ajuda aos universitários da sociologia, da antropologia, da história para analisar seus objetos-sujeitos-objetos. Febre em todos os países de língua francesa e na Bahia.

Anos 00:
Enfim, teatro, ator, personagem e texto hoje são palavras minadas, quase sem sentido, a depender de quem as pronuncia, de quem as ouve... Isso para não falar de platéia, de público.... Na contemporaneidade, aos trancos e barrancos, todas estas correntes (pode-se dizer que são correntes?) estão por aí. Se, grosso modo, nas graduações das escolas de teatro, em quatro anos, consegue-se percorrer (correr) dos gregos ao Boal dramático, com pinceladas de Grotowsky, nas pos-graduações o caminho não é nada linear. Pode-se cair na contemporaneidade de qualquer época. Em qualquer época.

Por Jussilene Santana
junesantana@gmail.com

Um comentário:

Anônimo disse...

(Rubrica do Dicionário do Teatro Brasileiro, página 139)

Etnocenologia

Termo formulado por Jean-Marie PRADIER, em 1995, para designar o estudo das
práticas espetaculares de diferentes culturas sob uma perspectiva analítica não
eurocêntrica e atenta ao aspecto global das manifestações expressivas em questão,
incluindo suas dimensões físicas, espirituais, emocionais e cognitivas. Seu objetivo é
estudar essas formas tomando-as não mais a partir da referência ao teatro ocidental, mas
remetendo a práticas e conceitos correntes nas culturas e civilizações em que são
produzidas. Interessam-lhe, de forma particular, as práticas derivadas do rito, do
cerimonial e da dança. Procurando descrever o processo de troca entre pólos
interculturais, a etnocenologia propõe-se a estabelecer padrões de análise que lhe
permitam observar os processos de interatividade presentes nas manifestações enfocadas,
adotando a perspectiva da transculturalidade e buscando superar a noção de intercâmbio
cultural puro e simples. Situada no campo das etnociências, a etnocenologia revela a
consolidação de um paradigma científico baseado no conceito de alteridade e na
afirmação do multiculturalismo*. Entre os fatores que contribuíram para sua formulação
podem-se apontar o interesse suscitado por formas teatrais não ocidentais, a reavaliação
das artes do circo, da dança, da bioarte e da street dance, as pesquisas realizadas por
Jerzy GROTÓVSKY, Peter BROOK e Eugênio BARBA, o crescimento dos estudos
sobre ritos, rituais, xamanismo e cerimônias, o desenvolvimento dos estudos de
etnomusicologia e a ação institucional de órgãos como a UNESCO, a Maison des
Cultures du Monde, a International School of Theatre Anthropology e o Centre for
Performance Research of Cardiff.

No contexto brasileiro, os estudos etnocenológicos estão associados a iniciativas
de grupos de pesquisas como o GIPE-CIT (Grupo Interdisciplinar de Pesquisa e Extensão
em Contemporaneidade, Imaginário e Teatralidade), coordenado por Armindo BIÃO, na
Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia; o TRANSE-UNB (Núcleo de
Estudos Transdisciplinares sobre a Performance*), coordenado por João Gabriel
TEIXEIRA, e o NIEI-UFPE (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre o Imaginário),
coordenado por Danielle Rocha PITTA, na Universidade Federal de Pernambuco. Deve-
se ressaltar ainda a realização do I Congresso da ABRACE (Associação Brasileira de
Pós-Graduação em Artes Cênicas), no Departamento de Artes Cênicas da ECA-USP
(Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), em setembro de 1999,
no qual relatos de performances e pesquisas ligadas à etnocenologia tiveram considerável
destaque, contribuindo assim para a sua divulgação, enquanto área de pesquisa. (MSB)