“... a concepção de cultura que prevalece valoriza tanto Shakespeare e Musil quanto o par de botas e o cavalo de corridas genial”.
Alain Finkielkraut
É muito comum assistirmos, no teatro, a espetáculos que fazem referência direta a ícones da cultura pop, bem como discursos inflamados sobre problemas do nosso cotidiano. Quanto mais o público se identifica, mais ele se diverte, sente-se cúmplice daquele pensamento, sente-se inserido, ecoado na voz do(s) ator(es).
Sempre me foi tarefa árdua e prazerosa descobrir meios de questionar a realidade através do discurso metafórico, indireto, alegórico e diferente da realidade, do real, da vida. E assim, fazer arte. Mas é evidente que há uma indisposição geral do público a ler algo mais do que sua vida esmagada de padrões, assuntos e referências.
Há uma histeria generalizada das platéias baianas em participar dos espetáculos. Sempre há alguém querendo ser parte do objeto artístico. E muitas vezes a obra que está à sua frente permite, abre espaço e provoca o público a tal reação. É tão próximo, é tão vida que é tão ele, o público. É tão seu cotidiano, sua história, seu almoço de domingo, que já não é arte, é um desabafo, um bate-papo informal, ou um protesto de passeatas enjaulado neste espaço fechado a quatro paredes.
O público então sai de sua casa pra reencontrá-la? Parece que sim. O que menos se imagina é que o público saia de sua casa pensando na possibilidade de ser transportado pra outro mundo. Ou ser provocado a se encontrar com seu íntimo. Quando um espetáculo critica a sociedade, o público parece se colocar no papel cúmplice, como se partilhasse daquelas questões, e isso fizesse dele um ser mais importante.
Talvez a subjetividade oprima. A fantasia oprima. A poesia oprima. Sentirmo-nos pequenos, mesquinhos, limitados e fracos é insuportável. Ainda mais numa terra onde ser baiano é lindo, tocar tambor é lindo, comer acarajé é lindo... E o feio está ali, do lado de fora do teatro, sendo denunciado por pessoas que, desinibidas e espirituosas, ou firmes e revoltadas em seus princípios, esbravejam as idéias que acabamos de soltar na janta, no trabalho, no carro, no ônibus, na vida.
E arte passa a ser vida.
E a vida passa a não ter arte?
GVT.
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