quarta-feira, outubro 04, 2006

novas notas sobre a montagem...


O silêncio é fundamental na arte. O que faltou ser dito, pintado, ouvido, é justamente o espaço profícuo do apreciador da obra. É naquele instante mínimo que a pessoa refaz aquela arte, redireciona, redimensiona sua percepção.
Este espaço sagrado, que é o hiato, a abissal presença do nada, é onde estão ecoando a carga dramática, lírica ou épica da obra de arte.
Contudo, este nada não é propriamente o vazio absoluto. Assim como seria intragável uma água que fosse realmente insípida, inodora e incolor, o vazio momentâneo da obra artística deve estar permeado por todo o seu antes e/ou seu depois.
Sendo mais preciso. O silêncio de Galileu ao comer seus gansos (eram gansos?), o silêncio dos últimos quartetos de Beethoven, o silêncio das últimas obras de Picasso, o silêncio final de Sargento Getúlio, todos estes silêncios estão prenhes de significado pelo que o autor construiu, ou seu intérprete, ou – na melhor das hipóteses – ambos; o que nos leva a pensar na comunhão do resultado final de uma apresentação como um entendimento de criadores em torno de uma obra, e não em torno de seu ego ou satisfação.
Será, realmente, que Liv Ullman pensava em alguma coisa significativa na clássica cena do espelho, em Gritos e Sussuros, de Bergman? Mesmo que ela estivesse pensando no calo em seu pé, a atriz havia criado uma atmosfera com sua interpretação, com a fala do outro personagem, com a fotografia de Nykvist e a direção de Bergman, que aquilo ali acabou por se tornar sufocante, mesmo que pra ela não fosse (afinal, o poeta é um fingidor).
Já que falei de cinema, não posso deixar de lembrar de Tarkovski. Este cineasta russo trabalhava com os silêncios de forma quase sublime, deixando que o tempo da pausa se tornasse o nosso próprio tempo, o silêncio tornando-se nossa voz interior contracenando com a tela.
No teatro não podia deixar de ser diferente. Quem olha a foto acima, pode fazer várias leituras. Lendo o título da peça, já se impõe um limite. Sabendo do que se trata o texto, a redução mistura-se a uma mudança de perspectiva, e por aí vai.
Será, justamente, no antes e depois deste silêncio dos atores que o público achará os artifícios para puder ler a pausa. E nela deve se concentrar todo o peso ou leveza da ação. A anti-ação é muitas vezes mais dramática. O Teatro do Absurdo descobriu isso (e antes dele tantos outros, separadamente...). A angústia – muitas vezes – é mais avassaladora do que uma historinha bem contada, do que um discurso bem feito, do que uma ação arrojada.
É também na pausa que o objeto artístico, muitas vezes, se torna a pedra necessária às palavras, como diz João Cabral de Melo Neto, no poema Catar Feijão. Vale a pena lê-lo. É uma perfeita metáfora do incômodo que a arte deve trazer, pelo menos que a nossa arte, do Teatro Nu, pretende trazer.
Cada vez mais me comprazo com as pausas da nossa peça. São, muitas vezes, mais importantes do que o texto que eu mesmo escrevi. A pausa já é teatro, e as palavras ainda não; são apenas trilhas onde os atores vão criar seus caminhos.
É engraçado, pois elas incomodam mais aos atores do que a quem está assistindo os ensaios, que vê nas pausas o alívio e a angústia da cena. E por que não ter a pretensão de – nos silêncios – desvelar as verdades dos personagens para que os espectadores pensem nas suas próprias verdades? A palavra é a coisa. E o resto é silêncio...

GVT.

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