Langlois, por conta própria, começou seu acervo num momento em que ninguém achava preciso e possível guardar aquelas películas e celulóides tão frágeis. Achavam também que o cinema não era arte. E Langlois, um visionário louco, resolveu guardar TUDO que encontrava pela frente, não só os filmes à época consagrados pela bilheteria. Sua justificativa: "Quem faz o julgamento é a posteridade. A obra vive por si mesma e provoca, eternamente, novas leituras".
E não pense que era por puro amor colecionista: "Os filmes só existem sendo vistos. É preciso guardar para assisti-los". Ou por amor ao consagrado: "O que me interessa são os filmes do futuro. Mas só conseguiremos ir para o futuro, se tivermos passado. Senão faremos filmes do passado eternamente".
Depois de formado o acervo, ele doou tudo ao Estado e ficou à frente do que se chamou Cinemateca Francesa. Graças ao seu trabalho, uma geração de cineastas pode existir, porque aprendeu assistindo aos filmes já feitos, estudando linguagem. Graças a eles todos agradecem (nominalmente, no documentário) como Godard, Hitchcock, Resnais, Allen e dezenas de cineastas. Ele é uma rara unanimidade no mundo (beligerante) do cinema.
Dizem que graças à sua absurda expulsão (!) da diretoria da Cinemateca, por ordem do Ministro Malraux, em fevereiro de 1968, ocorreram as revoltas estudantis de Maio. Esta idéia é comprada por muita gente, como Bertolucci, em Os Sonhadores, que reproduz o ato dos estudantes a favor de Langlois e acorrenta Eva Green à porta da Cinemateca, dando início ao filme.
Graças a Langlois, outras dezenas de cinematecas pelo mundo puderam existir, com certeza até o nosso Cineclubismo com o Walter da Silveira (WS, o homem e não a sala), na década de 1950, que formou Glauber. Langlois guardou cinema mudo, western, americano, italiano, francês e etc. Conseguiu muitos negativos com as companhias cinematográficas que faliam, com colecionadores dispersos, com diretores fracassados, aposentados... Nada foi comprado. Tudo na confiança e sob o discurso que o cinema mereceria ser guardado como um acervo, como uma biblioteca especial...
Enfim, eu poderia falar dias sobre um filme de quatro horas (horas basilares, formativas, fundamentais) e que contou na platéia baiana com cinco seres humanos. Eu não estava entre eles... Estava em Domingos Martins, no interior do Espírito Santo, batizando um bebê numa Igreja Luterana, por acaso fundada por imigrantes alemães. Logo após este culto religioso, recebo um telefonema urgente. Era de Salvador. O professor e diretor Ewald Hackler, meu orientador no doutorado, estava na platéia da W.S. e, angustiado, me perguntava onde estava eu que perdia aquela obra-prima, onde estavam todos.
Ouvi durante 40 minutos parte do que contei para vocês. Fiquei abalada e a primeira coisa que fiz ao chegar foi correr atrás das pistas que me levassem ao documentário "Le Fantôme de Henri Langlois", O fantasma de Henri Langlois. Nada em DVD no Brasil. Na Embaixada da França no Rio e em São Paulo só emprestavam para instituições culturais, com CNPJ, com sede oficial e etc.
Aplaquei um pouco do meu delírio na internet. Onde mais? E fiquei cada vez mais alucinada pela figura romântica, corajosa, direta e inteligente de Langlois. Fascinada como fiquei com o pensador português Agostinho da Silva (que merece um capítulo à parte), com o cineasta Ernest Lubitsch, com o escritor americano Kurt Vonnegut, com o diretor pernambucano Martim Gonçalves e outras pérolas daqui e de lá. Acreditem: Eles existem!
O que mais posso fazer enquanto aguardo o resultado do pedido cara-de-pau que fiz à Embaixada do Rio, dizendo que o Teatro NU era uma instituição cultural sem fins lucrativos, sem CNPJ, sem sede real (só virtual), mas com muitos interesses culturais e que deveria ter uma cópia do referido documentário? Dividir com vocês as pistas do melhor que consegui sobre Langlois até agora:
Há um trecho de um documentário com entrevistas do cineasta Costa Gavras no Youtube. Em inglês e francês em http://br.youtube.com/watch?v=PzrcdUtxF1k Tive que chamar meu marido para ajudar na tradução... ;) 4 minutos
Há outro trecho (em francês...) com Langlois em http://br.youtube.com/watch?v=B3tIRCYQi3I. 2 minutos
Há uma entrevista EM PORTUGUÊS (!) na Cahiers du Cinema, com Langlois, feita pelos meninos da Nouvelle Vague, entre eles Éric Rohmer e Michel Mardore. Eu gostaria de transcrever toda aqui... Mas é besteira. Os meninos da Revista Contracampo editaram e colocaram em http://www.contracampo.com.br/19/henrilangloisentrevista.htm.
E, nesta busca, me deparo com "uma versão brasileira" de Langlois no interior de Pernambuco, na figura de Lula Cardoso Ayres Filho. Um brasileiro fenomenal que coleciona três mil filmes, centenas deles brasileiros (e que a cinemateca de SP não tem) sem nenhum apoio oficial, sem empregados, com dinheiro do FGTS. Enfim... Em http://www.cinereporter.com.br/scripts/monta_noticia.asp?nid=743
Olha, não é perder tempo passar uma tarde na companhia deles ...
Por Jussilene Santana
junesantana@gmail.com
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