domingo, outubro 15, 2006

TEATRO NU - apresentação

Aarrh! Como é cansativo para nossa geração começar qualquer coisa... É que daqui, deste pedaço insular da América do Sul, parece que paradoxalmente todos os projetos já foram feitos ou... Ainda aguardam serem inventados. Neste território atravessado por teorias, assistimos de camarote ao mito do ‘encontro das culturas’ e contemplamos a margem (ou o fim?) da Civilização Ocidental.

Afinal, o que nos resta?

Esta pergunta acompanha minhas conversas com Gil Vicente há uns quatro anos. Desde quando interpretei um de seus monólogos em Quartos, no Julho em Salvador. De lá para cá, fizemos muita coisa sozinhos, mas o projeto de criarmos um grupo, ou melhor, um ambiente para que algumas de nossas idéias em comum se fortalecessem, continuava.

Nosso reencontro na pós-graduação em Artes Cênicas da Ufba foi fundamental. Discutíamos (e muito) cada um de nossos projetos e a velha vontade persistia... Em junho deste ano, escrevi um ensaio para o A Tarde Cultural sobre os 50 anos da Escola de Teatro, e Gil Vicente foi um dos meus primeiros leitores. Concluímos que seria um estímulo abrir este debate num ambiente digital. Criamos um blog (http://teatronu.blogspot.com) e iniciamos o projeto Teatro NU.

Dando carne a este sonho, se integraram, generosamente, dois grandes atores do teatro baiano: Carlos Betão e Carlos Nascimento. Dois Carlos, dois mestres que, a cada ensaio de Os Amantes II, ensinam ao Teatro NU uma maneira nova de continuar amando o teatro.

A nudez, desta vez, não vem dos corpos nus expostos ao sol, mas da tentativa de ser simples e essencial. Daquilo que nos é essencial.

O Teatro NU acredita na força do texto e da dramaturgia. Pretende pesquisar e montar textos da dramaturgia clássica e contemporânea; assim como busca criar canais de debate entre autores locais com centros nacionais e internacionais que ainda acreditam neste “teatro da palavra”. Mesmo – ou exatamente – sabendo dos limites e impossibilidades impostos à palavra em todo teatro do século XX. Afinal, o que nos resta? Ora, vamos... Tanto você quanto eu sabemos que ainda temos muito que conversar.

Jussilene Santana


sábado, outubro 14, 2006

outro texto do PROGRAMA, por Rodolfo di Giammarco, crítico italiano

Seria interessante conhecer a possível reação de Sarah Kane à afirmação que a sua peça Blasted – com os mecanismos canibais de um “ele” e uma “ela” (e um soldado) na margem do caos – pode ter, entre as outra matrizes, a dos mecanismos de canibalismo verbal de um “ele” e uma “ela” (e só in extremis de um soldado), criados como exercício de estilo metafísico por Ionesco em Delírio a dois. Seria interessante, igualmente, conhecer a reação de Gil Vicente Tavares se alguém lhe dissesse que o seu ato único Os Amantes II, onde a cena e os diálogos são dominados por uma cópia do quadro homônimo de Magritte, está curiosamente ligado às digressões a partir do infinito discurso à volta de um quadro (branco, neste caso), ao longo da estrutura inteira da comédia Art de Yasmina Reza. Ou então seria interessante conhecer a sua reação se alguém lhe dissesse que a vontade-dependência-fetichismo de televisão do “ele”/marido pequeno burguês, nesta sua peça em três quadros, onde se chega a falar num «Cristo crucificado na televisão», está profundamente ligada à penúltima peça de Arthur Miller, Resurrection Blues, onde assunto de primária importância é a vontade patológica e consumista de ver a crucificação, na televisão, de um revolucionário conhecido como Che Guevara. Ou, ainda, seria interessante conhecer a reação de Gil Vicente Tavares, se alguém notasse que a fórmula da dinâmica de casal invadida por um terceiro estranho, que em Os Amantes II é um mecanismo-estímulo mais que uma intrusão-chave, tem semelhanças anômalas, mas substanciais, com autores como Harold Pinter ou Jon Fosse.
E a matéria inalcançável e implacável deste jovem autor brasileiro tem, como vocês perceberam, um horizonte imenso de semelhanças com autores importantes, e afinidades, ligações, causas-efeitos. Mas, como já eu tinha tido oportunidade de confirmar numa outra peça dele, é com uma certa parte do teatro não-figurativo de Eugène Ionesco que eu identifico (mais uma vez aqui, em Os Amantes II) um laço especial pelo tipo de linguagem e de estrutura: os mesmos modelos de desestruturação, a mesma crueldade amarga, o surrealismo e o minimalismo de comédia-paródia, e a banalidade da tragédia da vida. É suficiente pensar nos dois cônjuges pequenos & burgueses de Vítima do dever, de Ionesco, um pseudo-drama onde um policial chega de repente apenas perguntando qual é a pronúncia correta do nome do vizinho. Ou então é suficiente pensar naquilo que acontece na casa de A cantora careca, quando entra o capitão dos bombeiros, que anotou na sua agenda que numa certa hora, mesmo ali, devia rebentar um incêndio. Ou então, examinando a fala final de Os Amantes II, porque não se lembrar da Roberta II, escolhida por Jacques em Jacques ou la Soumission de Ionesco?
Cada vez que Gil Vicente Tavares se afasta do naturalismo, re-interpreta também os modelos do absurdo, os assuntos da crueldade, a vaidade do amor, a psico-patologia do quotidiano. O casal de Os Amantes II parece um casal lobotomizado, num futuro para-berlusconiano com a televisão grande manobradora da inutilidade dos homens: a televisão que deixa de funcionar é a própria vida que deixa de funcionar, e aí é que faz sentido a entrada de um estranho forçado a pedir, por esmola, uma horinha de programas televisivos. Mas nesta casa, a casa de Os Amantes II, até se chega ao pedido de trasfiguração dela por parte dele, para que ela se transforme em apresentadora do vídeo, porque a única coisa importante é conseguir reproduzir mais uma vez o ritual virtual, de parasitas.
É inevitável que da boca da personagem (filha de um poeta) saia o horror: não há luz no fim do túnel. Errado. Ela não viu aquele tal filme com Humphrey Bogart em que Bogey afirma, pelo contrário, que até na escuridão mais profunda há sempre uma pequena luz.

Rodolfo di Giammarco
Crítico do jornal La Repubblica e diretor artístico de vários festivais, entre os quais Garofano Verde, Trend e Under 13, di Giammarco foi um dos responsáveis pela ida de Gil Vicente Tavares a Roma em julho deste ano. Lá, foram lidos seus textos Os Javalis e Os Amantes II; ver informações mais abaixo.

sexta-feira, outubro 13, 2006

mais equipe técnica...


Eduardo Tudella, que fará a luz do espetáculo Os Amantes II, já de longa data vem trabalhando com o diretor Gil Vicente Tavares, sendo este o oitavo trabalho de parceria dos dois. Contando com a montagem de textos clássicos do teatro moderno e contemporâneo, a dupla já realizou peças como Quartett (Heiner Müller), Antes da reforma (Thomas Bernhard) e O despertar da primavera (Frank Wedekind, ver imagem acima).
Tudella é mestre em cenografia e iluminação pela New York University, professor da Escola de Teatro e vem atuando como iluminador de vários espetáculos da cidade, ressaltando aqui a constante parceria de Tudella com dois grandes diretores da cidade; Harildo Déda e Ewald Hackler. Com o último, a "luz" de Tudella está em cartaz no espetáculo Mestre Haroldo e os meninos.
Mais uma contribuição de peso para o Teatro Nu.

* * *
Outra boa contribuição para o Teatro Nu e para nossa peça de estréia, Os Amantes II, é Marcos Póvoas. Kico, como é mais conhecido, já fez a direção musical dos espetáculos José Ulisses da Silva (Viladança) e Candaces (Companhia de Teatro dos Comuns – RJ). Com este último, recebeu o Prêmio Shell 2003/2004 de Melhor Direção Musical.
Assinou a edição e/ou produção de documentários e curtas premiados como Marias do Charuto, Cega Seca (35mm), Caçadores de Saci, Vermelho Rubro do Céu da Boca, O Anjo Daltônico e Hansen Bahia (35mm).
Agora está com a gente...

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Luz, som, ação...

quarta-feira, outubro 04, 2006

novas notas sobre a montagem...


O silêncio é fundamental na arte. O que faltou ser dito, pintado, ouvido, é justamente o espaço profícuo do apreciador da obra. É naquele instante mínimo que a pessoa refaz aquela arte, redireciona, redimensiona sua percepção.
Este espaço sagrado, que é o hiato, a abissal presença do nada, é onde estão ecoando a carga dramática, lírica ou épica da obra de arte.
Contudo, este nada não é propriamente o vazio absoluto. Assim como seria intragável uma água que fosse realmente insípida, inodora e incolor, o vazio momentâneo da obra artística deve estar permeado por todo o seu antes e/ou seu depois.
Sendo mais preciso. O silêncio de Galileu ao comer seus gansos (eram gansos?), o silêncio dos últimos quartetos de Beethoven, o silêncio das últimas obras de Picasso, o silêncio final de Sargento Getúlio, todos estes silêncios estão prenhes de significado pelo que o autor construiu, ou seu intérprete, ou – na melhor das hipóteses – ambos; o que nos leva a pensar na comunhão do resultado final de uma apresentação como um entendimento de criadores em torno de uma obra, e não em torno de seu ego ou satisfação.
Será, realmente, que Liv Ullman pensava em alguma coisa significativa na clássica cena do espelho, em Gritos e Sussuros, de Bergman? Mesmo que ela estivesse pensando no calo em seu pé, a atriz havia criado uma atmosfera com sua interpretação, com a fala do outro personagem, com a fotografia de Nykvist e a direção de Bergman, que aquilo ali acabou por se tornar sufocante, mesmo que pra ela não fosse (afinal, o poeta é um fingidor).
Já que falei de cinema, não posso deixar de lembrar de Tarkovski. Este cineasta russo trabalhava com os silêncios de forma quase sublime, deixando que o tempo da pausa se tornasse o nosso próprio tempo, o silêncio tornando-se nossa voz interior contracenando com a tela.
No teatro não podia deixar de ser diferente. Quem olha a foto acima, pode fazer várias leituras. Lendo o título da peça, já se impõe um limite. Sabendo do que se trata o texto, a redução mistura-se a uma mudança de perspectiva, e por aí vai.
Será, justamente, no antes e depois deste silêncio dos atores que o público achará os artifícios para puder ler a pausa. E nela deve se concentrar todo o peso ou leveza da ação. A anti-ação é muitas vezes mais dramática. O Teatro do Absurdo descobriu isso (e antes dele tantos outros, separadamente...). A angústia – muitas vezes – é mais avassaladora do que uma historinha bem contada, do que um discurso bem feito, do que uma ação arrojada.
É também na pausa que o objeto artístico, muitas vezes, se torna a pedra necessária às palavras, como diz João Cabral de Melo Neto, no poema Catar Feijão. Vale a pena lê-lo. É uma perfeita metáfora do incômodo que a arte deve trazer, pelo menos que a nossa arte, do Teatro Nu, pretende trazer.
Cada vez mais me comprazo com as pausas da nossa peça. São, muitas vezes, mais importantes do que o texto que eu mesmo escrevi. A pausa já é teatro, e as palavras ainda não; são apenas trilhas onde os atores vão criar seus caminhos.
É engraçado, pois elas incomodam mais aos atores do que a quem está assistindo os ensaios, que vê nas pausas o alívio e a angústia da cena. E por que não ter a pretensão de – nos silêncios – desvelar as verdades dos personagens para que os espectadores pensem nas suas próprias verdades? A palavra é a coisa. E o resto é silêncio...

GVT.

domingo, outubro 01, 2006

Texto do PROGRAMA, por Letizia Russo, escritora e tradutora de Os Amantes II

Se existe um dever do teatro contemporâneo, com certeza é a obrigação a não ser inócuo, nem confortável. Assumir e levar para frente uma reflexão o mais honesta possível. Nos anos em que vivemos talvez mais do que em qualquer outra idade, honestidade intelectual e desconforto do público (pra não falar da crítica, por sua própria natureza em eterno atraso no reconhecimento dos impulsos vitais da cultura e, ironicamente, sempre pronta a trocar vícios antigos por falsas novidades), andam, justamente, de mãos dadas.

A urgência da arte, e do teatro contemporâneo especialmente, é não mais nem menos do que aquilo que Aristóteles chamava à arte: uma atitude de procura da verdade. Aquilo que mais atinge em Os Amantes II de Gil Vicente Tavares é a sua capacidade desapiedada de retratar cada um de nós. Com um pequeno aperto no coração descobrimos que, nesses três personagens que andam perdidos nos poucos metros quadrados de uma casa, à procura do único contacto com o mundo que para eles é possível, há o retrato do nosso vizinho, do nosso amigo, do nosso familiar, até descobrirmos que é também de nós próprios que este texto fala.

Só podemos aceitar essa descoberta como um fogo que sara ou, então, recusá-la completamente. Nós, cada vez mais “livres” de atingir informação, diversão, crescimento, cada vez menos livres de distinguir entre um e outro, e de distinguir um e outro no seu próprio interior. Cada vez mais condenados a sermos governados por uma elite, de geração em geração mais oligárquica, elite de pessoas que terão em suas mãos as chaves da verdadeira cultura ou sabedoria, ou seja, a capacidade de discernir.

Nós, condenados, de regime em regime, de pseudo-democracia em pseudo-democracia, a votar em pessoas que do verdadeiro poder serão cada vez mais apenas a sombra. Mas Os Amantes II não é só uma peça política, apesar de que este elemento de reflexão não-ideológica e sem partido político está à base da peça.

Os Amantes II é um texto profundamente humano, cuja força poética está no seu esforço de universalização, na recusa da lógica das nações, do folclore, e longe também da crônica bruta: nesses três laivos de solidão é possível reconhecer uma humanidade ofendida, pisada e despida da possibilidade de procurar a felicidade, mas ainda digna, ainda capaz de gritar, ainda capaz, se só quisesse, de dar a vida.

Letizia Russo - autora italiana

Letizia Russo nasceu em Roma em 1980. Escreveu para teatro:

1. Niente e Nessuno (Una Cosa Finita), representado em 2000 em Castelnuovo di Farfa, no âmbito do festival “Per Antiche Vie" organizado por Mario Martone, então director do Teatro di Roma;
2. Tomba di Cani (Prêmio Tondelli 2001);
3. Asfissia, encomendada pelo "Festival di Candoni – ArtaTerme" (2002);
4. Binario Morto, encomendada pelo National Theatre de Londres (2004);
5. Babele, primeiro texto de uma trilogia sobre o poder.

Participou, em 2002, da International Residency do Royal Court de Londres. Escreveu para a rádio: I Conigli Sulla Luna, Lo Spirito Nell'acqua, La Via Del Mare, Qoèlet, Kilmainam Gaol, transmitidos pela Rai3 em 2002. Venceu em 2003 o prémio UBU como revelação do ano pelo texto Tomba di Cani. Foi escritora-residente nos Artistas Unidos, em Portugal, entre 2004 e 2005 com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

Tomba di Cani estreou em 2001 na Saletta Gramsci do Teatro de Pistoia com participação em vídeo de Antonio Casagrande, encenação de Cristina Pezzoli, num produção do Teatro di Pistoia / Teatro del Tempo Presente. O espectáculo recebeu três nomeações (Isa Danieli, melhor intérprete feminina; Cristina Pezzoli, melhor encenação; Letizia Russo, melhor autor) para o Prémio ETI – Gli Olimpici del Teatro.

Fim de Linha (Binario Morto) estreou dia 8 de Julho no Royal National Theatre em Londres, na versão do Bath Theatre Royal Area, uma das catorze escolas de teatro inglesas que escolheram a peça entre as comissionadas pelo Festival Shell Connections. Os Artistas Unidos realizaram uma leitura no âmbito do Festival de Almada 2004 dirigida por Pedro Marques.

texto retirado do http://www.artistasunidos.pt/letizia_russo.htm